O madrigal das
rosas
LUÍS DELFINO
“Algas
e Musgos”
(1927)
Quando em grupo,
enlaçada, e de joelhos
A chusma
triunfal das rosas toma
Ares de quem à
luz quer dar conselhos,
Num barulho sem
fim de cor e aroma
Salta sobre os
minúsculos artelhos,
E com a fronte a
arder da acesa coma,
Cobrindo rostos
bons, gentis, vermelhos,
Dos varandins
pela esmeralda assoma:
Dizem todas ao
sol com dor, com pejo,
Num madrigal,
que o amor delas resume,
Que ele lhes
leva a vida e o olor num beijo;
Meio a rir, meio
em iras de ciúme,
Responde o sol,
golpeado de um desejo:
— Dou-lhes o
beijo, e negam-me o perfume?...
★★★
Lírio astral
CRUZ E SOUZA
“Faróis” (1900)
Lírio astral, ó lírio branco
Ó lírio astral,
No meu derradeiro arranco
Sê cordial!
Perfuma de graça leve
O meu final
Com o doce perfume breve,
Ó lírio astral!
Dá-me esse óleo sacrossanto
Toda a caudal
Do óleo casto do teu pranto,
Ó lírio astral!
Traz-me o alívio dos alívios,
Ó virginal,
Ó lírio dos lírios níveos,
Ó Lírio astral!
Dentre as sonatas da lua
Celestial,
Lírio, vem, Lírio, flutua,
Ó Lírio astral!
Dos raios das noites de ouro,
Do Roseiral,
Do constelado tesouro,
Ó lírio astral!
Desprende o fino perfume
Etereal
E vem do celeste fume,
Ó lírio astral!
Da maviosa suavidade
Do céu floral
Traz a meiga claridade,
Ó lírio astral!
Que bendita e sempre pura
E divinal
Seja-me a tua frescura,
Ó lírio astral!
Que ela, enfim, me transfigure,
Na hora fatal
E os meus sentidos apure,
Ó lírio astral!
Que tudo que me é avaro
De luz vital,
Nessa hora se tome claro,
Ó lírio astral!
Que portas de astros, rasgadas
Num céu lirial,
Eu veja desassombradas,
Ó lírio astral!
Que eu possa, tranquilo, vê-las,
Limpo do mal,
Essas mil portas de estrelas
Ó lírio astral!
E penetrar nelas, calmo,
Na paz mortal,
Como um davídico salmo,
O lírio astral!
Vento velho que soluça
Meu Sonho ideal,
No Infinito se debruça,
Ó lírio astral!
Por isso, lá, no Momento,
Na hora fetal,
Perfuma esse velho vento
Ó lírio astral!
Traz a graça do Infinito,
Graça imortal,
Ao velho Sonho proscrito,
Ó lírio astral!
Adoça-me o derradeiro
Sonho feral
O lírio do astral Cruzeiro
Ó lírio astral!
Se, o Lírio, ó doce Lírio
De luz boreal
Na morte o meu claro círio,
Ó lírio astral!
Perfuma, Lírio, perfume,
Na hora glacial,
Meu Sonho de Sol, de Bruma,
Ó lírio astral!
Que eu suba na tua essência
Sacramental
Para a excelsa Transcendência,
Ó lírio astral!
E lá, nas Messes divinas,
Paire, eternal,
Nas Esferas cristalinas,
Ó lírio astral!
★★★
Pobre flor!
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Deu-ma um dia
antiga companheira
De tempinho
feliz de adolescente;
E os meus lábios
roçaram docemente
Pelas folhas da
nívea feiticeira.
Como se apaga
uma ilusão primeira,
Um sonho
estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a
corola, rescendente
Inda mais que a
da flor da laranjeira.
E como amava o
seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase
essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao
seu primeiro filho.
Dei-lhe no seio
uma pousada franca...
Mas, ai!
depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera
flor, cheirosa e branca!
★★★
As rosas
(A Caetano Filgueiras)
MACHADO DE ASSIS
"Crisálidas" (1864)
Rosas que
desabrochais,
Como os
primeiros amores,
Aos suaves
resplendores
Matinais;
Em vão
ostentais, em vão,
A vossa graça
suprema;
De pouco vale; é
o diadema
Da ilusão.
