Bianca
LUÍS DELFINO
“Rosas
Negras” (1938)
São
dez: vai alto o sol: a sombra é quente;
Dobra
em pálio a mangueira a copa imensa;
—
Senta-te um pouco; estás cansada: — pensa.
—
Em quê? — Bem sabes no que pensa a gente.
Gostas
de ouvir os trilos da corrente?
Um
fio de água é bom na mata densa:
O
ar... Não fujas... — Olha: é voz, é crença,
Que
o bosque, o cheiro... este acre cheiro ardente...
(Jamais
hauri-lo só contigo pude!...)
Quem
sabe, diz que tem uma virtude,
Que
é como um vinho azul, bebe-se bem.
—
Por que taça? — Ora! a taça é boca e boca...
Mas
isto agora assim de chofre, louca?...
Ó
Bianca! Bianca! que não venha alguém...
★★★
A
Teresa
LUÍS DELFINO
“Rosas
Negras” (1938)
Teresa!
e este sagrado nome é um grito
Que
a alma toda atravessa, e o pensamento,
E
o oceano em luta, e a vaga atrás do vento,
E
a sombra vasta e longa do infinito;
Tudo
enche. — Ergo-lhe um templo de granito,
Um
panteão eterno, um monumento,
Que
eu só vejo ir subindo, e acabo, e atento
A
mole abraço, e o olhar na escrava fito.
É
dela. — Luz-me em resplendor de Santa:
Viu-me
nascer, e amou-me de maneira
Que
em mim criou o amor, que o amor levanta;
Dela
a saudade, em minha vida inteira,
Como
uma árvore, acesa em ninhos, canta,
E,
como um vale aberto em flores, cheira.
★★★
Lúcia
(Alfred de Musset)
MACHADO DE ASSIS
“Crisálidas” (1964)
Nós estávamos sós;
era de noite;
Ela curvara a
fronte, e a mão formosa,
Na embriaguez da
cisma,
Tênue deixava
errar sobre o teclado;
Era um murmúrio;
parecia a nota
De aura longínqua
a resvalar nas balças
E temendo acordar
a ave no bosque;
Em torno
respiravam as boninas
Das noites belas as
volúpias mornas;
Do parque os
castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam
orvalhados ramos;
Ouvíamos a noite;
entrefechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da
primavera os bálsamos;
A várzea estava
erma e o vento mudo;
Na embriaguez da
cisma a sós estávamos
E tínhamos quinze
anos!
Lúcia era loira e
pálida;
Nunca o mais puro
azul de um céu profundo
Em olhos mais
suaves refletiu-se.
Eu me perdia na
beleza dela,
E aquele amor com
que eu a amava — e tanto! —
Era assim de um
irmão o afeto casto,
Tanto pudor nessa
criatura havia!
Nem um som
despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas
mãos nas minhas;
Tíbia sombra
dormia-lhe na fronte,
E a cada movimento
— na minh’alma
Eu sentia, meu
Deus, como fascinam
Os dois signos de
paz e de ventura:
Mocidade da fronte
E primavera
d’alma.
A lua levantada em
céu sem nuvens
Com uma onda de
luz veio inundá-la;
Ela viu sua imagem
nos meus olhos,
Um riso de anjo
desfolhou nos lábios
E murmurou um
canto.
........................................
Filha da dor, ó lânguida
harmonia!
Língua que o gênio
para amor criara —
E que, herdara do
céu, nos deu a Itália!
Língua do coração
— onde alva ideia,
— Virgem medrosa
da mais leve sombra, —
Passa envolta num
véu e oculta aos olhos!
Que ouvirá, que
dirá nos teus suspiros
Nascidos do ar,
que ele respira — o infante?
Vê-se um olhar,
uma lágrima na face,
O resto é um
mistério ignoto às turbas,
Como o do mar, da
noite e das florestas!
Estávamos a sós e
pensativos.
Eu contemplava-a.
Da canção saudosa
Como que em nós
estremecia um eco.
Ela curvou a
lânguida cabeça...
Pobre criança! —
no teu seio acaso
Desdêmona gemia?
Tu choravas,
E em tua boca
consentias triste
Que eu depusesse
estremecido beijo;
Guardou-a a tua
dor ciosa e muda:
Assim, beijei-te
descorada e fria,
Assim, depois tu
resvalaste à campa;
Foi, com a vida,
tua morte um riso,
E a Deus voltaste
no calor do berço.
