Vênus e Madona
LUÍS
DELFINO
“Algas
e Musgos” (1927)
Tens no
teu corpo o azul, que esta hora explica,
Na
brancura, que o artista ama e imagina,
Quando
aos liriais quinze anos da menina
Na
mulher, que ela encerra, os sóis salpica.
És a
Virgem que Sanzio santifica,
— Ao
colo o filho, — esplêndida e divina,
Cheia de
graça, de modéstia rica,
Mas
cópia fiel da amante, a Fornarina.
A luz,
que a estrela mescla à noite escura
É como a
luz da humana felicidade;
É na
sombra que canta a luz mais pura.
E tu
tens o que a vida ideal procura,
Tens da
Madona a eterna castidade,
Tens da
Vênus a eterna formosura.
★★★
A eterna Vênus
LUÍS
DELFINO
“Algas
e Musgos” (1927)
Quando,
nos ricos panteões, procuras
Mármores
vivos de mulher, ao vê-los,
Não
sentes inda o susto de perdê-los,
Oh!
mágoa! nas catástrofes futuras?
O que
Atenas legou de ideais modelos,
Tipo de
raça, em grandes formosuras,
Quando
nos dava as suas criaturas,
Envoltas
só no véu dos seus cabelos!...
Como o
céu e o seu mar, guarda no menos
Trabalhado
pedaço o mais completo
Que a
arte tem em pentélicos serenos;
E a flor
nos deu das filhas de Japeto,
Perfeita,
eterna, e imaculada em Vênus...
★★★
Dança de tritões
LUÍS DELFINO
"Algas e Musgos" (1927)
Vasquejava o oceano indômito defronte:
Como corola agreste, a choupana de pinho
Abria-se por sobre o dorso hirto do monte,
Entre o álacre esplendor do mato em flor,
vizinho.
Como aranhol de festa, a lua no horizonte
Alumiava o areal e as curvas do caminho;
Na praia, negro, horrendo, a coma em
desalinho,
Parecia o penedo aspérrimo Caronte.
Nele atada uma lancha: a lancha arfando
inquieta...
E ele rijo, de pé, nessa inflexível reta;
Pela grama descia um carreirinho ao mar;
E mulheres enchendo-o, e um grupo de crianças
Riam, vendo na praia a cadência das danças
De espadaúdos Tritões, búzios soprando ao
luar.
★★★
Os deuses
LUÍS DELFINO
"Imortalidades" (1941)
Aos grandes reis da lira a Orfeu herdada
Debalde, a furto, os passos teus conduzes.
Trai-te, e lhes abre a esplêndida morada
Vasto clarão de aromas e de luzes.
É tua amiga cada flor, e cada
Estrela busca em tudo que tu uses
Fazer o meigo olhar, com que é notada:
Mesmo o céu a beijar teus pés induzes.
Vêm do fundo das velhas teogonias
Deuses nus, como em seus primeiros dias,
Por mãos de rosas de manhã serena;
Vêm num vermelho furacão de vozes,
No rumor largo das apoteoses,
Só para te sagrarem deusa, Helena...
★★★
Ísis
LUÍS DELFINO
"Imortalidades" (1941)
Da existência és meu único alimento;
Eu ardo, como um círio, que cintila,
Que ao teu hálito só, Helena, oscila,
Que em teu hálito só encontra alento.
Tua alma é luz de límpida favila;
Em torno dela está meu pensamento,
E, como um vaso de ouro, o que distila
Guarda, como o céu guarda o firmamento.
Que nem manche o teu corpo a luz do dia:
Sê, minha Helena, a estátua de granito,
Que só vira ao meu fogo, ou chore, ou ria;
Quero em tudo seguir um velho rito,
Pois, sem morrer, ninguém descobriria
Ísis, a deusa esplêndida do Egito...
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