Em vão encheis
de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o
seio úmido e fresco
Do sol nascente
aos beijos amorosos;
Em vão ornais a
fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor
de puro afeto,
Como um elo das
almas,
Passais do seio
amante ao seio amante;
Lá bate a hora
infausta
Em que é força
morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da
manhã primeira,
As graças e o
perfume.
Rosas, que sois
então? — Restos perdidos,
Folhas mortas
que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno
ou mão indiferente.
Tal é o vosso
destino,
Ó filhas da
natureza;
Em que vos pese
à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a
mão de um poeta
Vos cultiva
agora, ó rosas,
Mais vivas, mais
jubilosas,
Floresceis.
★★★
Às flores
MANUEL DE ARRIAGA
“Cantos Sagrados” (1899)
Eu venho-vos cantar, mimosas flores,
A vós irmãs da
luz, gentis e belas,
Do chão que piso
vívidas estrelas,
Com mil
perfumes, mil viçosas cores!
À vossa
encantadora companhia,
Toda cheia de
graça e de candura,
Eu devo em parte
a luz serena e pura
Do amor, que meu
espírito alumia!...
Cercando-me dos
vossos esplendores,
Nos quais eu
pasto dia e noite a vista,
Consigo
converter meu lar d'artista
Num Louvre de
riquíssimos lavores
Em proferiu,
alabastro, em prata e ouro,
E em fúlgidos
cetins!... Primores d'arte,
Por onde o
artista Máximo reparte
Co'os olhos meus
belíssimo tesouro!...
Entre nós não há
festas verdadeiras,
No templo, no
palácio ou na choupana,
Que em todo o
grão matiz da vida humana,
Prescindam de
vos ter por companheiras!...
Ninguém na Terra
vos disputa a palma
D'expor, com
fidelíssima justeza
De cor e forma,
cheias de beleza,
Os vários
sentimentos da nossa alma!...
A tímida
donzela, ingênua e pura,
Temendo-se dos
bens que ela imagina,
Nas pétalas da
cândida bonina
Procura ler seus
sonhos de ventura!...
Com finas mãos,
as pálidas Ofélias,
Por darem mais
realce aos fios d'ouro
Das bastas
tranças: seu cabelo louro
Adornam com
alvíssimas camélias!
Afim de se dizer
à bem amada
Do intenso amor
o rápido delírio:
Da rosa
pudibunda ou branco lírio
Se faz missiva
pura e perfumada!...
Os tristes na
viuvez, e na orfandade,
Roídos por uma
íntima amargura:
Desfolham na
chorada sepultura,
As pétalas do
lírio e da saudade!...
Eu mesmo, que do
público debando;
Dos mortos
divorciado, e alheio aos vivos:
Se vejo dentre
sonhos fugitivos,
Abrirem-se-me os
céus de quando em quando;
Supondo em vida
os povos numerosos,
Unindo-se em
espírito e verdade,
Viverem ante
Deus e a Humanidade,
Como irmãos, solidários,
venturosos;
E encontro, em
torno às cândidas quimeras,
Cruéis
desilusões por toda a parte:
Em guerra os
homens, a virtude e a arte
Sem o fogo
sagrado doutras eras...
Oh minhas
flores! viva embora eu triste,
Que as vossas
sereníssimas imagens
Conseguem
libertar-me das voragens
Com quanto belo
na minha alma existe!...
Ah quando caio e
vejo das misérias
Cavar-se aos pés
um sorvedouro infindo:
Seguindo as
espirais dum sonho lindo,
Por vós remonto
às regiões etéreas!...
Em horas de
fraqueza, horas mofinas,
Se eu ouso vos
fitar, sinto na face
Um súbito rubor,
qual se me olhasse
Deus Pai, sob
essas formas peregrinas!...
Urnas santas, a
mim que deposito
No vosso olor
sutil e perfumado
As cenas mais
gentis do meu passado,
Perdidas para
sempre no infinito!...
Deixai que em
testemunho da verdade:
Do muito que vos
quis e amei na vida,
Como eco da
minha alma agradecida,
Meu canto o
ateste à luz da eternidade!...
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