Édipo
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
I
A PÍTIA
"Repetiu-me Apolo o vaticínio: que eu seria o
assassino de meu pai; e rei; e marido de minha mãe, sem a conhecer; e tronco de
uma prole infame!..."
SÓFOCLES — ÉDIPO REI
Em Delfos. Com
pavor, de pé, no ádito escuro,
Édipo escuta... O deus, rugindo de ira e ameaça,
Pela boca da Pítia em êxtase, devassa
O tempo, e o arcano véu destrama do futuro:
Édipo escuta... O deus, rugindo de ira e ameaça,
Pela boca da Pítia em êxtase, devassa
O tempo, e o arcano véu destrama do futuro:
"Rolarás do
fastígio à ignomínia e à desgraça!
Rompendo de um mistério o impenetrável muro,
Num sólio ensanguentado e num tálamo impuro
Gerarás, parricida, a mais odiosa raça!"
Rompendo de um mistério o impenetrável muro,
Num sólio ensanguentado e num tálamo impuro
Gerarás, parricida, a mais odiosa raça!"
É a Esfinge, a
glória, o reino, o assassínio de Laio,
E o amor sinistro... Assim troveja a voz de Apolo
E enche o sacrário... O céu carrega-se de bruma;
E o amor sinistro... Assim troveja a voz de Apolo
E enche o sacrário... O céu carrega-se de bruma;
Fuzila; estruge
o chão; reboa no antro o raio...
E, enquanto Édipo tomba inânime no solo,
Sobre a trípode a Pítia, em baba, ulula e escuma.
E, enquanto Édipo tomba inânime no solo,
Sobre a trípode a Pítia, em baba, ulula e escuma.
"Bem-vindo sejas à cidade de Cadmo, nosso
libertador e nosso rei, que, com a tua penetração de espírito e o auxílio
divino, levantaste o tributo de sangue que pagávamos à cruel Esfinge!"
SÓFOCES — ÉDIPO REI
Perto de Tebas,
junto a um monte, sobre o Ismeno,
Águia e mulher, serpente e abutre, deusa e harpia,
Tapando a estrada, à espera, — aterrava e sorria
O monstro sedutor, horrível e sereno:
Águia e mulher, serpente e abutre, deusa e harpia,
Tapando a estrada, à espera, — aterrava e sorria
O monstro sedutor, horrível e sereno:
"Devoro-te,
ou decifra!" Era fascínio o aceno;
A voz, morna e sensual, tinha afeto e ironia,
Graça e repulsa; e a luz dos olhos escorria
Fluido filtro, estilando um pérfido veneno.
A voz, morna e sensual, tinha afeto e ironia,
Graça e repulsa; e a luz dos olhos escorria
Fluido filtro, estilando um pérfido veneno.
Mas Édipo
desvenda o enigma... Ruge em fúria
O Grifo, e escarva o chão, bate contra o rochedo,
Rola em vascas, em sangue ardente a areia tinge,
O Grifo, e escarva o chão, bate contra o rochedo,
Rola em vascas, em sangue ardente a areia tinge,
E fita o
campeador no uivar da extrema injúria.
E o Herói recua, vendo, entre esperança e medo,
Rancor e compaixão no verde olhar da Esfinge.
E o Herói recua, vendo, entre esperança e medo,
Rancor e compaixão no verde olhar da Esfinge.
"Trevas espessas! eterna, horrível noite! sou
dilacerado pelo espinho da dor e pela memória dos meus crimes!"
SÓFOCLES — ÉDIPO REI
Édipo vê
cumprir-se o oráculo funesto:
Tebas entregue, em luto, à peste que a devasta,
E, sobre o trono em sânie e o leito desonesto,
Morta, infâmia da terra e asco de céu, Jocasta.
Tebas entregue, em luto, à peste que a devasta,
E, sobre o trono em sânie e o leito desonesto,
Morta, infâmia da terra e asco de céu, Jocasta.
Louco,
vociferando, erguendo a grita e o gesto
Contra os deuses, mordendo a poeira em que se arrasta,
O mísero, medindo o parricídio e o incesto,
Quer da vista apagar a lembrança nefasta:
Contra os deuses, mordendo a poeira em que se arrasta,
O mísero, medindo o parricídio e o incesto,
Quer da vista apagar a lembrança nefasta:
Os dois olhos,
às mãos, das órbitas arranca
Em sangue borbotando, em lágrimas fervendo,
Para o pavor matar na esmagada retina...
Em sangue borbotando, em lágrimas fervendo,
Para o pavor matar na esmagada retina...
Mas, cego
embora, — vê Jocasta hedionda, branca,
Enforcada, a oscilar, como um pêndulo horrendo,
Compassando, fatal, a maldição divina.
Enforcada, a oscilar, como um pêndulo horrendo,
Compassando, fatal, a maldição divina.
"Disse-me também o oráculo que morrerei aqui,
quando tremer a terra, quando o trovão rolar, quando o espaço brilhar..."
SÓFOCLES — ÉDIPO EM COLONA
A terra treme.