Doces mistérios do
singelo teto
Onde a inocência
habita;
Cantos, sonhos
d’amor, gozos de infante,
E tu, fascinação
doce e invencível,
Que à porta já de
Margarida, — o Fausto
Fez hesitar ainda,
Candura santa dos
primeiros anos
Onde parais agora?
Paz à tua alma,
pálida menina!
Ermo de vida, o
piano em que tocavas
Já não acordará
sob os teus dedos!
★★★
A Elvira
(Lamartine)
(Lamartine)
MACHADO DE ASSIS
“Falenas” (1870)
Quando, contigo a
sós, as mãos unidas,
Tu, pensativa e
muda, e eu, namorado,
Às volúpias do
amor a alma entregando,
Deixo correr as
horas fugidias;
Ou quando às
solidões de umbrosa selva
Comigo te
arrebato; ou quando escuto
— Tão só eu, —
teus terníssimos suspiros;
E de meus lábios
solto
Eternas juras de
constância eterna;
Ou quando, enfim,
tua adorada fronte
Nos meus joelhos
trêmulos descansa,
E eu suspendo meus
olhos em teus olhos,
Como às folhas da
rosa ávida abelha;
Ai, quanta vez
então dentro em meu peito
Vago terror
penetra, como um raio!
Empalideço, tremo;
E no seio da
glória em que me exalto,
Lágrimas verto que
a minha alma assombram!
Tu, carinhosa e
trêmula,
Nos teus braços me
cinges, — e assustada,
Interrogando em
vão, comigo choras!
"Que dor
secreta o coração te oprime?"
Dizes tu.
"Vem, confia os teus pesares...
Fala! eu
abrandarei as penas tuas!
Fala! eu
consolarei tua alma aflita!"
Vida do meu viver,
não me interrogues!
Quando enlaçado
nos teus níveos braços
A confissão de amor
te ouço, e levanto
Lânguidos olhos
para ver teu rosto,
Mais ditoso mortal
o céu não cobre!
Se eu tremo, é
porque nessas esquecidas
Afortunadas horas,
Não sei que voz do
enleio me desperta,
E me persegue e
lembra
Que a ventura coo
tempo se esvaece,
E o nosso amor é
facho que se extingue!
De um lance,
espavorida,
Minha alma voa às
sombras do futuro,
E eu penso então:
"Ventura que se acaba
Um sonho vale
apenas".
★★★
Angelina
Brilhante como uma estrela,
criança e já numa cova!
(J. EUSTACHIO DE
AZEVEDO)
AUTA DE SOUZA
Poesias
Ter doze anos
somente
E nesta idade
sofrer!
Sonhar um porvir
ridente
E nesta aurora
morrer!
Eis o que foi-te a
existência,
Ó desditosa
Angelina!
Doce lírio de
inocência,
Pobre floco de
neblina.
Como dois botões
pequenos,
Duas flores
orvalhadas,
Teus olhos dormem
serenos,
Sob as pálpebras
cerradas.
Voaste, meiga
criança,
Tão feiticeira e
mimosa,
Como um riso de
esperança,
Como uma folha de
rosa.
É triste morrer no
fim
De uma manhã de
esplendores...
A fronte ocultar,
assim,
Numa grinalda de
flores.
E sentir, por
entre a dor
Da derradeira
agonia,
De mãe um beijo de
amor
Roçar a fronte já
fria...
Quando, num
suspiro leve,
Est’alma que o
corpo encerra,
— Como uma pomba
de neve
A desprender-se da
terra —
Num voo suave e
franco,
Fugiu para o céu
de anil...
Vestiram-te,
então, de branco,
Como uma noiva
gentil.
No setíneo
caixãozinho,
Mais puro que as
alvoradas,
Depuseram teu
corpinho,
Entre as cambraias
nevadas.
Aí, no funéreo
leito,
Toda coberta de
rosas,
Tendo cruzadas ao
peito
Duas mãozinhas
formosas;
Pareces um anjo
santo,
Envolto em gélido
véu,
Transpondo azulado
manto,
Como em procura do
céu.
Eu sigo-te o voo
alado,
Pela esfera
diamantina,
Ó meu anjo
imaculado,
Ó minha santa
Angelina!
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