À sepultura de um escravo
BERNARDO
GUIMARÃES
"Cantos
da Solidão"
(1852)
Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece
de saudade:
Uma lágrima só
corra sobre ela
De compaixão ao
menos...
Filho da África,
enfim livre dos ferros
Tu dormes
sossegado o eterno sono
Debaixo dessa
terra que regaste
De prantos e
suores.
Certo, mais doce
te seria agora
Jazer no meio lá
dos teus desertos
À sombra da
palmeira, não faltara
Piedoso orvalho
de saudosos olhos
Que te regasse a
campa;
Lá muita vez, em
noites d'alva lua,
Canção chorosa,
que ao tanger monótono
De rude lira
teus irmãos entoam,
Teus manes acordara:
Mas aqui — tu aí
jazes como a folha
Que caiu na
poeira do caminho,
Calcada sob os
pés indiferentes
Do viajor que
passa.
Porém que
importa — se repouso achaste,
Que em vão
buscavas neste vale escuro,
Fértil de pranto
e dores;
Que importa — se
não há sobre esta terra
Para o infeliz
asilo sossegado?
A terra é só do
rico e poderoso,
E desses ídolos
que a fortuna incensa,
E que, ébrios de
orgulho,
Passam, sem ver
que co'as velozes rodas
Seu carro d'ouro
esmaga um mendigante
No lodo do
caminho!...
Mas o céu é
daquele que na vida
Sob o peso da
cruz passa gemendo;
É de quem sobre
as chagas do inditoso
Derrama o doce
bálsamo das lágrimas;
E do órfão
infeliz, do ancião pesado,
Que da
indigência no bordão se arrima;
do pobre cativo,
que em trabalhos
No rude afã
exala o alento extremo;
— O céu é da
inocência e da virtude,
O céu é do
infortúnio.
Repousa agora em
paz, fiel escravo,
Que na campa
quebraste os ferros teus,
No seio dessa
terra que regaste
De prantos e
suores.
E vós, que
vindes visitar da morte
O lúgubre
aposento,
Deixai cair ao
menos uma lágrima
De compaixão
sobre essa humilde cova;
Aí repousa a
cinza do Africano,
— O símbolo do
infortúnio.
★★★
OLAVO BILAC
“Alma
inquieta”
(1888)
Quando uma
virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo
engaste azul do firmamento:
E a alma da que
morreu, de momento em momento,
Na luz da que
nasceu palpita e resplandece.
Ó vós, que, no
silêncio e no recolhimento
Do campo,
conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que
dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no
céu, levado pelo vento...
Namorados, que
andais, com a boca transbordando
De beijos,
perturbando o campo sossegado
E o casto
coração das flores inflamando,
— Piedade! elas
veem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor
ofende o olhar gelado
Das que viveram
sós, das que morreram puras!
★★★
OLAVO BILAC
“Alma
inquieta”
(1888)
Os anos matam e
dizimam tanto
Como as
inundações e como as pestes...
A alma de cada
velho é um Campo-Santo
Que a velhice
cobriu de cruzes e ciprestes
Orvalhados de
pranto.
Mas as almas não
morrem como as flores,
Como os homens,
os pássaros e as feras:
Rotas,
despedaçadas pelas dores,
Renascem para o
sol de novas primaveras
E de novos
amores.
Assim, às vezes,
na amplidão silente,
No sono fundo,
na terrível calma
Do Campo-Santo,
ouve-se um grito ardente:
É a Saudade! é a
Saudade!... E o cemitério da alma
Acorda de
repente.
Uivam os ventos
funerais medonhos...
Brilha o luar...
As lápides se agitam...
E, sob a rama
dos chorões tristonhos,
Sonhos mortos de
amor despertam e palpitam,
Cadáveres de
sonhos...
★★★
A Morte
CÁRMEN FREIRE
"Visões e
Sombras" (1897)
Quando ela vem de nós se aproximando,
Lívida e fria, horror da humanidade,
Letal, cruel, sem dó, sem mais
piedade,
Da vida as ilusões aos pés calcando;
Nas órbitas vazias vai levando
Do nosso olhar a fulva claridade;
Porém se um sol nos rouba, a
eternidade
O espírito imortal nos vai banhando.
Nos mares do infinito o pensamento,
Qual flama, oscila, quando a mão
terrível
Cortar nos vem de um golpe o
sofrimento.
Baqueia o corpo imerso em dor
horrível,
E a fera horripilante de momento
Reis e plebeus conduz a sono nível!
★★★
Eutanásia
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Antes que o meu espírito no espaço
Fuja em suspiro etéreo e vago fumo,
Em versos e esperanças me consumo,
E espalho sonhos pelo bem que faço.
Até no instante
em que seguir o rumo
Para o sono final do teu regaço,
Ó terra, sorverei, no extremo passo,
Da vida em febre o capitoso sumo.
Para o sono final do teu regaço,
Ó terra, sorverei, no extremo passo,
Da vida em febre o capitoso sumo.
Seja a minha
agonia uma centelha
De glória! E a morte, no meu grande dia,
Pairando sobre mim, como uma abelha,
De glória! E a morte, no meu grande dia,
Pairando sobre mim, como uma abelha,
Sugue o meu
grito de última alegria,
O meu beijo supremo, — flor vermelha
Embalsamando a minha boca fria!
O meu beijo supremo, — flor vermelha
Embalsamando a minha boca fria!
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