Rola o trovão. Brilha o espaço.
Chega Édipo a Colona, em andrajos, imundo,
Sombra ansiosa a fugir do próprio horror profundo,
Ruína humana a cair de miséria e cansaço.
Chega Édipo a Colona, em andrajos, imundo,
Sombra ansiosa a fugir do próprio horror profundo,
Ruína humana a cair de miséria e cansaço.
Mas, quando o
ancião vacila, órfão da luz do mundo,
— Antígona lhe estende o coração e o braço,
E, filha e irmã, recolhe ao maternal regaço
O rei sem trono, o pai sem honra, moribundo.
— Antígona lhe estende o coração e o braço,
E, filha e irmã, recolhe ao maternal regaço
O rei sem trono, o pai sem honra, moribundo.
É o ninho (a
terra treme...) amparando o carvalho,
A flor sustendo o tronco! Édipo (o espaço brilha...)
Sorri, como um combusto areal bebendo o orvalho.
A flor sustendo o tronco! Édipo (o espaço brilha...)
Sorri, como um combusto areal bebendo o orvalho.
É o fim (rola o
trovão...) da miseranda sorte:
O cego vê, fitando o céu do olhar da filha,
Na cegueira o esplendor, e a redenção na morte.
O cego vê, fitando o céu do olhar da filha,
Na cegueira o esplendor, e a redenção na morte.
★★★
Hércules vencido
LUÍS DELFINO
“Imortalidades” (1941)
“Imortalidades” (1941)
Neste aposento o
luxo almiscarado
Envenenara um
deus, se um deus dormira
No véu do teu
cabelo desatado,
E dele a fronte
em resplendor cingira.
Aos teus pés,
como um Hércules domado,
Esquecido de
tudo eu preferira
Tocar
eternamente a eterna lira
Em mole curva,
langue e reclinado.
Não me inebria o
campo de batalha,
A luta, o
sangue, a morte que trabalha
Para tudo
esconder em seus lençóis...
Antes viver
suspenso aos teus vestidos,
Do que sair do
grito dos vencidos
Para o rumor
triunfal feito aos heróis.
★★★
A morte de Orfeu
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
"Em vão as bacantes da Trácia procuram
consolá-lo. Mas Orfeu, fiel ao amor de Eurídice, encarcerada no Averno, repeliu
o amor de todas as outras mulheres. E estas, despeitadas,
esquartejaram-no."
Houve gemidos no
Ebro e no arvoredo,
Horror nas feras, pranto no rochedo;
Horror nas feras, pranto no rochedo;
E fugiras as
Mênadas, de medo,
Espantadas da própria maldição.
Luz da Grécia, pontífice de Apolo,
Orfeu, despedaçada a lira ao colo,
A carne rota ensanguentando o solo,
Tombou... E abriu-se em músicas o chão...
A boca ansiosa em nome disse, um grito,
Rolando em beijos pelo nome dito;
"Eurídice", e expirou... Assim Orfeu,
No último canto, no supremo brado,
Pelo ódio das mulheres trucidado,
Chorando o amor de uma mulher, morreu...
Espantadas da própria maldição.
Luz da Grécia, pontífice de Apolo,
Orfeu, despedaçada a lira ao colo,
A carne rota ensanguentando o solo,
Tombou... E abriu-se em músicas o chão...
A boca ansiosa em nome disse, um grito,
Rolando em beijos pelo nome dito;
"Eurídice", e expirou... Assim Orfeu,
No último canto, no supremo brado,
Pelo ódio das mulheres trucidado,
Chorando o amor de uma mulher, morreu...
★★★
Sísifo
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)
“Símbolos” (1892)
Por um alto
desígnio e lei estranha,
há muito cumpro
a original sentença
de guindar uma
rocha a uma montanha,
até que fique
imóvel e suspensa.
Vou a subir;
porém, mole tamanha,
na luta
ascensional, quem há que vença?
Eis que solta,
rolando, o abismo ganha,
quando, firme no
píncaro, se pensa.
Até quando esta
luta? O tempo voa,
na hecatombe das
horas se esboroa
a esperança que,
ao alto, me envereda.
Vamos! Coragem!
Um supremo esforço:
que a penha
galgue da montanha o dorso,
ou que, ao
menos, me esmague em sua queda!
★★★
Os funerais de Aquiles
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Foi numa urna de
ouro, cinzelada
Pelo buril
divino de Vulcano,
Que a mãe de
Aquiles veio do Oceano
Guardar a cinza
heroica e imaculada
Do filho de
Peleu: a desgraçada
Viu misturar-se
o lúgubre alarido
Dos Imortais à
lágrima chorada
No ilustre pó do
semideus vencido.
Jaz o
Helesponto. — Ainda ouve-se a grita
Das deusas;
chora-o o jovem Baco; aflita
Por ele, inda
hoje as queixas vãs desata
Tétis, —
princesa que dragões atrela
À concha ebúrnea
do seu plaustro, — aquela
Que o mar esmaga
aos seus dois pés de prata.
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