A Nuvem
(De
T. Gautier)
ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)
As roupas
deslaçando, entra no banho
A lânguida
sultana enamorada:
Livre do pente, os ombros nus lhe beija
A longa e fina trança desatada.
Livre do pente, os ombros nus lhe beija
A longa e fina trança desatada.
Atrás dos
vidros o sultão a espreita;
E consigo
murmura: “como é bela!
Ninguém a vê, ninguém! o negro eunuco
Do harém na torre solitário vela!”
Ninguém a vê, ninguém! o negro eunuco
Do harém na torre solitário vela!”
— Eu a vejo, uma nuvem lhe responde
Do sereno
e alto azul iluminado:
— Vejo-lhe os seios nus, vejo-lhe o dorso,
— E o seu corpo de pérolas colmado—
— Vejo-lhe os seios nus, vejo-lhe o dorso,
— E o seu corpo de pérolas colmado—
Fez-se
pálido Ahmehd bem como a lua,
E erguendo
o seu kandjar de folha rara,
Desce, e apunhala a nua favorita...
Quanto à nuvem... no azul se dissipara...
Desce, e apunhala a nua favorita...
Quanto à nuvem... no azul se dissipara...
★★★
As nuvens
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Nuvem, que me
consolas e contristas,
Tenho o teu gênio e o teu labor ingrato:
Essas arquiteturas imprevistas
São como as construções em que me mato...
Tenho o teu gênio e o teu labor ingrato:
Essas arquiteturas imprevistas
São como as construções em que me mato...
Nunca vemos,
misérrimos artistas,
A vitória deste ímpeto insensato:
A um sopro benfazejo, que conquistas!
A um hálito cruel, que desbarato!
A vitória deste ímpeto insensato:
A um sopro benfazejo, que conquistas!
A um hálito cruel, que desbarato!
Nuvens de terra
e céu, brincos do vento,
Vai-se-nos breve a essência no ar varrida...
Irmã, que importa? ao menos, num momento,
Vai-se-nos breve a essência no ar varrida...
Irmã, que importa? ao menos, num momento,
No fastígio
falaz da nossa lida,
Tu, nas miragens, e eu, no pensamento,
Somos a força e a afirmação da Vida!
Tu, nas miragens, e eu, no pensamento,
Somos a força e a afirmação da Vida!
Nuvem
LUÍS DELFINO
"Algas
e Musgos"
(1927)
Criança de olhar
límpido e tranquilo,
Esculturada,
como lavro as odes,
Quando de espaço
e olímpico as burilo,
Cheias de canto
e luz, como os pagodes:
Tu só entendes,
tu somente podes,
Lendo, ouvir o
que em si tem de sigilo:
E o ouro delas,
— e é só o escrínio abri-lo,
Como aos astros
nos céus faz Deus, sacodes.
Ouves ondear na
estrofe o teu perfume;
Vês o universo,
que uma voz resume;
Há loureiros
nuns sons, há sóis, e mais...
E não têm conta
as pérolas que arranca
Teu dedo à
espuma, que as envolve, ó branca...
Branca nuvem de
uns brancos ideais!...
★★★
A Nuvem
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Nuvem errante, peregrino vaso,
que flutuas no
espaço eternamente,
ora dourada pelo
sol no ocaso,
ora fendida pelo
sol nascente;
Essas formas
fantásticas que assumes,
batida pela luz
e pelos ventos,
nuvem feita de
orvalho e de perfumes,
são imagens dos
nossos pensamentos.
Amor ou ilusão
que vais levando
no seio, onde
germinam primaveras,
detêm-te, nuvem,
deixa-me sonhando,
nutrir-me na
visão destas quimeras.
★★★
Às nuvens
MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos
Sagrados”
(1899)
Vapores que em vistosos cortinados
Armais dos céus
o templo de safira
Com púrpura e
finíssimos broxados,
Sede hoje o
assunto para a voz da lira!
Que eu quero ter
a íntima certeza
Que, antes da
hora da fatal partida,
A minha alma no
mundo fica preza
Às coisas belas
que adorei na vida...
Horas felizes
que ainda hoje eu passo,
Pelas tardes
calmosas do verão,
Seguindo-as uma
a uma pelo espaço,
Dizei às nuvens
se eu as amo ou não!...
Eu que vou pelo
mundo imaginando
Visões sobre
visões, sempre ilusórias:
Comprazo-me em
vos ver de quando em quando,
Formas aéreas,
sombras transitórias!...
Vós que nas
tardes e manhãs amenas,
Passando como
tímidas deidades,
Deixais os céus
juncados d'açucenas,
D'alvos jasmins
e roxas saudades;
Vós que andais
pressurosas, fugitivas,
Os céus cruzando
num lidar constante:
Sorris-me como
as múltiplas missivas
Que envia ao Sol
a Terra sua amante!...
Imagens lindas
dum amor jucundo,
E espectros
negros d'íntimos rancores,
Do grande
coração que agita o mundo,
O mar, que tem
como eu paixões e amores!...
À tarde quando o
Sol, cratera ardente,
Vai prestes a
apagar-se e, em desafago,
Inflama as
grandes portas do Ocidente
E faz da terra e
céus um mar de fogo:
Ah! deixo os
olhos espraiando a vista
Pelos painéis de
mil preciosidades,
Aonde desenhais,
com mãos d'artista,
Em telas d'ouro
olímpicas cidades!...
E agora são
rochedos e campinas!...
Fulvos leões e
tímidas gazelas!...
E logo Após
castelos em ruínas,
Visões d'amor,
fantásticas donzelas!...
Umas vezes são
guerras estrondosas,
Lutas cruéis
d'impávidos gigantes,
Onde há rios de
sangue e pavorosas
Sombras de
heróis, e incêndios fumegantes!...
E outras vezes,
então, nuvens ligeiras,
Convertei-vos em
lírios e violetas,
Em acácias
floridas e palmeiras,
E em vultos de
Romeus e Julietas!...
E eu amo a nuvem
negra que imponente
Abre nos céus a
fúlgida garganta,
E vomita do seio
o raio ardente,
E com ele o
trovão que o mundo espanta...
E a pudibunda
nuvem d'alvorada
Quando, ante o
Sol esplêndido que assoma,
Parece virgem
pura e delicada,
Branca de neve
com dourada coma!...
Oh nuvens que
passais no firmamento,
Bandos aéreos
d'ilusões perfeitas!...
Vós que tão
lindas sois, e num momento,
No chão caís em
lágrimas desfeitas!
Quando vos vejo
pelo azul profundo,
Voluptuosas,
gentis e transparentes:
Lembrais-me os
sonhos que lancei ao mundo,
Como um bando de
pombas inocentes!...
Bem mais felizes
vós, que, num momento,
Passando aéreo
fumo em vale e serra,
Levais convosco,
a vida, o movimento
De quanto nasce
e vive sobre a terra!...
Já não assim
meus sonhos, muito embora
Levem consigo as
novas do futuro:
São nuvens belas
d'esplendente aurora,
Desfeitas sobre
um chão ingrato e duro!...
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