Trilogia
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
I
PROMETEU
PROMETEU
Filhas verdes do mar, e ó nuvens, num incenso,
Beijai-me! e bendizei o meu sangue e o meu pranto!
Quando sucumbo e sou vencido, — exulto e venço:
A minha queda é glória e o meu rugido é canto!
Sob os grilhões, espero; escravizado, penso;
E, morto, viverei! Domando a carne e o espanto,
Invadindo de estrela a estrela o Olimpo imenso,
Roubei-lhe na escalada o fogo sacrossanto!
Forjando o
ferro, arando o chão, prendendo o raio,
Dei aos homens o ideal que anima, e o pão que nutre...
Dei aos homens o ideal que anima, e o pão que nutre...
Debalde o ódio,
e o castigo, e as garras me consomem:
Quando sofro, maior, mais alto, quando caio,
Sou, entre a terra e o céu, entre o Cáucaso e o abutre,
— Sobre o martírio, o orgulho, e, sobre os deuses, homem!
Que vale o orgulho? A dor é, como a vida, eterna;
Mas a força defende, e a compaixão redime.
Sou, na humana floresta a planta heroica e terna:
Contra a violência um roble, e pura a prece um vime.
Por onde
reviveu, silvando, a hidra de Lema,
Fuzilou no meu braço a cólera sublime;
Os monstros persegui de caverna em caverna,
Sufoquei de antro em antro a peste, a infâmia e o crime:
E, ó Homem, libertei-te!... E, enfim, depondo a clava,
Inerme semideus, sonhei, doce fiandeiro,
De roca e fuso, aos pés de Onfália, num arrulho...
Fuzilou no meu braço a cólera sublime;
Os monstros persegui de caverna em caverna,
Sufoquei de antro em antro a peste, a infâmia e o crime:
E, ó Homem, libertei-te!... E, enfim, depondo a clava,
Inerme semideus, sonhei, doce fiandeiro,
De roca e fuso, aos pés de Onfália, num arrulho...
Alma livre no
assomo, e na piedade escrava,
Sou raio e beijo, ardor e alívio, águia e cordeiro,
— A força que liberta, e o amor que vence o orgulho!
Sou raio e beijo, ardor e alívio, águia e cordeiro,
— A força que liberta, e o amor que vence o orgulho!
III
JESUS
Mas sempre sofrerás neste vale medonho...
Que importa? Redentor e mártir voluntário,
Para a tua miséria um reino imaginário
Invento, glória e paz num futuro risonho.
JESUS
Mas sempre sofrerás neste vale medonho...
Que importa? Redentor e mártir voluntário,
Para a tua miséria um reino imaginário
Invento, glória e paz num futuro risonho.
Para te
consolar, no opróbrio do Calvário,
Hóstia e vítima, a carne, o sangue e a alma deponho:
Nasce da minha morte a vida do teu sonho,
E todo o choro humano embebe o meu sudário.
Hóstia e vítima, a carne, o sangue e a alma deponho:
Nasce da minha morte a vida do teu sonho,
E todo o choro humano embebe o meu sudário.
Só liberta a
renúncia. Ó triste! a sombra imensa
Dos braços desta cruz espalha sobre o mundo
A utopia celeste, orvalho ao teu suplício.
Dos braços desta cruz espalha sobre o mundo
A utopia celeste, orvalho ao teu suplício.
Sou a
misericórdia ilusória da crença:
Sobre a força, a fraqueza; e, sobre o amor fecundo,
A piedade sem glória e o inútil sacrifício!
Sobre a força, a fraqueza; e, sobre o amor fecundo,
A piedade sem glória e o inútil sacrifício!
★★★
A IARA
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Vive dentro de
mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.
Entre as
ninfeias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.
Precipito-me, no
ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...
Mas nos meus
braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
★★★
Faust
(A Valentim Magalhães)
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
O lívido
Alquimista, à morna claridade
da sonhadora luz
de uma lâmpada exótica,
cismava como
Cristo, em torva ansiedade,
na câmara senil
de arquitetura gótica.
Entre os livros
de Hermes, aberto um alfarrábio,
ante o turvado
olhar, voejando as mariposas,
na atitude
febril de um saltimbanco, o sábio
prescrutava o
segredo hermético das Coisas...
