Hino à Mulher
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
Mulher, lírio
puríssimo do vale,
Eva criada, Eva
renascida,
Só para amar e para
ser querida,
Há perfeição acaso
que te iguale?
Antes que o alento
extremo o poeta exale,
Sabe que de ti sai
perene a vida:
Que sendo a
Virgem-Mãe preconcebida,
Ninguém na terra ou
céu hoje te vale.
Há um clarão sutil e
peregrino
Que em ti corre e te
faz um ser divino,
Tens em ti, alma e
corpo, a luz dos sóis.
Há um Deus? — És a
Mãe: Ele é teu filho;
Há um Herói? — De ti
lhe vem o brilho:
Mulher, ó Mãe de
deuses e de heróis.
★★★
À
Mulher
MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos Sagrados” (1899)
“Cantos Sagrados” (1899)
Senhor da
Força, nós, o herói lendário,
Da Terra o
domador, o sábio, o forte,
Dir-se-ia que
juramos ante a morte
Guerra
d'irmão a irmão!...
Mais feros do
que os tigres, destruímo-nos
A ferro, a
fogo, a pólvora, a metralha,
Deixando,
pelos campos de batalha,
O sangue, a
assolação!...
Mudou agora o
Eterno ao mundo a rota
Que há
séculos trazia... e novos astros
Despontam no
horizonte, e em nossos mastros
Mais rutilos
troféus!...
Em vez da
guerra truculenta e ímpia,
Impõe-nos por
princípio a Paz dos Povos,
Que impávidos
demandam mundos novos,
Nova luz,
novo Deus!...
Fechado para
sempre o férreo ciclo
Da guerra
universal, obscuro berço
Do velho
mundo bárbaro, inda imerso
Nas lendas
dos heróis:
Compete a Ti,
Mulher, filha dileta
De Deus,
c'roar na Terra a grande obra,
Que em
fúlgido progresso se desdobra,
À clara luz
dos soes!...
Missão mais
nobre à vida humana é dado:
Juntar e
repartir de muitos modos,
Por cada um
de nós, e em prol de todos,
Do Bem a
eterna luz,
Fazendo com
que caiam na nossa alma,
Qual chuva em
messe loira e movediça,
Numa missão
d'amor e de Justiça,
Os sonhos de
Jesus!...
Em vez da
Força, amor rege hoje o mundo!
E amor,
tomando as galas da Beleza,
As normas de
Justiça, a mãe, a deusa
Das novas
gerações:
Ao teu
celeste influxo, posto à sombra
Da mãe de
todos nós, a Humanidade,
A paz será na
Terra, e na Verdade
Os nossos
corações!...
Beleza e
amor, unindo-se, fizeram
Do teu mimoso
ser um relicário,
Onde a mão do
divino estatuário
Os sonhos
seus guardou!...
D'encantos
mil, conjunto incomparável!
A Deus já
mereceste tal conceito,
Que só do
amor divino do teu peito,
A vida
confiou!...
Teu lindo
rosto, espelho da sua alma,
Transporta-me
a ideais de tal apreço,
Que em frente
dele extático estremeço,
E ponho-me a
cismar:
Se entre as
ondas de graça e de beleza,
Que lançam
sobre mim seus olhos ternos,
Está ou não
oculto a bendizer-nos
De Deus o
próprio olhar!...
Tem jus as
níveas formas do teu corpo
Ao flácido
veludo, à fina seda,
Primor da
indústria humana que arremeda
As pétalas da
flor!
Rainha! traja
mantos d'ouro e púrpura,
A doce
perl'a, o fúlgido brilhante,
E tudo quanto
esplêndido levante
Na Terra o
teu amor!
Amor se
simboliza num menino,
Dos céus
gentil e alado mensageiro,
Trazendo
atrás de si, como um cordeiro,
Pacífico
leão!
O mágico
poder que a fera doma,
A força de
que se arma esse inocente
És tu mulher,
e a fera obediente
O nosso
coração!
Cônscia de
Ti, das leis da vida, impera!
E aos pés
verás as almas subjugadas!
Tem mais
poder que o fio das espadas,
Um riso e
olhar dos teus!
Que o teu
propício amor, dos céus oriundo,
Nos doure a
vida, a ampare, a dulcifique,
Nos faça com
que a alma humana fique
Mais próxima
de Deus!
