D. Quixote
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos”
(1892)
Tempo fecundo aquele
em feitos bravos.
Triste Figura, a
flor dos cavaleiros,
peregrinava a
desfazer agravos
com Sancho, o
mais leal dos escudeiros.
Do virginal
decoro das virtudes
Paladino, ele,
às vezes, num momento,
sozinho
suplantava, a golpes rudes,
os moinhos ciclópicos
de... vento.
Na sombria
armadura legendária,
pulava um
coração adamantino:
com ela
conquistou a Barataria
e o capacete do
feroz Membrino.
Se ao puro bem
vencia o mal infando,
era vê-lo, na
rápida carreira,
fantástico,
sublime, galopando
nas estradas em
nuvens de poeira.
Sublime e louco
heroísmo! Que loucura
é todo o
sentimento que transborda:
o crânio, que
adormece em noite escura,
não raro cede ao
coração que acorda!
Almas às vezes
bem equilibradas
deixam, por ser
seu sentimento pouco
– o direito à
mercê das gargalhadas,
a justiça num
cérebro de louco!
Conseguiste o
brasão maravilhoso
com que os
heróis os séculos aclamam:
foste um
burlesco, um doido, um generoso;
ri-se o mundo de
ti, mas todos te amam!
★★★
A morte de D. Quixote
(Ao Conde de Sabugosa)
(Ao Conde de Sabugosa)
ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)
Roto o escudo, sem
lança, a cota escalavrada,
Sozinho,
abandonado e à toa como um cego,
Do crepúsculo à luz dolente e imaculada
Entra na sua aldeia o altivo herói Manchego.
Do crepúsculo à luz dolente e imaculada
Entra na sua aldeia o altivo herói Manchego.
O tênue fumo sai
do colmo das herdades,
Riem ao pé da
fonte as frescas raparigas,
E à clara vibração sonora das trindades
Juntam-se brandamente as vozes e as cantigas.
E à clara vibração sonora das trindades
Juntam-se brandamente as vozes e as cantigas.
E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,
Que apelo mundo a
combater os maus,
Defendendo a Mulher, desafiando a morte,
Do paterno casal sentou-se nos degraus.
Defendendo a Mulher, desafiando a morte,
Do paterno casal sentou-se nos degraus.
Nos joelhos
fincando o cotovelo agudo
E no punho cerrado
a fronte reclinando,
Quedou-se largo espaço, ilacrimável, mudo,
Para o inútil passado os olhos alongando...
Quedou-se largo espaço, ilacrimável, mudo,
Para o inútil passado os olhos alongando...
E ali, na doce paz
da sua alegre aldeia,
Sentiu que o
avassalava uma tristeza infinda,
Quando esta voz se ouviu: “morreu-te a Dulcineia,
Missionário do Bem, tua missão é finda!”
Quando esta voz se ouviu: “morreu-te a Dulcineia,
Missionário do Bem, tua missão é finda!”
E ele a ouvir e a
cismar! A trêfega sobrinha
Beija-o, fala-lhe,
ri, abraça-o, mas o Herói
Destarte lhe volveu “A morte se avizinha,
Levai-me para o leito!” E ouvi-lo pena e dói.
Destarte lhe volveu “A morte se avizinha,
Levai-me para o leito!” E ouvi-lo pena e dói.
Do leito à
cabeceira o Bacharel e o Cura
Tentam
ressuscitar-lhe os sonhos e as quimeras;
Pintam-lhe o negro mal triunfante, ó amargura!
O fraco aos pés do forte, o bom lançado às feras...
Pintam-lhe o negro mal triunfante, ó amargura!
O fraco aos pés do forte, o bom lançado às feras...
Contam-lhe o frio horror dos cárceres sem luz.
Que nas torres
feudais pompeava o velho Crime.
Que os crescentes do Islã tinham vencido a Cruz,
Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.
Que os crescentes do Islã tinham vencido a Cruz,
Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.
Inquieto, seminu,
sinistro, o cavaleiro
Bradou como um trovão:
“Enverguem-me a loriga!
Selem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,
Traze-me a lança, presto! e a minha espada amiga!”
Selem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,
Traze-me a lança, presto! e a minha espada amiga!”
Tinha em brasas o
olhar, e truculento o aspecto,
E vibrava em redor
a imaginária lança...
Logo depois caiu do respaldar do leito,
Morto: tendo no lábio um riso de criança!
Logo depois caiu do respaldar do leito,
Morto: tendo no lábio um riso de criança!
★★★
A leitura dos Lusíadas
(A Vicente Pindela)
(A Vicente Pindela)
ANTÔNIO CRESPO
"Noturnos" (1882)
Do moço rei
defronte, esbelto e cavaleiro
Camões recita; a
corte, silenciosa
Ante a rubra explosão do cântico guerreiro,
Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.
Ante a rubra explosão do cântico guerreiro,
Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.
“... Ruge a
elétrica voz do Adamastor furiosa;
Nas amuradas canta
o alegre marinheiro;
Do Oceano à flor cintila a esteira luminosa
Dos pesados galeões do Gama aventureiro.
Do Oceano à flor cintila a esteira luminosa
Dos pesados galeões do Gama aventureiro.
Terra! grita o gajeiro; e à praia melindana
Desce doida e
febril a gente lusitana
Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...”
Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...”
Da glória ante o
esplendor o olhar del-Rei fulgura;
O Câmara no
entanto, alma sombria e escura,
No rei os olhos crava, e ri felinamente.
No rei os olhos crava, e ri felinamente.
★★★
Mãos
de Lady Macbeth
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Como
a Macbeth, — eu sei, as mãos manchadas
Não
tens de sangue: o coração teu puro
Vai,
vem; é como um pêndulo seguro;
Passam-lhe
as horas calmas, sossegadas.
Mas
quando beijo as palmas delicadas
Encontro
aí sempre um ponto, um ponto escuro;
E
minhas esperanças sepultadas
Na
cova sua deixo, e o meu futuro.
Que
dor profunda dentro em mim eu sinto,
Ao
vê-la e ouvi-la, alheado, inquieto, absorto!
Digo-lhe
então: — Tu crês, talvez, que minto?
E
ri: porém com tanto desconforto
Que
o riso tem a cor de um riso extinto,
E
é túmulo o seu lábio, e o riso um morto...
★★★
Lendo a Ilíada
OLAVO BILAC
“Panóplias
e outros poemas”
(1888)
Ei-lo, o poema
de assombros, céu cortado
De relâmpagos,
onde a alma potente
De Homero vive,
e vive eternizado
O espantoso
poder da argiva gente.
Arde Troia... De
rastos passa atado
O herói ao carro
do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre
um mar ilimitado
De capacetes e
de sangue quente.
Mais que as
armas, porém, mais que a batalha
Mais que os
incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre
os povos a discórdia espalha:
— Esse amor que
ora ativa, ora asserena
A guerra, e o
heroico Páris encadeia
Aos curvos seios
da formosa Helena.
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