LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Um dia ouvi-lhe
a voz chorar... Não tome
O caso alguém
por uma vã quimera:
Em cada som a
lágrima sincera,
E em cada frase
um pranto... Isso espantou-me.
Ela até ali não
fora assim... não era...
E há dor que
esta mulher altiva dome?
Mostrá-la a dedo
aos séculos quisera,
Mas por piedade
guardarei seu nome.
Que houve
então?... Menos triste agora a vejo,
Vestes de
virgem, quase a rir-se ainda:
Tem parco, mas
tristíssimo cortejo.
Na face, que
assim mesmo em morta é linda,
Leva fundo os
sinais de um beijo... o beijo
Largo da boca
azul da noite infinda...
★ ★★
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
O caixão era
lindo e pequenino,
Forrado de cetim
branco por fora:
Sobre cetim azul
dormia a aurora
Dentro na forma
esbelta de um menino.
Como festivo
altar, que se decora,
Tinha o berço
galões de ouro o mais fino:
Que sono fundo o
pobre ser franzino
Ia nele a
dormir, dormindo agora.
Quatro meninas
lívidas de susto,
Segurando as
argolas amarelas,
Vão-no levando a
passo lento, e a custo.
Sob o véu branco
e as rosas das capelas,
Acham que é tudo
aquilo iníquo e injusto,
Podendo ir,
depois dele, alguma delas.
★ ★★
A filha morta
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Lembro-me dela,
quando então vivia:
Era suave e
meigamente bela;
Santa em um
nimbo, ao vê-la na janela,
De pé, dentro de
um nicho, à luz do dia.
Pouco depois,
meu Deus, quem o diria?
Inda estava
formosa, inda era ela,
Mas fria já, já
pálida a donzela,
Lírio morto, que
em lágrimas floria...
Virgem de
Sanzio, imaculada filha
De um sonho de
ouro e da visão mais pura,
Quem, ante a
imagem dela, não se humilha?
Foi uma estátua
de esplendente alvura,
Feita só para um
túmulo, em que brilha,
Imóvel, doce, em
plácida postura...
★ ★★
Tal está
morta...
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Abriu a boca, e
a rúbida golfada,
Que do seu peito
exausto então rompia,
Desmanchava-se
em rosas da alvorada
De um sol cor do
lençol, que a cobriria.
Ofélia aflita
sob a vaga fria,
Quebrando a nota
da canção cantada;
Desdêmona no
leito, amante e amada,
Idas? por quê?
tão de repente um dia...
Dante e Beatriz,
Romeu e Julieta,
Laura e
Petrarca, Sanzio e Fornarina,
A coorte no céu,
do amor eleita,
Guardam-na às
portas da mansão divina,
Enquanto um anjo
as asas brancas deita
De manso ao
rosto, que ela ao colo inclina.
Versos à Morte
(À memória do Dr. Romualdo C. M. de Miranda
Ribeiro)
FRANCISCO LINS
“O
Farol” (1890)
Oh morte! por
que sempre andas por estas plagas,
Levando aos
corações o luto, a dor, o espanto?
Por que cobres
nosso peito de chagas?
Por que inundas
assim nossos olhos em pronto?
Devoras, como um
corvo esfaimado devora,
Inteiras gerações,
sanguinolentamente!
Andas de terra
em terra e cravas de hora em hora.
Em nossa carne o
agudo e terrosos dente!
Por ti, em cada
canto uma cruz encontramos!
Encontramos, por
ti, túmulos pelos caminhos!
Despovoas o lar,
despovoas ramos,
Inclemente,
roubando a vida aos passarinhos!
Em cada uma
cidade ergues um cemitério!
Em cada um cemitério
abre centos de covas!
Transformas toda
a terra em um lugar funéreo,
Fazendo-nos
passar palas mais duras provas!
Não respeitas as
mães, e os filhos não respeitas!
De súbito, sem
dó, tu, que acabrunhas,
Alças, voraz, a
destra e, voraz, nos espreitas
Empreitas,
preparando as aguçadas unhas!
E em teus braços
de gelo, entregues à tua fúria,
Vencidos, em
seguida, hei-nos sem força, inermes...
E, oh da Treva e
do Crime hedionda espúria
Tomas o nosso
corpo, o inundando de vermes!
Por que não tem
um fim essa fome tremenda?
Não te fartas por
quê? E por que não encerra
A série tão
fatal, extraordinária, horrenda,
Das vítimas que
tu fazes aqui na terra?
Não te bastaram,
não, de nossos pobres filhos
As vidas que
roubaste, enchendo-nos de mágoa?
Não conheces a
dor que nos olhos rouba os brilhos
E faz que fiquem
sempre e sempre cheios de agua?
Não te bastaram,
não, dos pais e dos amigos
Os corpos que
impeliste à fria sepultura,
De famílias
fazendo um bando de mendigos,
Dos corações
fazendo o asilo da amargura?
