Efeitos de lua
(Ao paisagista Décio Freire)
LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)
“Algas e Musgos” (1927)
Há nas serras, em
arco, a forma da moldura
Que fecha em roda a
vasta e límpida aquarela:
O claro-escuro é bom;
tem perspectiva a tela;
Vibram toques de luz
no céu de tal doçura
Que a mesma noite ri
e aos astros se mistura;
Dorme-lhe o oceano
aos pés, como o leão da novela;
Ao terral, que
chegou, a água apenas murmura;
Duas barcas de pesca
arfam por cima dela.
Da indolência em que
a vaga embala-se e flutua;
Como um corcel do
mar, que o dorso de repente
Dardo em chama feriu
— salta, avança, recua...
Do alto viso do
monte, entre árvores, em frente,
Fisga-lhe as flechas
de ouro a caçadora nua,
E ao largo-verde
flanco as torce lentamente...
★★★
Lua
CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)
Clâmides frescas, de
brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas
de neve
Vestem as longas
árvores sombrias,
Surgindo a lua
nebulosa e leve...
Névoas e névoas
frígidas ondulam...
Alagam lácteos e
fulgentes rios
Que na enluarada
refração tremulam
Dentre fosforescências,
calafrios...
E ondulam névoas,
cetinosas rendas
De virginais, de
prônubas alvuras...
Vagam baladas e
visões e lendas
No flórido noivado
das alturas...
E fria, fluente,
frouxa claridade
Flutua como as brumas
de um letargo...
E erra no espaço, em
toda a imensidade,
Um sonho doente,
cilicioso, amargo...
Da vastidão dos
páramos serenos,
Das siderais abóbadas
cerúleas
Cai a luz em
antífonas, em trenos,
Em misticismos,
orações e dúlias...
E entre os marfins e
as pratas diluídas
Dos lânguidos clarões
tristes e enfermos,
Com grinaldas de
roxas margaridas
Vagam as Virgens de
cismares ermos...
Cabelos torrenciais e
dolorosos
Boiam nas ondas dos
etéreos gelos.
E os corpos passam
níveos, luminosos,
Nas ondas do luar e
dos cabelos...
Vagam sombras gentis
de mortas, vagam
Em grandes
procissões, em grandes alas,
Dentre as auréolas,
os clarões que alagam,
Opulências de pérolas
e opalas
E a lua vai clorótica
fulgindo
Nos seus alperces
etereais e brancos,
A luz gelada e pálida
diluindo
Das serranias pelos
largos flancos...
Ó lua das magnólias e
dos lírios!
Geleira sideral entre
as geleiras!
Tens a tristeza
mórbida dos círios
E a lividez da chama
das poncheiras!
Quando ressurges,
quando brilhas e amas,
Quando de luzes a
amplidão constelas,
Com os fulgores
glaciais que tu derramas
Das febre e frio, dás
nevrose, gelas...
A tua dor
cristalizou-se outrora
Na dor profunda mais
dilacerada
E das cores
estranhas, ó astro, agora,
És a suprema dor
cristalizada!...
★★★
A Lua
CARMEN FREIRE
“Visões e
Sombras”
(1897)
Oh lua! formosa
lua!
Do céu soberana
augusta,
Dize, dize, que
te custa
Desvendar-me a
vida tua?
Conta-me os
doces segredos
Das regiões
incognoscíveis,
Onde arcanjos
invisíveis
Têm armeis de
astros nos dedos.
Dize se as
nuvens formosas,
Quando se fundem
num beijo,
Sentem no seio o
lampejo
Das estrelas
luminosas.
Vem alentar-me,
querida,
Que, a todo o
poder, prefiro
O aroma do teu
suspiro
Para encantar
minha vida.
Talvez tu possas
um'hora
Mostrar-me as
crenças que voaram
Páginas que se
rasgaram,
Apagando a minha
aurora.
Talvez mostre-mas
suspensas,
Sem abrigo e sem
ventura,
Chorando na
imensa altura...
O' minhas
perdidas crenças!
E, quando ao céu
remontares,
Leva contigo a
minha alma,
E no céu, como um
astro, calma,
Fique dominando
os ares.
Vendo um corpo
que sofreu
Na terra, sob
uma cruz:
A terra perde
uma luz,
Mas ganha uma
luz o céu.
Desvenda-me os
esplendores
Do céu coalhado
de estrelas,
Que a gente
parece, ao vê-las,
Vê-lo coberto de
flores,
Mostra-me os
vastos impérios
Da tua eterna
morada,
Profundamente
sulcada
Dos mais
profundos mistérios.
Mas calas
zelosamente
O poema que o
céu encerra,
E corres até a
terra
O teu manto
alvinitente.
E suspensa em
doce luz
Ficas de um
êxtase presa,
Alma de Santa
Tereza,
Casta esposa de
Jesus.
Desce da frígida
bruma,
Ai! vem
conversar comigo!
Vem, que o teu
hálito amigo
O meu coração
perfuma.
★★★
Paisagem
de luar
CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)
“Missal” (1893)
Na nitidez do ar frio, de finas vibrações de cristal, as estrelas crepitam…
Há um rendilhamento, uma lavoragem de
pedrarias claras, em fios sutis de cintilações palpitantes, na alva estrada
esmaltada da Via-Láctea.
Uma serenidade de maio adormecido entre
frouxéis de verdura cai do veludo do firmamento, torna a noite mais solitária e
profunda.
O Mar, pontilhado dos astros, faísca,
fosforesce e rutila, agitando o dorso Glauco.
E, de leve, de manso, um clarão branco, lânguido,
lívido vem subindo dos montes, escorrendo fluido nas folhagens, que prateiam-se
logo, como se fabuloso artista invisível as prateasse e as polisse.
A lua cheia transborda em rio de neve na
paisagem, e, no mar, há pouco apenas fagulhante da iriação das estrelas, a lua
jorra do alto.
Por ele afora, pelo vasto mar espelhado,
pequenas embarcações se destacam agora, alígeras, lépidas, à pesca da noite,
velas brancas serenas, sob a constelação dos espaços.
A água repercute, na amorosa solidão do luar,
a barcarola sonora dos pescadores, que, de entre a glacial amplidão da água,
mais fresca e sonora, vibra.
Um aspecto de natureza, verde, virgem, que
repousa, estende-se nos longes, desce aos prados, sobe às montanhas e
infinitamente espalha-se nas mudas praias alvejantes.
E, à proporção que a lua mais vai subindo o
páramo, à proporção que ela mais galga a altura, mais as pequenas embarcações
de pesca avançam nas vagas resplandecentes, com as asas das velas abertas à
salitrosa emanação marinha.
Com o brilho fúlgido, aceso, d’esmeralda
facetada, uma estrela parece peregrinamente acompanhar de perto a lua, num
ritmo harmonioso…
Perfumes salutares, tonificantes eflúvios
exalam-se da frescura nova, imaculada dos campos, como dum viçoso e casto
florir de magnólias, na volúpia da natureza adormecida numa alvura de linhos,
dentre opulências de noivados.
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