A Júlia
AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)
No teu olhar, cheio da luz
chorosa
Que envolve o Espaço quando a
tarde expira,
Boia uma doce mágoa
lacrimosa,
Uma saudade indefinida gira.
E quando afirmes que não tem
começo
A dor sem fim que no teu seio
existe
Queres assim, eu muito bem
conheço,
Fazer-me crer que já nasceste
triste.
E falas a sorrir: “Essa
dolente
Tristeza amarga que me empana
o olhar
É a vaga chorando eternamente
Por não poder se separar do
mar...”
E se te fito a umedecida boca
E vejo rubro o lábio que
sorri,
Logo pergunto, num cismar de
louca,
À mente e ao coração, se és
tu quem ri.
Pois é tão mansa a chama
destes olhos
Envoltos na carícia do
sorriso,
Que eu penso que teus cílios
são abrolhos,
Abrolhos rodeando um
paraíso...
★★★
Júlia
MACHADO DE ASSIS
“Poesias
Dispersas”
Teu rosto meigo e singelo
Tem do céu terno bafejo.
Tu és a rosa do prado
Desabrochando ao albor
Abrindo o purpúreo seio,
Abrindo os cofres de amor.
Tu és a formosa lua
Percorrendo o azul dos céus,
Retratando sobre a linfa.
Os seus alvacentos véus.
Tu és a aurora formosa
Quando d’além vem surgindo;
E que se ostenta garbosa
Áureas flores espargindo.
Tu és perfumada brisa
Sobre o prado derramada
Que goza os doces sorrisos
Da formosa madrugada.
Tua candura e beleza
Tem de amor doce expressão
És um anjo, minha Júlia,
Donde nasce a inspiração.
Quando a terra despe as galas
E os mantos da noite veste,
Vejo brilhar tua imagem
Lá na abóbada celeste.
Nela vejo as tuas graças,
Nela vejo um teu sorriso
Nela vejo um volver d'olhos
Nascido do paraíso.
És ó Júlia, meiga virgem
Que temente ora ao Senhor;
São teus olhos duas setas.
O teu todo é puro amor.
★★★
A Guiomar
MACHADO DE ASSIS
“Poesias
Dispersas”
Ri, Guiomar, anda, ri. Quando ressoa
Tua alegre risada cristalina,
Ouço a alma da moça e da
menina,
Ambas na mesma lépida pessoa.
E então reparo, como o tempo
voa,
Como a rosa nascente e
pequenina
Cresceu, e a graça fresca
apura e afina...
Ri, Guiomar, anda, ri, mimosa
e boa.
A bela cor, o aroma delicado,
Por muitos anos crescerão
ainda,
Ao vivo olhar do noivo teu
amado.
Para ti, cara flor, a vida é
infinda,
O tempo amigo, longo e
repousado.
Ri, Guiomar, anda, ri,
discreta e linda.
★★★
A Francisca
MACHADO DE ASSIS
“Poesias
Dispersas”
Nunca faltaram aos poetas (quando
Poetas são de veia e de arte
pura),
Para cantar a doce formosura,
Rima canora, verso meigo e
brando.
Mas eu triste poeta
miserando,
Só tenho áspero verso e rima
dura;
Em vão minh'alma sôfrega
procura
Aqueles sons que outrora
achava em bando.
Assim, gentil Francisca
delicada,
Não achando uma rima em que
te veja
Harmoniosamente bem rimada,
Recorrerei à Santa Madre
Igreja
Que rime o nome de Francisca
amada
Com o nome de Heitor, que
amado seja.
★★★
Dolores
AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)
Já vão caminho no cemitério
Meus louros sonhos em visões negras,
E vão-se todos no azul sidéreo
Como uma nuvem de toutinegras.
A noite de ontem levei chorando
Todo o passado de meus amores;
E o dia ainda me achou rezando
No imenso terço de minhas dores.
Vejo na vida longo deserto
Sem doce oásis de salvação.
Dentro em minh’alma, doida, chorosa,
De pobre moça tuberculosa,
Cheio de medo, trêmulo, incerto
Bate com força meu coração.
E assim morrendo, coitada, aos poucos,
Convulsa e fria, louca de espanto,
Solto suspiros, soluços roucos,
Olhando as cruzes do Campo Santo.
Porque me lembro que muito breve
Leva-me a ele tanta dor física.
E dentro em pouco, branco de neve,
Verão o esquife da pobre tísica.
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