6/25/2018

Temas Poéticos: MULHERES IV


Clarisse

AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)


“Não sei o que é tristeza,” ela me disse...
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do céu caísse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,

Nunca viram morrer um passarinho.

★★★

Carlota

AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)


Quis bordar teu nome amado
E roubei uns fios de ouro
Das tranças de teu cabelo
Tão longas e perfumadas...
Depois do nome bordado
Com aquele cabelo louro,
Cuidei ver o Sete-Estrelo
Nas sete letras douradas.

★★★

Angélica

AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)

Tu, por seres alvíssima, desdenhas
a morena de longas tranças pretas:
dizes que tens razão, talvez não tenhas.
Por que desprezos para as violetas?

Que tem tua alva cor que sobreleve
a cor morena em face de um espelho?
A neve é branca, o sol vermelho, e a neve
branca é vencida pelo sol vermelho.

Julgo igualmente belas na pintura
todas as cores, todas as nuanças:
em toda parte brilha a formosura,
nas tranças louras, ou nas negras tranças.

Perdoa-me a dureza do conceito,
voz da verdade, queiras ou não queiras:
olha, criança, que, a qualquer respeito,
são parecidas todas as caveiras!

★★★

Versos a Corina

MACHADO DE ASSIS
"Crisálidas" (1864)

Tacendo il nome di questa gentilíssima
Dante

I
Tu nasceste de um beijo e de um olhar. O beijo
Numa hora de amor, de ternura e desejo,
Uniu a terra e o céu. O olhar foi do Senhor,
Olhar de vida, olhar de graça, olhar de amor;
Depois, depois vestindo a forma peregrina,
Aos meus olhos mortais, surgiste-me, Corina!

De um júbilo divino os cantos entoava
A natureza mãe, e tudo palpitava,
A flor aberta e fresca, a pedra bronca e rude,
De uma vida melhor e nova juventude.

Minh'alma adivinhou a origem do teu ser;
Quis cantar e sentir; quis amar e viver
A luz que de ti vinha, ardente, viva, pura,
Palpitou, reviveu a pobre criatura;
Do amor grande elevado abriram-se-lhe as fontes;
Fulgiram novos sóis, rasgaram-se horizontes;
Surgiu, abrindo em flor, uma nova região;
Era o dia marcado à minha redenção.
Era assim que eu sonhava a mulher. Era assim:
Corpo de fascinar, alma de querubim;
Era assim: fronte altiva e gesto soberano,
Um porte de rainha a um tempo meigo e ufano,
Em olhos senhoris uma luz tão serena,
E grave como Juno, e belo como Helena!
Era assim, a mulher que extasia e domina,
A mulher que reúne a terra e o céu: Corina!

Neste fundo sentir, nesta fascinação,
Que pede do poeta o amante coração?
Viver como nasceste, ó beleza, ó primor,
De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.

Viver, — fundir a existência
Em um ósculo de amor,
Fazer de ambas — uma essência,
Apagar outras lembranças,
Perder outras ilusões,
E ter por sonho melhor
O sonho das esperanças
De que a única ventura
Não reside em outra vida,
Não vem de outra criatura;
Confundir olhos nos olhos,
Unir um seio a outro seio,
Derramar as mesmas lágrimas
E tremer do mesmo enleio,
Ter o mesmo coração,
Viver um do outro viver...
Tal era a minha ambição.
Donde viria a ventura
Desta vida? Em que jardim
Colheria esta flor pura?
Em que solitária fonte
Esta água iria beber'?
Em que incendido horizonte
Podiam meus olhos ver
Tão meiga, tão viva estrela,
Abrir-se e resplandecer?
Só em ti: — em ti que és bela,
Em ti que a paixão respiras,
Em ti cujo olhar se embebe
Na ilusão de que deliras,
Em ti, que um ósculo de Hebe
Teve a singular virtude
De encher, de animar teus dias,
De vida e de juventude...

Amemos! diz a flor à brisa peregrina,
Amemos! diz a brisa, arfando em torno à flor;
Cantemos esta lei e vivamos, Corina,
De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.

II
A minha alma, talvez, não é tão pura,
Como era pura nos primeiros dias;
Eu sei; tive choradas agonias
De que conservo alguma nódoa escura,

Talvez. Apenas à manhã da vida
Abri meus olhos virgens e minha alma.
Nunca mais respirei a paz e a calma,
E me perdi na porfiosa lida.

Não sei que fogo interno me impelia
À conquista da luz, do amor, do gozo,
Não sei que movimento imperioso
De um desusado ardor minha alma enchia.

Corri de campo em campo e plaga em plaga,
(Tanta ansiedade o coração encerra!)
A ver o lírio que brotasse a terra,
A ver a escuma que cuspisse — a vaga.

Mas, no areal da praia, no horto agreste,
Tudo aos meus olhos ávidos fugia...
Desci ao chão do vale que se abria,
Subi ao cume da montanha alpestre.

Nada! Volvi o olhar ao céu. Perdi-me
Em meus sonhos de moço e de poeta;
E contemplei, nesta ambição inquieta,
Da muda noite a página sublime.

