A Morte no Calvário
(Semana Santa)
MACHADO DE ASSIS
“Poesias
Dispersas”
(1858)
Consummatum
est!
I
Ei-lo, vai sobre o alto
Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma
cruz!
Povos! naquele fúnebre
sudário
Envolto vai um sol de eterna
luz!
Ali toda descansa a
humanidade;
É o seu salvador, o seu
Moisés!
Aquela cruz é o sol da
liberdade
Ante o qual são iguais povos
e reis!
Povos, olhai! — As fachas
mortuárias
São-lhe os louros, as palmas,
e os troféus!
Povos, olhai! — As púrpuras
cesáreas
Valem acaso em face do
Homem-Deus?
Vede! mana-lhe o sangue das
feridas
Como o preço da nossa
redenção.
Ide banhar os braços
parricidas
Nas águas desse fúnebre
Jordão!
Ei-lo, vai sobre o alto do
Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma
cruz!
Povos! naquele fúnebre
sudário
Envolto vai um sol de eterna
luz!
II
Era o dia tremendo do
holocausto...
Deviam triunfar os
fariseus...
A cidade acordou toda no
fausto,
E à face das nações matava um
Deus!
Palpitante, em frenético
delírio
A turba lá passou: vai
imolar!
Vai sagrar uma palma de
martírio,
E é a fronte do Gólgota o
altar!
Em derredor a humanidade
atenta
Aguarda o sacrifício do
Homem-Deus!
Era o íris no meio da
tormenta
O martírio do filho dos
Hebreus!
Eis o monte, o altar do
sacrifício,
Onde vai operar-se a
redenção.
Sobe a turba entoando um
epinício
E caminha com ela o novo
Adão!
E vai como ia outrora às
sinagogas
As leis pregar do Sião e do
Tabor!
É que no seu sudário as alvas
togas
Vão cortar os tribunos do
Senhor!
Planta-se a cruz. O Cristo
está pendente;
Cingem-lhe a fronte espinhos
bem mortais;
E cospe-lhe na face a turba
ardente,
E ressoam aplausos triunfais!
Ressoam como em Roma a
populaça
Aplaudindo o esforçado
gladiador!
É que são no delírio a mesma
raça,
A mesma geração tão sem
pudor!
Ressoam como um cântico maldito
Pelas trevas do século a
vibrar!
Mas as douradas leis de um
novo rito
Vão ali no Calvário começar!
Sim, é a hora. A humanidade
espera
Entre as trevas da morte e a
eterna luz;
Não é a redenção uma quimera,
Ei-la simbolizada nessa cruz!
É a hora. Esgotou-se a amarga
taça;
Tudo está consumado; ele
morreu,
E aos cânticos da ardente
populaça
Em luto a natureza se
envolveu!
Povos! realizou-se a
liberdade,
E toda consumou-se a
redenção!
Curvai-vos ante o sol da
Cristandade
E as plantas osculai do novo Adão!
Ide, ao som das sagradas
melodias,
Orar junto do Cristo como
irmãos,
Que os espinhos da fronte do
Messias
São as rosas da fronte dos
cristãos!
★★★
A agonia de Cristo
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
“Contemporâneas” (1887)
No instante em que Jesus
soltou o extremo alento,
refere a tradição que um
grande cataclismo
convulsionara o mundo,
universal lamento
que a matéria arrancou do
pávido organismo.
Os planetas, o mar, a rocha,
o bosque, o vento,
levados na atração de
estranho magnetismo,
soluçavam de dor um
tristíssimo acento.
– Surgiu um osso humano,
então, de cada abismo!
Pranto de sangue, o sol
abandonara os ares
e em filetes cobriu a Vítima
dorida,
como uma estalactite
esplêndida de luz.
E o Líbano, curvando as copas
seculares,
o Gólgota saudou: – ó rocha
denegrida,
não és estéril mais, em ti
floresce a Cruz!
★★★
No Jardim das Oliveiras
AUTA DE SOUZA
Poesias
“Minh’alma é triste até à morte...” Doce,
Jesus falou... E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.
Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.
“Pai, tem piedade...” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.
Pobre Jesus! Como num sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!
★★★
Aposta
de Cristo
Ché ben può nulla, chi non
può morire.
(Petrarca - Sonetti)
CARMEN FREIRE
“Visões
e sombras”
(1897)
Quando no alto do cruel madeiro
Pregaram Jesus Cristo, sem piedade,
Pairava-lhe um sorriso de bondade
No lábio ressequido e verdadeiro.
Consta que alguém gritou-lhe: — vil cordeiro,
Tu que pregaste o bem, tu que a
verdade
Pregaste, morres nesta iniquidade
E calmo dás o alento derradeiro.
Não clamas, não fulmina teus algozes,
Tua palavra mágica emudece,
Morres tranquilo, mudo, solitário...
E Jesus, atalhando as suas vozes,
Respondeu-lhe: — Ah! feliz o que
padece
E chega logo ao alto do Calvário.
★★★
A um Crucifixo
ANTERO DE QUENTAL
“Sonetos Completos” (1866)
Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços
E clamaste da cruz: há Deus! e olhaste, ó crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!
Por que morreu sem eco, o eco de teus passos,
E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente?
Morreste... ah! dorme em paz! não volvas, que descrente
Arrojaras de nova à campa os membros lassos...
Agora, como então, na mesma terra erma,
A mesma humanidade é sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo céu, frio como um sudário...
E agora, como então, viras o mundo exangue,
E ouviras perguntar — de que serviu o sangue
Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário? —
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