★★★
A Mulher
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
“Madressilvas” (1876)
Há pelos mundos um
pendor divino
da luz para o céu,
da viração para a flor,
do fio d'água para
as campinas verdes,
de nossas almas...
respondei, amor!
Do berço à cova, do
sorriso à lágrima
ha sempre um sonho
que nos chama e quer.
E nós caímos descuidados,
presos
nos róseos dedos de
gentil mulher.
Podem as auras não
abrir os lírios,
o rio, o mar não
refletir o céu:
mas dentro em nós,
ai! não há flores mortas,
se amor as cobre
com dourado véu...
Visão perpétua,
borboleta branca,
o amor tem azas mas
se foi prender...
no sol? na treva?
na amplidão? no abismo?...
nos róseos dedos de
gentil mulher.
Por isso quando
nós, crianças doidas
interrogamos do
porvir o mar,
colhendo louros —
onde as urzes nascem,
pedindo aromas — ao
deserto altar;
não são bem d'alma
as ilusões criadas
tem pouca vida o
que se fez nascer,
se não prendemos,
como estrela, o sonho
nos róseos dedos de
gentil mulher.
E se a esperança
não mentir, se alegres
vermos o fruto do
trabalho após;
se pressentimos o
futuro cheio
dessa ventura que
palpita em nós;
essas primícias —
que nos deu a glória,
as flóreas palmas —
que o porvir nos der,
engrinaldadas, oh!
serão por eles...
os róseos dedos de
gentil mulher.
E como a vida é
esse misto enorme
de pranto e riso,
de veneno e flor,
quando a lufada nos
lançar à noite,
mártir às feras,
peregrino à dor;
então assoma junto
a nós, sublime,
um vulto, a esposa
que nos vê sofrer...
E Deus suspende uma
esperança ainda
nos róseos dedos de
gentil mulher!
★★★
Mulheres
CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)
Magnólias de aroma
lépido, finos astros, que elas sejam, olhos faiscantes, como águas dormentes de
delicioso Danúbio que a luz sonoriza e doira, humildes e imperiosas, ninguém
jamais saberá o mistério que as envolve…
Amar e gozar as
nebulosas mulheres, mergulhar, engolfar a alma infinitamente, inefavelmente, em
repouso, como num harmonioso luar, sem sobressaltos e ansiedades, na alma
enevoada que elas ocultam sempre, só é dados às naturezas vulgares, que amam
com a carne, que amam com o sangue apenas, no ímpeto brutal de todos os
instintos, com a luxúria viva da carne, que fazia, desde os romanos, a carne
viçosa e rica.
Os que a amam e
gozam sensualmente, à lei da sexualidade, não lhes ouvem a vaporosa música
embriagante do vinho dos encantos da voz e do sorriso; não lhes sentem o
perfume delicado de úmidas bocas purpúreas, de níveos colos cor de camélia, de
volumosos seios macios como a alava plumagem fresca de um pássaro real; não
lhes percebem o amoroso ansiar de etéreas cintilações d’estrela nos olhos
indagadores, que atravessam, costumam passar em visão, pesados de luz, com um
brilho aceso e fagulhante de preciosas e raras pedrarias, as geladas noites
brumosas do ciúme…
Para esses, que só
as possuem sexualmente, elas trazem um deleite, um atrativo, como no Oriente o
fumo, que dá prazeres insubstituíveis, voluptuosas graças de viver, atila e
acende a imaginação, faz abrir e flamejar, incomparavelmente, de todos os
pontos do mundo, os mais inauditos sóis do Espírito…
Esses, ainda outros
ou todos, poderão decerto inundar-se no esplendor da beleza das mulheres, fruir
delas toda a fremente carícia, possuí-las, dominá-las sem hesitação e embaraços
estranhos.
Para todos elas não
terão sombrias torcicolosidades de serpentes, anseios, anelos indecifráveis,
enigmas tremendos, que nos deixam deslumbrados, extáticos, na mais intricada
rede de perplexidade.
Elas serão para
todos o eterno feminino, leve, simples, fácil a conquista, fácil a vitória,
tendo para os homens os arrastamentos prontos de um animal que se abandona à
lubricidade.
