A lenda do Éden
LUÍS DELFINO
"Imortalidades" (1941)
Hás de
lembrar-te ainda da tremenda
Queda dos nossos
pais, que a história conta:
Helena, sobe os
séculos, remonta
Ao livro santo e
após do Éden a lenda.
Aqui há muito
que se leia e aprenda.
É na aurora da
vida que desponta
O amor, que tudo
eleva e tudo afronta:
É bom que cada
qual o saiba e entenda.
Deixar a luz,
para cair na treva,
Deixar tudo o
que é belo e grande a troco
De um sonho vão,
que ao erro e à dor nos leva!...
Deus dava tudo:
e tudo inda era pouco:
Que mais queria
Adão? Que mais quis Eva?
Ter tudo e
querer mais? — Não é ser louco?!...
★★★
Éden
LUÍS DELFINO
“Rosas
Negras” (1938)
Olha, o momento
é curto, e esvai-se de repente;
Neste trabalho
audaz, nesta eviterna luta,
Ou é logo
apanhá-lo, audaciosamente,
Ou perdê-lo na
mó da natureza bruta.
Não o deixar,
ser pronto, agarrar o presente,
E em cima de um
gramado, ou dentro de uma gruta
Escondê-lo e
fruí-lo, o tempo nos escuta,
E quem goza, e é
feliz, vê-lo ir indo não sente.
Ris: ‘stás
pálida, e enfim me perguntas: — que fazes?
Nosso leito
estrelado embaixo entre os lilases,
Éden novo, que
nuns palmos de relva traço,
Enquanto em derredor
de ti cantam as flores...
Quero só estar
contigo, ir só onde tu fores,
Silfos ao pé de
nós; deuses, sóis pelo espaço...
★★★
Caim
LUÍS DELFINO
“Rosas
Negras” (1938)
A lágrima
protesta, o sangue em coalhos grita...
Não... não irás
assim em triunfal parada:
Passarás entre
nós como um ladrão de estrada,
Será teu Panteão
ridícula guarita.
A traição, toda
em luz de auréola bendita,
Chorará de
vergonha ao ver-te, horrorizada:
E a baixeza, e a
perfídia, e a infâmia interrogada
Contra ti dirá
só um nome: — Israelita...
Pensas que hás
de mentir à história, miserando?
Quem ainda a
enganou? como a enganou? e quando?
Crês também
iludir a morte, e não ter fim?
O silêncio tem
voz, milhões de olhos a treva...
E a teu pai ser
Adão, e a tua mãe ser Eva,
O teu nome,
assassino, o teu nome é Caim...
★★★
Judas segundo a Bíblia
LUÍS DELFINO
“Rosas
Negras” (1938)
Poderia fugir à
Divindade?
Era preciso um
beijo fratricida
Que desse a
morte; e à morte desse a vida...
Era um destino,
uma fatalidade.
Marcou-te Deus
da mais remota idade;
Para a traição
tua alma conduzida
Assim ao crime,
foi também traída
Por Cristo, um
companheiro, e sem piedade.
Calvário em
sangue, à cruz Jesus alçado,
Nada houvera,
nem mundo resgatado,
Sem o teu crime,
ó Judas traiçoeiro!
Deus marcou-te
com um ferro em brasa o flanco.
Pois bem: o
ferro a arder das mãos lhe arranco,
Para marcar a
quem traiu primeiro...
★★★
Adoração dos reis
AUTA DE SOUZA
“Poesias”
Jesus sorri. Que ternura,
Que doce favo de luz
Vejo brilhar na candura
De seus dois olhos azuis!
Chegam os Magos. De joelho,
Cheios de unção e de amor,
Beijam o pesinho vermelho
Do pequenino Senhor.
Trazem-lhe mesmo um tesouro
Lembrando glória e tormento:
Caçoulas de incenso e ouro
É a mirra do sofrimento.
Ó Reis do grande Oriente,
Por que lembrastes, então,
Á mãe do louro inocente
A dor sem fim da Paixão?
Não vedes que a Virgem chora
Olhando a mirra cruel?
É que ela se lembra agora
Da esponja embebida em fel.
Talvez não vísseis o lindo
Bando gentil de pastores
Que o rodearam sorrindo,
Mas só lhe trouxeram flores!
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