Vênus morta
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Acabou.
— De joelhos nos caminhos
Iam
ficando as árvores, ao vê-la;
Ao
vê-la, havia sons trepando os ninhos;
Buscavam
nela os céus fugida estrela.
Não
tinham para as suas mãos espinhos
As
roseiras; o vale sem conhecê-la,
Se
aveludava em púrpuras e arminhos,
Dizendo
aos vales: — Vamos recebê-la.
É
minha mágoa; foi meu pesadelo.
Amo-a
assim mesmo, mesmo assim! — que importa?
Quero
esse corpo frio em mim retê-lo...
Que
grande dor todo universo corta...
Dor
outra igual não houve entristecê-lo...
Ela
morreu!... Vênus de novo é morta!...
★★★
O Monte de Vênus
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
É neste monte que
ela, a encantadora,
Que ela, a
Afrodite esplêndida, aparece:
É aí que ela
cogita, e pensa, e tece
Do rosal negro, ou
seara fina e loura,
Que o cobre todo,
e todo em roda cresce,
Esse estema
auroral que ela entesoura,
Como se do
universo a chave fora,
Ou fora do porvir
a vida e a messe.
Ninguém aí vai sem
ter primeiro amado,
Sem que ela veja
um halo de tristeza,
Que faz um deus de
um pobre alucinado.
Psiquê o viu, à
mão lâmpada acesa,
Ticiano fiel o
copiou, mau grado
Trazê-lo oculto ao
flanco a Natureza...
★★★
Minerva
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
Ter-te assim,
hirta, a carne a palpitar-te,
O coração a te
subir à boca,
O olhar, vulcão de
luz, a frase louca
Nos lábios, como
vaga, a marulhar-te;
O sangue rubro as
faces a aurorar-te...
Não é na vida,
não, coisa tão pouca
Ver-te um momento
desvairada e louca,
E a alma nua a
fremir, rugir sem arte.
Mesmo debaixo dos
teus pés pisado,
Quero o teu gesto
largo e apaixonado,
Na atitude do
orgulho e da defesa...
Odiei sempre a
serpente, que se enerva:
Em ti prefiro as
iras de Minerva,
Ó deusa em fúria,
ó pálida princesa...
★★★
Orfeu
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Há
clamor nos rosais, há dança na montanha:
Valsa
o arvoredo, rola em torno Pã, cintila
Enroscando-se
o rio; o leão tem na pupila
Serpentes
de ouro, o tigre uma fogueira estranha.
Cresce
o delírio, sobe à esfera, e os numes ganha;
Entra
o furor na turba há pouco inda tranquila
Dos
planetas; e tudo anda em roda; vacila,
Precipita-se
o Olimpo, e o ébrio ritmo acompanha.
Sobre
as vagas do mar, por vez primeira quedas,
Netuno
ergue a cabeça e o grupo das Nereidas.
Bóreas,
filho da Aurora, as asas suspendeu.
Jove,
os raios brandindo, os quer conter; aos brados
Surdos,
deuses e sóis, em turbilhões levados,
Passam.
— No Atos, de pé, cantava à lira Orfeu.
★★★
Oração a Cibele
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Deitado sobre a terra, em cruz, levanto o rosto
Ao céu e às tuas mãos ferozes e esmoleres.
Mata-me! Abençoarei teu coração, composto,
Ó mãe, dos corações de todas as mulheres!
Tu, que me dás
amor e dor, gosto e desgosto,
Glória e vergonha, tu, que me afagas e feres,
Aniquila-me! E doura e embala o meu sol posto,
Fonte! berço! mistério! Ísis! Pandora! Ceres!
Glória e vergonha, tu, que me afagas e feres,
Aniquila-me! E doura e embala o meu sol posto,
Fonte! berço! mistério! Ísis! Pandora! Ceres!
Que eu morra
assim feliz, tudo de ti querendo:
Mal e bem, desespero e ideal, veneno e pomo,
Pecados e perdões, beijos puros e impuros!
Mal e bem, desespero e ideal, veneno e pomo,
Pecados e perdões, beijos puros e impuros!
E os astros
sobre mim caiam de ti, chovendo,
Como os teus crimes, como as tuas bênçãos, como
A doçura e o travor de teus cachos maduros!
Como os teus crimes, como as tuas bênçãos, como
A doçura e o travor de teus cachos maduros!
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