O que diz a Morte
ANTERO DE QUENTAL
“Sonetos” (1861)
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os sofrimentos que não saram,
Paixão, dúvida e mal, se desvanecem.
As torrentes da dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.
Assim a morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das coisas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
★★★
A uma caveira
MANOEL
BOTELHO DE OLIVEIRA
"Lira
Sacra"
(Século XVII)
Esta,
que vês Caveira pavorosa!
este,
que vês assombro denegrido!
este que
vês retrato carcomido!
esta que
vês pintura dolorosa!
Esta que
vês batalha temerosa!
este que
vês triunfo repetido!
este que
vês Castelo destruído!
esta que
vês Tragédia lastimosa!
Esta
enfim te apregoa a desventura
com o
mudo pregão de teus enganos
para buscar
a vida mais segura:
Se olhos
não tem, nem língua em breves anos,
nesta
cegueira vês tanta loucura,
ouves
neste silêncio os desenganos.
★★★
Beleza
e Morte
BULHÃO PATO
"Versos" (1862)
Quando Deus à terra envia
Um anjo dos seus, é breve
A vida que lhe confia.
...................
Como a flor branca de neve
Que ao primeiro alvor do dia
No prado desabrochou,
Assim ela veio ao mundo,
E tão rápida passou,
Que deste rumor profundo
Nem um som, nem um gemido
Por esse anjo foi ouvido!
Nasceu, e sorrindo amou!
Quem ao vê-la tão ditosa
Tão feliz por ser amada,
E tão feliz por amar,
Bela, fragrante, viçosa,
Cheia de vida no olhar,
De luz na face encantada;
Quem diria que esse amor
Seria a chama fatal,
Que a devia enfim matar!?
Pobre florinha do vale,
Da aurora ao primeiro alvor
Nasceu, e sorrindo, amou,
Mas com a tarde... expirou!
★★★
Cadáver de virgem
LUÍS
DELFINO
“Algas
e Musgos”
(1927)
Estava
no caixão como num leito,
Palidamente
fria e adormecida;
As mãos
cruzadas sobre o casto peito,
E em
cada olhar sem luz um sol sem vida.
Pés
atados com fita em nó perfeito,
De
roupas alvas de cetim vestida,
O torso
duro, rígido, direito,
A face
calma, lânguida, abatida...
O
diadema das virgens sobre a testa,
Níveo
lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas como
noiva que cansou da festa...
Por seis
cavalos brancos arrancada,
Onde
vais tu dormir a longa sesta
Na mole
cama em que te vi deitada?
★★★
Perante a Morte
CRUZ E SOUZA
“Últimos
Sonetos”
(1905)
Perante a morte empalidece e treme,
Treme perante a morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O mal cruel que nos abismos geme.
Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a Paizão que só no horror floresce...
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.
Silêncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes...
Silêncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!
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