Noiva morta
CÁRMEN
FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)
Como esta alcova é lúgubre e sombria!
De ti só
resta a pálida saudade!
Noiva,
subiste à luz da eternidade
Num manto
azul de fulva joalheria.
Do teu
amor minh’alma está vazia;
Cerca-me
a vida espessa escuridade.
Cruel
destino! Pobre humanidade
Das leis
sujeita à negra tirania!
Em vão
procuro afugentar da mente
O teu
corpo de mármore, velado
N'alva
mortalha fina e transparente.
Debalde!
Em vão! Meu sonho desvairado
Mostra-me
o leito funerário e algente
Guardando
a branca flor do teu noivado.
★★★
Quando a vi morta
(A Rosalino marques de Leão)
CÁRMEN
FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)
Quando a
vi morta, no caixão deitada,
Hirtos os
braços na algidez da morte,
Faltou-me
o ar e a luz, corri sem norte
Por vê-la
aos meus extremos arrancada.
Porém voltei;
beijei-lhe a face amada,
De flores
cingi o estranho porte;
E à febre
da loucura, num transporte,
Vi-a
sorrindo, para mim voltada.
Mas ah?
fora ilusão, inerte estava,
E o
marmoroso palor que transfigura
Já na
face da morte se estampava.
Ela
dormia ao sol da eternidade,
Eu, cega
e triste, errava em noite escura,
Buscando
a luz em plena escuridade.
★★★
O Cemitério
CÁRMEN
FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)
Quando à
tarde nos túmulos sombrios
A lua
espalha a merencória cor,
Trêmula
uma saudade, e em cada flor
Rolam
cristais de lágrimas em fios.
Tremem as
cruzes sobre os leitos frios
Por esse
império do mais negro horror,
E sobre
os corpos hirtos, sem calor
Abrem as
azas os tufões bravios
Ouvem-se
os gritos d'agourentas aves,
Que,
perpassando da capela as naves,
Ousam da
morte perturbar o sono.
Tudo ali
dorme; só não dorme a terra,
Porque a
terra que o corpo envolve, encerra
Do verme
atroz o pavoroso trono.
★★★
Morta
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Dos braços da mãe
querida
Desceu Laura à
sepultura:
Morreu na manhã da
vida,
Criancinha ainda e
tão pura!
Não viu
desabrochar-lhe n’alma
A aurora dos
quinze anos;
Fugiu inocente e
calma
Do mundo cheio de
enganos.
Temeu, pobre
mariposa!
O encanto louco
das brasas,
Pois, na friez de
uma lousa,
O arcanjo não
queima as asas.
De todo o choroso
dia
Só nos resta na
lembrança,
Como visão fugidia
D’aquela virgem
criança:
Um caixãozinho
funéreo,
— Abismo de nossas
dores —
Conduzido ao
cemitério
Como uma cesta de
flores.
★★★
Quando eu morrer
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse num dia
assim,
num dia de
primavera
cheirando cravo e
jasmim!)
... transformem
meu coração
— sacrário azul de
esperanças —
num pequenino
caixão
para enterrar as
crianças.
De meus olhos
façam círios,
de meu sorriso um
altar
— cheio de rosas e
lírios,
tão doce como o
luar —,
e guardem nele,
entre flores,
longe, bem longe
da terra,
a Virgem santa das
dores
lá da Igrejinha da
Serra.
Daquele sonho
formoso
que minh’alma
tanto adora,
façam o turíbulo
piedoso
que incense os pés
da Senhora...
E as saudades
orvalhadas
— de meu amor
triste enleio —
transformem nas
sete espadas
de dor que Ela tem
no seio!...
Se deste repouso
santo
em que meu corpo
adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem
padece:
eu quero as gotas
de pranto
todas mudadas em
prece...
Prece que leve,
cantando,
minh’alma ao
celeste ninho,
como um pássaro
ruflando
as asas brancas de
arminho.
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