De um lado o
macrocosmo, onde dos mundos a alma
se agita, e do
outro, sobre uns sinais cabalísticos,
uma caveira
ri-se ao luar que lhe espalma,
na fronte
erguida, a luz dos devaneios místicos.
Sonha o sábio
alemão com minotauros, grifos,
e evoca do
Caldeu a mítica magia;
enquanto, em
cima, paira entre mil hieróglifos
o vulto de Satã
na abóbada sombria.
Na espelhenta
parede umedecida, donde
pendem drogas
letais e ressequidos ramos,
divisam-se
iniciais de algum antigo conde
e o rugoso
perfil do austero Nostradamus.
Lá fora, o
etéreo azul se ilumina, arqueado,
como um sonho a
pairar por sobre as catedrais,
que, no sono do
Tempo, escondem o sagrado
depósito senil
dos túmulos reais.
Nos álamos
perpassa a viração tranquila,
como a sombra
fugaz de uma Valquíria pálida,
e sobre o azul
vapor píncaros cintila
a lua, a
rebentar, a esplêndida crisálida.
Um bando de
aldeões crestados pelo dia
em banhos de
luar esquecem as fadigas,
expandindo em
canções a rústica alegria,
esperando a
sazão fecunda das espigas.
Mas não lhe
importa, ao velho, ao sábio misantropo
que o mundo se
divirta e que o trabalho cante,
a ele, que só
vive a ver pelo horóscopo
o Nada
universal, abrindo a goela hiante...
Ó Fausto,
sonhador Quixote da ciência,
quando buscavas
ler no livro do Futuro,
nos antros da
Matéria, o verbo da Existência,
mais absurdo que
tu, mais sibilino e escuro;
Talvez no seu
jardim, mais bela das mulheres,
entre os risos
azuis da Natureza nua,
regasse a
Margarida os brancos malmequeres,
que depois
desfolhou por ti, à luz da lua.
★★★
A morte de Safo
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas”
(1887)
Do píncaro
sagrado da alterosa
Leucade, solta a
cabeleira ao vento,
as crespas ondas
do úmido elemento
Safo contempla
triste e lacrimosa.
Orna-lhe a
fronde víride coroa;
gotas de pranto
as meigas faces lhe ornam,
como bagas de
orvalho, que se entornam
na flor, que o
aroma à luz desabotoa.
Que mágoa aflige
a musa das Helenas,
por que prantos
de mágoa assim derrame-os?
Não mais os
festivais epitalâmios...
Fechai-vos,
portas da sonora Atenas.
Emudeceram com
acerbas dores
as cordas dessa
lira,
em que outrora
suaves desferira
tantas odes de
amor, ternos amores.
Cessam do vento,
as querulas endeixas,
as ondas mansas
se unem, se misturam,
e umas às
outras, a passar, murmuram
flebilíssimas queixas;
Queixas, que
apenas nascem, logo expiram,
efêmeras, no
espaço em brando choro,
notas eólias,
que na lira de ouro
“Faon”... leves
suspiram.
“Faon”... E Safo
numa angústia horrível,
Pítia de Delfos,
desgrenhada e louca,
o olhar incerto,
enlivecida a boca,
“Faon”...
exclama, erguendo-se terrível!
“Belo nume, por
quem debalde chamo,
filho de Vênus,
a outro amor entregue,
fatal destino a
sorte me persegue:
– busco-te, e
foges, foges-me, e eu mais te amo.
Beijos ardentes,
que os desejos fingem,
queimam meus
lábios e meu rosto abrasam,
e em minhas
veias vazam
chamas, que todo
o coração cingem.
Trêmulo o seio
em ânsia convulsiva,
turvos os olhos,
sinto a língua presa,
e, num desmaio
lânguido, cativa,
arde minha alma
em teu amor acesa.
Quando em sonhos
te bebo o amante bafo,
e aperto-te a
meu peito que lateja,
até no Olimpo os
deuses têm inveja
à venturosa
Safo.
Sonhos? Mentira
é tudo quando acordo,
menos o teu
desprezo e o meu martírio,
e me entregando
ao fervido delírio,
em amorosa raiva
o lábio mordo!