Tomei nas mãos a cítara saudosa
E soltei entre lágrimas um canto.
A terra brava recebeu meu pranto
E o eco repetiu-me a voz chorosa.

Foi em vão. Como um lânguido suspiro,
A voz se me calou, e do ínvio monte
Olhei ainda as linhas do horizonte,
Como se olhasse o último retiro.

Nuvem negra e veloz corria solta,
O anjo da tempestade anunciando;
Vi ao longe as alcíones cantando
Doidas correndo à flor da água revolta.

Desiludido, exausto, ermo, perdido,
Busquei a triste estância do abandono,
E esperei, aguardando o último sono,
Volver à terra, de que foi nascido.

— “Ó Cibele fecunda, é no remanso
Do teu seio que vive a criatura.
Chamem-te outros morada triste e escura,
Chamo-te glória, chamo-te descanso!”

Assim falei. E murmurando aos ventos
Uma blasfêmia atroz — estreito abraço
Homem e terra uniu, e em longo espaço
Aos ecos repeti meus vãos lamentos.

Mas, tu passaste... Houve um grito
Dentro de mim. Aos meus olhos
Visão de amor infinito,
Visão de perpétuo gozo
Perpassava e me atraía,
Como um sonho voluptuoso
De sequiosa fantasia.
Ergui-me logo do chão,
E pousei meus olhos fundos
Em teus olhos soberanos,
Ardentes, vivos, profundos,
Como os olhos da beleza
Que das escumas nasceu...
Eras tu, maga visão,
Eras tu o ideal sonhado
Que em toda a parte busquei,
E por quem houvera dado
A vida que fatiguei;
Por quem verti tanto pranto,
Por quem nos longos espinhos
Minhas mãos, meus pés sangrei!

Mas se minh'alma, acaso, é menos pura
Do que era pura nos primeiros dias,
Por que não soube em tantas agonias
Abençoar a minha desventura;

Se a blasfêmia os meus lábios poluíra,
Quando, depois de tempo e do cansaço,
Beijei a terra no mortal abraço
E espedacei desanimado a lira;

Podes, visão formosa e peregrina,
No amor profundo, na existência calma,
Desse passado resgatar minh'alma
E levantar-me aos olhos teus, — Corina!

III
Quando voarem minhas esperanças
Como um bando de pombas fugitivas;
E destas ilusões doces e vivas
Só me restarem pálidas lembranças;

E abandonar-me a minha mãe Quimera,
Que me aleitou aos seios abundantes;
E vierem as nuvens flamejantes
Encher o céu da minha primavera;

E raiar para mim um triste dia,
Em que, por completar minha tristeza,
Nem possa ver-te, musa da beleza,
Nem possa ouvir-te, musa da harmonia;

Quando assim seja, por teus olhos juro,
Voto minh'alma à escura soledade,
Sem procurar melhor felicidade,
E sem ambicionar prazer mais puro,

Como o viajor que, da falaz miragem
Volta desenganado ao lar tranquilo
E procura, naquele último asilo,
Nem evocar memórias da viagem,

Envolvido em mim mesmo, olhos cerrados
A tudo mais, — a minha fantasia
As asas colherá com que algum dia
Quis alcançar os cimos elevados.

És tu a maior glória de minha alma,
Se o meu amor profundo não te alcança,
De que me servirá outra esperança?
Que glória tirarei de alheia palma?

IV
Tu que és bela e feliz, tu que tens por diadema
A dupla irradiação da beleza e do amor;
E sabes reunir, como o melhor poema,
Um desejo da terra e um toque do Senhor;

Tu que, como a ilusão, entre névoas deslizas
Aos versos do poeta um desvelado olhar,
Corina, ouve a canção das amorosas brisas,
Do poeta e da luz, das selvas e do mar.

★★★

Laura

BRUNO SEABRA
“Lucrécias” (Fins do século XIX)

— Donde vens, Laura?
— De casa.
— Vais à festa?
— Já se vê?
— Tão sozinha?
— O que tem com isso?
— Vou contigo...
— Para quê?

— Para ensinar-te o caminho...
— Agradeço-lhe o favor;
Eu sei de cor estas bandas,
Obrigada, meu senhor.

— Olha o Demo se te encontra...
— Pergunto ao Demo; o que quer?
— E se ele quiser um beijo?
— Dou-lhe até mais, se quiser.

— Ora, anda cá; dá-me o beijo,
Porque o Demônio em mim vês...
— Já me'stava parecendo...
Ficará para outra vez.

— Vá desta vez um abraço...
— Abraço?..
— Sim, o que tem?
— Mamãe me disse outro dia...
— O que te disse a mamãe?

— Que uma rapariga solteira
Em abraçando um rapaz...
Ferve-lhe o sangue nas veias,
E depois...
— E depois?
— Zás!
_________

Arregaçando o vestido
Deitou-se Laura a correr;
Deixando-me boquiaberto
Co'o sangue todo a ferver!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...