Olha, tudo o que
pode aqui neste recanto
Dos males nos
fizer obedientes presas,
— As trevas, a
saudade, o luto, a dor, o pranto,
O sepulcro
sombrio, as mágoas, as tristezas,
Tudo é duvido a
ti, a teu braço devido.
A teu braço, que
mata nossas esperanças,
Que faz de nossa
boca evolar-se o gemido,
Não poupando sequer
os velhos e as crianças!
Para, fantasma odiento!
Atende, escuta, espera!
Espera um só
momento e atende a minha prece!
Deixa de ser carrasco,
oh deixa de ser fera!
Esconde a tua
foice e este bom mundo esquece!
Às crianças a paz
e paz aos passarinhos
Que as canções
da alegria, os hinos redundantes,
Desde o pequeno berço
aos pequenitos ninhos,
Ouvidos sejam
sempre, a todos os instantes!
Porque, malvada
assim, andar de terra em terra,
Dia e noite a
cavar profunda sepultura,
Sem compaixão,
atroz, movendo infinda guerra,
Guerra enorme e
sem trégua, a pobres criaturas?
Volta no negro lugar
de onde, horrível, saíste!
Volta ao
monstruoso seio, em que foste gerada!
E deixa-nos o
amor, o amor, que sempre existe,
E deixa-nos a
paz, que por ti foi roubada.
Volta, que é
muito duro e nos traz mágoa e ânsia
Ver partir, com
destino embora no paraíso,
Quem sempre nos
amou, desde o tempo da infância,
Transformando
nossa alma em ninho do sorriso!
Volta, que deve
ser imenso, irresistível,
O frio que regela
ao pobre viandante,
Que deste mundo
vai buscando o incognoscível,
Distante da áurea
luz, da alegria distante!
Imagina tu,
filha implacável da Peste,
Irmã gêmea da
Serpe sombra do Pecado,
— Imagina que tu
também um pai tiveste,
Um velho humilde
a bom, e justo, e brando, e honrado!
Imagina — ouve
bem — que esse velhinho santo
Guiou aqui terra
os teus primeiros passos,
Lutando em teu
favor, a derramar o pranto,
De momento a
momento estendendo-te os braços!
Imagina inda
mais que esse mísero velho
Por ti todo o
seu sangue e o coração daria,
Respeitando-te
mais do que no próprio Evangelho,
Te amando muito
mais que Jesus a Maria!
Pois bem, esse
homem nobre o carinhoso, e amigo,
Que te livrou do
frio e te livrou da fome,
Dando-te um
morno e belo, e delicioso abrigo,
Evitando a tristeza
e o mal que nos consome;
Esse homem de alma
santa, imaculada, pura
Como lábio risonho
e belo de criança,
Como um seio de
imensa, extraordinária alvura
Doce, muito mais
do que a doce Esperança;
Esse homem, em
cuja face a franqueza brilhava,
Que foi em todo
o tempo o mais puro dos velhos,
Quo, por ti, no
labor da vida se matava,
Que te trazia a
luz e dava-te conselhos;
Esse, que
sempre, desde os teus primeiros anos,
Imergiu tua alma
em cândidas carícias,
Afugentando a
trava o os negros desenganos,
Trazendo-te
somente encantos e delícias;
Esse homem — ouve
bem — vai morrer, vai deixar-te,
Deixar-te aqui
no mundo, a sós e abandonada...
Vai fugir para além,
para longínqua parte,
Buscando a
solidão, buscando outra morada!
E ouve! ele partirá
para longe sozinho,
Num caixão
encerrado, e frio, e sem conforto.
Como uma ave que
foge abandonando o ninho
Em busca da
outra plaga, em basca de outro o porto.
E irá, na cova,
pouco a pouco apodrecendo
Dele o corpo
vida, o corpo frio, frio...
E o irá
consumindo o verme, o verme horrendo,
Até que depois
fique o túmulo vazio!
E tu, Morte
assassina! e tu, Morte sombria!
O que farias,
vendo cm um sepulcro fundo
Cair quem nunca
mais, nunca mais voltaria,
O amor, a
caridade a exercer neste mundo?
Como aguda seria
a tua mágoa, imensa
Como o infinito céu
e o infinito oceano
Como horrível
seria a tua dor intensa!
Como não ficaria
o teu cérebro insano!
É que não há
ninguém que o riso e o bem espere,
Ao ver partir
pra sempre aquele a quanto adora!
O amor não tem
limite e, quando alguém o fere,
Ele ruge, esbraveja
e grita, e chora!
Volta, pois, ao
teu fosso, ao abismo profundo,
Ao tremendo
lugar de onde horrente vieste,
E deixa-nos o Amor,
que vale mais que o mundo,
Oh Morte, oh
negra filha implacável da Peste!
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