Sepulta, Iônio
mar, este tormento,
Alceu, teus
hinos imortais se calem,
Lira de Lesbos,
com minha alma estalem
todas as tuas
cordas num momento!!!”
Disse: e do alto
rochedo se arrojando,
caiu no mar. E
as aves que passavam,
suaves
murmuravam
os queixumes da
amante em choro brando.
A náiades
formosas
vão levando em
triunfo a lira de ouro;
enquanto no
azulado sorvedouro
embalam Safo
ondinas lacrimosas,
crescentes arcos
desenhando na água,
em caprichoso
giro;
e o manso vento,
portador de mágoa,
leva a Faon seu
último suspiro...
★★★
A herança de Prometeu
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas”
(1887)
Na veia de aço
que as nações irmana,
sangue de luz,
corre a veloz fagulha,
como um
fragmento da razão humana;
e a palavra que
a ideia desabrocha,
corta os ares,
no pélago mergulha,
rompe as
geleiras, vence a dura rocha
e, galgando os
abismos mais profundos,
liga os polos e
abraça os cinco mundos!
Nem mais rápido,
ó sol, ferira o lume
de teu nascente
raio
o inacessível
cume
do montanhoso
píncaro himalaio;
nem mais brilha,
dos trópicos
entre os vales
ciclópicos,
na mica
cintilante ou no ouro raro,
teu intenso
fulgor em dia claro.
Sumiu-se o sol
no ocaso?
Vaga o luto
sombrio
na vastidão da
noite? – O débil fio,
como serpente,
enrosca-se e conduz
secreta força a
misterioso vaso...
e em elétrico
jorro esguicha a luz!
Ao clarão desta
aurora,
(pasmai, povos
antigos, deuses novos,
pasmai, futuros
povos!)
na membrana,
metálica, sonora,
vivo papiro,
página animada,
Edison guarda a
Tradição falada...
Houve outrora,
no Caucaso, um proscrito,
diz a legenda
grega,
que um dia
subtraíra,
no páramo
infinito,
a sagrada faísca
à eterna pira,
porque ao homem
guiasse a razão cega.
Pois bem! tempo
há de vir em que o Deus Homem,
no anseio dos
esforços que o consomem,
busque tocar no
sideral assento,
cavalgando um
condor de asas de arame;
irá restituir a
chama ao céu
e obter indulto
para o audaz gravame;
porém, não há de
achar mais firmamento.
Serás, então,
vingado, ó Prometeu!
Enquanto, na ara
sacra, o ázimo pão elevas
ante o estático
olhar da crente multidão,
e, alma feita de
lodo, alma feita de trevas,
finges seguir
piedoso os Passos da Paixão;
A gangrena roaz
dos sôfregos instintos
imprime-te no
corpo asinino e suado,
os beijos
sensuais, tantálicos, famintos,
da impureza
carnal, do lúbrico pecado.
Sacrílego, onde
tens recôndita a consciência,
onde abrigas,
Tartufo, a misteriosa fé,
por que erijas
em crime as normas da Existência,
e calques a
virtude honesta com teu pé?
Prostituis a
mulher, e a chamas Madalena,
perdoas o
adultério e condenas o berço,
maculando do
amor a grande alma serena,
que forma o
panteísmo imenso do universo.
Olha, torpe
embaidor das vãs consciências cegas,
mocho da
escuridão no século da luz,
enquanto na
tribuna a caridade pregas,
pregas o
Salvador segunda vez na cruz!
Debaixo da
aparência humílima e bondosa,
(e não falta,
aliás, quem, ínclita, proclame-a!)
ocultas uma
jaula escura e pavorosa,
em que ruge,
sangrenta, a pantera da infâmia!
Tivesses tu
poder, e este formoso mundo,
que avista agora
a luz de um sol prometedor,
não passaria,
então, de um pantanal imundo,
do qual serias,
sapo, o único ditador.
E, nesse esgar
canino, hidrófobo nefário,
cobririas, até,
se o pudesses, de rastros,
com a tua
roupeta o espaço planetário,
só para os
Galileus não descobrirem astros.
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