Leão
prisioneiro
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Foi
uma insídia: ela atirou-o ao ignavo,
Amargo
exílio, ergástulo de arame;
Gritou-lhe
embora: — Rei da força, brame;
Darda-me
os raios dos teus olhos, bravo.
Nada
o exacerba; nada o irrita. — Exame
Cobarde
sofre à juba, ao pelo flavo;
Chumba-o
a implacabilidade alvar do escravo,
Quieto,
calmo, sonolento, infame...
Como
um vencido estúpido da sorte,
Encheu-se
de mudez e de sigilo,
Que
é outra morte, antes de vir a morte.
Desdenhoso,
incolérico, tranquilo,
Guarda
esse orgulho, púrpura do forte,
Régio
trapo que o envolve em tudo aquilo.
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Quando
na fina, complicada teia
A
mosca prende as asas rutilantes,
E
sente em cada pé uma cadeia,
Que
ao céu lhe furta os voos iriantes,
Stringe...
que quase o ergástulo baqueia:
Tempesteia,
reluta alguns instantes:
Porém
de longe a aranha escura e feia
Lhe
alteia o muro, aos gritos lacerantes;
Stringe...
revoa, cai: stringe, desata
As
asas de esmeralda, e ouro, e prata,
Como
lutara uma águia emaranhada,
E
Prometeu: mas cede à força estranha.
Move-se
então, caminha, chega a aranha.
E,
antes que a empolgue, para inda aterrada.
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Não
espantara o Olimpo inda a temeridade
De
Prometeu; a vida era um problema escuro;
Alcides
não domara a Hidra, e a enormidade
Do
Centauro; ladrava o oceano ao palinuro.
Robusto
como o leão, não tão nobre, é verdade,
O
boi de nossos pais já suportava o duro,
Áspero
jugo — bom, calmo, na austeridade
De
quem carrega o tempo e as messes do futuro.
Amo-o
por isso; e quando ele ergue o corpulento
Torso
pela mudez glauca do vale, e afina
O
quadro o sol no ocaso — águia ferida em lento
Rolar,
descer, cair — então parece a ruína
De
enorme construção, vetusto monumento,
Do
qual resta uma torre em pé, sobre a campina.
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Rico cenário: um campo imenso e a emoldurá-lo
Os
morros no calor glauco dos flamejantes
Raios
de um sol rojando entre armados gigantes:
Em
cima o rei; e embaixo, à mesma hora, o cavalo,
Que
vasquejava ali, como um Sardanapalo
Entre
mulheres, entre os sândalos fragrantes,
Um
fumo de ouro em circo à fronte, como um halo,
Nativo
e calmo orgulho em todos os semblantes.
Brisa,
que deixa um fino e estranho aroma, passa,
E
esse aroma à minha alma, em cimo azul, se enlaça;
E
enquanto expira e acaba o monarca da luz,
A
fremir do corcel o pelo, a cauda, a clina,
Dos
olhos cai-lhe o céu, dos pés cai-lhe a colina,
Ao
mesmo sopro que deuses e heróis conduz...
★★★
LUÍS
DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
“Rosas Negras” (1938)
Era
um trabalho de divino artista,
Deslumbrante
de luz e transparente,
De
ouro, esmeralda, pérola, ametista,
E
o que há de rico em pedras do Oriente.
Era
um sol pequenino, e doce, e quente,
Joia
viva, que noutra joia enrista,
Com
voo doido, alegre, impertinente,
Beijando-a
à boca, e a cintilar-lhe à vista.
De
mel não era de colmeia tosca,
Que
ia ali ebriar-se aquela mosca,
Grácil,
ávida, trêmula, a fremir.
Mas
os lírios das mãos gentis brandindo,
Viu-se,
um céu ela toda, o inseto lindo
Cair
do céu e inda no céu morrer.
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