Ninguém saberá ver
nas mulheres esse complicado segredo de nervos, que ora se patenteia claro
penetrável e que ora mais se condensa, se intensifica de obscuridade,
torturando, afligindo, vago, abstrato como a dor e por isso ainda mais
terrível, mais esmagador e frio…
Só um ser, consubstanciado
de todas as angústias, de todas as incertezas e dilaceramentos do espírito, um
ser contemplativo, amargurado pelas análises, ferido sempre pela observação,
pelas ideias que sangram e vivem perpetuamente a martirizá-lo, para seu gosto
excêntrico e único, só esse ser as compreenderá, mudo e solene, encerrado na
solidão dos seus pensamentos, como um missionário, alheio às exterioridades dos
corpos delas, às linhas, ou só as amando por sentimento estético e analisando
continuamente, sondando, perscrutando o feminino organismo dúbio.
Só a psicologia
desse ser, que é o artista, saberá ver fundo o delicado ser das mulheres e
penetrar nas sutilezas, nas direções variadíssimas e múltiplas que toma o seu
espírito, à maneira das aves que voam alto, sem rumo, além, indefinidas na
distância…
Esse poderá
querê-las muito, adorá-las com outra chama sagrada; mas nunca as poderá amar
carnalmente, friamente com os nervos – porque aparecerá sempre o analista
sufocando o afeto espontâneo que não se delimita nem regulariza, o entendimento
artístico, que ama a Forma, destruindo o fator humano que fecunda a carne, que
perpétua a Espécie.
Quanto mais elas
forem complexas, segredantes, tanto mais a análise se manifestará mais arguta,
mais penetrante, de um modo experimental, nu, amplo; e as mulheres, afinal,
ficarão diante do artista, como documentos palpitantes de uma dada natureza,
provas flagrantes de paixões veementes, de desejos, de vontades, de uma
infinidade de atributos e qualidades radicalizadas na alma feminina e que o
pensamento do artista investiga, conhece, põe para fora, à toda a luz, como se
expusesse, na presença do mundo, explicando a função de cada um, os milhares de
glóbulos de sangue que circulam no organismo humano.
A dor de tudo isso,
porém, a pungitiva dor de tudo, é que o artista não pode, assim como todos,
espontaneamente amar.
Ele ama um golpe de
luz, um olhar, a fascinação de uns cabelos quentes, a polpa virgem de uns
seios, a graça idealizante e alada de um sorriso, o talho vermelho de uns
talhos frescos, o tom das elegâncias fidalgas dessas flores escarlates das
Babéis de ouro, que passam na corrente das civilizações e na febre, no delírio
dos luxos fortes.
Vendo para dentro
de si, como para o fundo de um mar prodigioso, ele domina com o olhar
perscrutante, inquieto, que apanha de pronto as situações, a maravilhosa
ductilidade das mulheres, vendo também perfeita e singularmente o que se dá
dentro delas, as suas inquietudes, as suas paciências, os seus receios, os seus
caprichos inesperados, as suas volubilidades doentes e curiosas, as suas
resoluções bruscas, os seus ímpetos de leoa, os seus enternecimentos ingênuos e
monocórdios, os seus momentos horríveis de crises hiper-histéricas, sem causa
determinada, sem assinalamentos de origem, mas assoberbantes, convulsos e que
de repente cessam como vieram, para tornarem ainda, mais desabridos e
persistentes.
As mulheres, para o
artista, para e estesia exigente, requintada, são apenas um elemento de
sugestão estética amoldável às necessidades artísticas do sugestionado. Elas
falam, abrem-se mesmo ao amor em rosas fecundas de sinceridade, dizem os
ardores apaixonados, as recônditas sensações, a vida íntima dos eu afeto; mas o
artista as ouvirá, como artista que é, a frio, simulando interesse, formando
já, mentalmente, com as palavras delas, com essa confissão franca, pura e
sentida, embora, verdadeiras páginas de emoção e estilo.
E, no entanto, ele
as quererá amar muito, eternamente e sem reservas, abrir-lhes os braços ao
amor, com todas as forças másculas, vigorosas e livres de homem, com a firmeza
mais casta dos carinhos e das ternuras, estremecendo-as, idolatrando-as.
Mas, um ligeiro
contato apenas, um leve roçar de lábios, um abraço desfalecido, murcho, algumas
frases balbuciadas materialmente, ao acaso – e aí estará de novo o mentalizado,
o espiritual, descendo a investigações, medindo cada gesto e cada olhar,
inquieto, aflito com a expressão de um toque de luz numa trança de cabelos, que
ele quer levar para a sua Obra ou preocupado com o fino Sèvres que fulgurou uma
noite em certo boudoir, faiscando
centelhas d’astro.
