6/29/2018

Temas Poéticos: ANIMAIS - II



Leão prisioneiro
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Foi uma insídia: ela atirou-o ao ignavo,
Amargo exílio, ergástulo de arame;
Gritou-lhe embora: — Rei da força, brame;
Darda-me os raios dos teus olhos, bravo.

Nada o exacerba; nada o irrita. — Exame
Cobarde sofre à juba, ao pelo flavo;
Chumba-o a implacabilidade alvar do escravo,
Quieto, calmo, sonolento, infame...

Como um vencido estúpido da sorte,
Encheu-se de mudez e de sigilo,
Que é outra morte, antes de vir a morte.

Desdenhoso, incolérico, tranquilo,
Guarda esse orgulho, púrpura do forte,
Régio trapo que o envolve em tudo aquilo.

★★★

A aranha
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Quando na fina, complicada teia
A mosca prende as asas rutilantes,
E sente em cada pé uma cadeia,
Que ao céu lhe furta os voos iriantes,

Stringe... que quase o ergástulo baqueia:
Tempesteia, reluta alguns instantes:
Porém de longe a aranha escura e feia
Lhe alteia o muro, aos gritos lacerantes;

Stringe... revoa, cai: stringe, desata
As asas de esmeralda, e ouro, e prata,
Como lutara uma águia emaranhada,

E Prometeu: mas cede à força estranha.
Move-se então, caminha, chega a aranha.
E, antes que a empolgue, para inda aterrada.

★★★

O boi
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Não espantara o Olimpo inda a temeridade
De Prometeu; a vida era um problema escuro;
Alcides não domara a Hidra, e a enormidade
Do Centauro; ladrava o oceano ao palinuro.

Robusto como o leão, não tão nobre, é verdade,
O boi de nossos pais já suportava o duro,
Áspero jugo — bom, calmo, na austeridade
De quem carrega o tempo e as messes do futuro.

Amo-o por isso; e quando ele ergue o corpulento
Torso pela mudez glauca do vale, e afina
O quadro o sol no ocaso — águia ferida em lento

Rolar, descer, cair — então parece a ruína
De enorme construção, vetusto monumento,
Do qual resta uma torre em pé, sobre a campina.

★★★

A morte do cavalo
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)

Rico cenário: um campo imenso e a emoldurá-lo
Os morros no calor glauco dos flamejantes
Raios de um sol rojando entre armados gigantes:
Em cima o rei; e embaixo, à mesma hora, o cavalo,

Que vasquejava ali, como um Sardanapalo
Entre mulheres, entre os sândalos fragrantes,
Um fumo de ouro em circo à fronte, como um halo,
Nativo e calmo orgulho em todos os semblantes.

Brisa, que deixa um fino e estranho aroma, passa,
E esse aroma à minha alma, em cimo azul, se enlaça;
E enquanto expira e acaba o monarca da luz,

A fremir do corcel o pelo, a cauda, a clina,
Dos olhos cai-lhe o céu, dos pés cai-lhe a colina,
Ao mesmo sopro que deuses e heróis conduz...

★★★

A mosca
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Era um trabalho de divino artista,
Deslumbrante de luz e transparente,
De ouro, esmeralda, pérola, ametista,
E o que há de rico em pedras do Oriente.

Era um sol pequenino, e doce, e quente,
Joia viva, que noutra joia enrista,
Com voo doido, alegre, impertinente,
Beijando-a à boca, e a cintilar-lhe à vista.

De mel não era de colmeia tosca,
Que ia ali ebriar-se aquela mosca,
Grácil, ávida, trêmula, a fremir.

Mas os lírios das mãos gentis brandindo,
Viu-se, um céu ela toda, o inseto lindo
Cair do céu e inda no céu morrer.


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