A Voz do Mar
(Ao Dr. Gustavo de Suckow)
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)
A voz do mar serena, indefinida e vaga,
que a ondulação da brisa
intermitente afaga
por noites de verão,
na alma contemplativa
desperta-nos à mente a quadra
primitiva
dos tempos que lá vão...
Fecha os olhos, agora, e no
espírito, em cheio,
as ilusões acolhe. Assim como
quem veio
de um remoto país,
nas brumas da distância,
verás que vem surgindo a
aprazível estância
verdejante e feliz
onde fumega o lar da tua
mocidade,
sob o prestígio amargo e doce
da saudade.
E a voz do mar, vibrando em
tua fiel mente,
numa reprodução sensível às
imagens,
colora em luz nitente
as complexas paisagens.
Vêm surgindo as florestas
da curva azul das ondas,
entre modulações de místicas
orquestras.
Eis as copas redondas
das árvores frondosas,
espanejando no ar mil flores
perfumosas;
flores que não dão fruto,
mas cujo cálice doce
angélico, impoluto,
na manhã da existência,
verte aos lábios da infância
o néctar da inocência;
perfumes que somente instila
a Fantasia,
alquimista dos sonhos.
Ei-los, mais perto agora, os
píncaros risonhos
das montanhas natais. Cor,
perfume, harmonia,
cantai, ardei, luzi! A plaga
se aproxima
e mais e mais se anima.
Dentro em pouco, verás os
entes mais queridos,
generosos e francos,
que te acenam da praia, em
gestos conhecidos.
agitando em triunfo uns
grandes lenços brancos,
És um ressuscitado; eles,
sim, são os vivos;
no entanto, há muito já que a
morte os tem cativos.
Foi longa tua viagem...
A outra não tornarás jamais
em tua vida.
A volta, do passado à ridente
paragem,
no olvido adormecida,
vale mais que a aventura
de uma época futura,
de um tempo sempre incerto,
quando mesmo o destino o faça
um céu aberto.
........................................
E sobre essa ilusão da Fantasia canta,
E sobre essa ilusão da Fantasia canta,
num prolongado som que o
peito te quebranta,
e fascina e hipnotiza,
ao langoroso arfar da
sonhadora vaga
e à ondulação da brisa,
a voz do mar serena,
indefinida e vaga...
★★★
Cólera do Mar
(A Assis Brasil)
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Disse o rochedo ao mar, que plácido dormia:
“Quantos milênios há que, tu,
negro elefante,
tragas covardemente esses,
cuja ousadia
se arriscou em teu dorso
enorme e flutuante?”
O mar não respondeu; mas um
tufão horrendo
cavou-lhe a entranha e fez
estremecer de medo
o coração do abismo. Então o
mar se erguendo,
atirou um navio aos dentes do
rochedo!
★★★
Floresta e Mar
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)
Uma floresta é um mar. Que de
rumores
em seu seio, onde a seiva
ardente mora!
É o destino comum ao mar e à
flora
ter a mesma tragédia, as
mesmas dores.
Ambos mostram riquezas e
esplendores:
o mar, pelas marés, pérolas
chora;
e, ao receber a selva a luz
da aurora,
surgem-lhe à tona, como
espuma, as flores.
Que majestade no oceano,
quando
vem a noite do espaço desdobrando,
sobre ele, a negra clâmide de
Atlante!
Porém, quanto a floresta mais
me agrada,
ostentando-se à luz da
madrugada
rumorosa, aromática,
brilhante!
★★★
O Mar
AUGUSTO DOS ANJOS
“Eu” (1912)
O mar é triste como um cemitério;
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num alvor
etéreo.
Ah! dessas vagas no bramir
funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; lá, só descanta,
dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu
saltério!
Quando a cândida espuma
dessas vagas,
Banhando a fria solidão das
fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz
se esfuma,
Reflete a luz do sol que já
não arde,
Treme na treva a púrpura da
tarde,
Chora a Saudade envolta nesta
espuma!
★★★
Oração ao Mar
CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)
“Missal” (1893)
Ó mar! Estranho Leviatã verde! Formidável pássaro selvagem, que levas
nas tuas asas imensas, através do mundo, turbilhões de pérolas e turbilhões de
músicas!
Órgão maravilhoso de todos os nostalgismos, de todas as plangências e
dolências…
Mar! Mar azul! Mar de ouro! Mar glacial!
Mar das luas trágicas e das luas serenas, meigas como castas
adolescentes! Mar dos sóis purpurais, sangrentos, dos nababescos ocasos rubros!
No teu seio virgem, de onde se originam as correntes cristalinas da Originalidade,
de onde procedem os rios largos e claros do supremo vigor, eu quero guardar,
vivos, palpitantes, estes Pensamentos, como tu guardas os corais e as algas.
Nessa frescura iodada, nesse acre e ácido salitre vivificante, eles se perpetuarão,
sem mácula, à saúde das tuas águas mucilaginosas onde se geram prodígios como
de uma luz imortal fecundadora.
Nos mistérios verdes das tuas ondas, dentre os profundos e amargos
Salmos luteranos que elas cantam eternamente, estes pensamentos acerbos viverão
para sempre, à augusta solenidade dos astros resplandecentes e mudos.
Rogo-te, ó Mar suntuoso e supremo! para que conserves no íntimo da
tu’alma heroica e ateniense toda esta dolorosa Via-Láctea de sensações e
ideias, estas emoções e formas evangélicas, religiosas, estas rosas exóticas,
de aromas tristes, colhidas com enternecido afeto nas infinitas ideias do
Ideal, para perfumar e florir, num Abril e Maio perpétuos, as aras imaculadas
da Arte.
Em nenhuma outra região, Mar triunfal! ficarão estes pensamentos melhor
guardados do que no fundo das tuas vagas cheias de primorosas relíquias de
corações gelados, de noivas pulcras, angélicas, mortas no derradeiro espasmo
frio das paixões enervantes…
Lá, nessas ignotas e argentadas areias, estas páginas se eternizarão,
sempre puras, sempre brancas, sempre inacessíveis a mãos brutais e poluídas,
que as manchem, a olhos sem entendimento, indiferentes e desdenhosos, que as
vejam, a espíritos sem harmonia e claridade, que as leiam…
Pelas tuas alegrias radiantes e garças; pelas alacridades salgadas,
picantes, primaveris e elétricas que os matinais esplendores derramam, alastram
sobre o teu dorso, em pompas; pelas confusas e mefistofélicas orquestrações das
borrascas; pelo epiléptico chicotear, pelas vergastantes nevroses dos ventos
colossais, que te revolvem; pelas nostálgicas sinfonias que violinam e choram
nas harpas das cordoalhas dos Navios, ó Mar!
guarda nos recônditos Sacrários d’esmeralda as ideias que este Missal
encerra, dá-o, pelas noites, a ler, a meditadoras estrelas, à emoção do Ângelus
espiritualizados e, majestosamente, envolve-o, deixa que Ele repouse, calmo,
sereno, por entre as raras púrpuras olímpicas dos teus ocasos…
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...