Contudo, quando
esse luminoso torturado as vê descendo ou subindo os átrios claros de palácios
festivos, altas Walquírias de neve nas pompas orgulhosas das sedas que roçagam,
como que fica preso, magnetizado por aqueles aromas fluidos, vivendo na auréola
majestosa do clarão que elas de si desprendem; e então, como na cauda
constelada e rojante, os fulgores sedosos levam aspirações, sonhos que ficam
errantes e que quereriam talvez subir ou descer, opulentamente, como as deusas
resplandecentes, os mesmos festivos palácio de átrios claros.
Entretanto, não é
aí o amor, o sentimento que se manifesta ainda na alma artística; não é uma
expansão afetiva – mas uma verdadeira expressão d’arte, um desejo de posse, que
logo invade as naturezas dominadoras, altivas, onde as ideias predominam,
atuando, fatais e intensas, nos fenômenos da Vida, os mais elementares ainda.
O que excita o
artista, seja nos átrios claros de palácios ou em toda a parte, é simplesmente
a Forma, é toda essa roupagem deslumbrante que faz as mulheres parecerem
auroras boreais; o que lhe incita a pensar nelas, a desejá-las, é a plástica
olímpica, o onipresente esplendor das curvas cinzeladas, os mármores coríntios,
o alabastro dos corpos flóreos... O que o surpreende, deixa atraído e fascinado
é o ar gelado da carne alva das loiras, que deliciam, o ardente sol tropical da
carne tentadora das morenas, que cheiram a sândalo e matas.
Amar as mulheres,
profundamente, com simplicidade, com singeleza, sem cuidados latentes de
observá-las a toda hora, com os mínimos detalhes, linha por linha, traço por
traço, sem essa preocupação doente que as exigências provocam, não é para a
concentração, para a contenção nervosa dos falangiários da Arte, que, de todas
as coisas, querem arrancar o germe de que necessitam, o pólen que lhes é mister
para a fecundação de sua Obra.
A linguagem
feminina, algumas fiorituras das frases passageiras constituem, de certo modo,
um tecido primoroso, os fios delicadíssimos com que a Arte contextura, urde a
tecelagem da Forma.
Mas o desolado
psicologista do Pensamento não as pode amar com intensidade e desprendimento
espirituais, sem as querer observar sempre, desataviá-las das plumagens
garridas e ver-lhes, à luz, o que elas sentem e pensam de nebuloso…
Por isso é que
muito naturalmente, por intuição própria, elas percebem que não poderão jamais
amar os artistas, tendo até para eles uma repulsão como que instintiva e sendo
mesmo indiferentes às suas solicitações mais veementes e calorosas.
Vendo-se a cada
instante o objeto das interpretações deles, reveladas através de seus
pensamentos tão recatados como os seus seios, os pudores dos seus corpos
angélicos, em tantas páginas dilacerantes e impiedosas, as mulheres não buscam
sistematicamente os artistas para amar, feridas nos seus orgulhos melindrosos,
nas suas vaidades excessivas e principescas, nas suas finas susceptibilidades
de formosos seres triunfantes e inaccessíveis.
Só raramente, por
singularidade, uma ou outra mulher ama o artista, quando já acaso existe nela
qualquer corrente de simpatia mental, qualquer relação de afinidade que
estabeleça entre ambos uma claridade e harmonia de sentimentos mais ou menos
congêneres, equilibrados.
★★★
Mulher Nova
LUIZ DELFINO
“Imortalidades” (1941)
Qualquer pequena coisa a remodela,
Como dar tom mais doce à velha trova:
E ei-la outra Vênus, que saiu da cova,
E outra estranha beleza se revela.
Uma nova mulher irrompe dela
Em gesto novo, em atitude nova,
Como se recebesse de um Canova
Etéreo golpe, que a tornou mais bela.
Cantou Helena? é outra: alguns instantes
Mais quero ouvi-la, e lhe pedir conselhos
Ante seus olhos, — dois gentis
diamantes.
E entre os seus risos de corais vermelhos,
Misturados com pérolas brilhantes,
Preso aos seus pés... preso aos seus pés de
joelhos...
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