Os amores da abelha
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Quando, em prônubo anseio, a abelha as asas solta
E escala o espaço, — ardendo, êxul do corcho céreo,
Louca, se precipita a sussurrante escolta
Dos noivos zonzos, voando ao nupcial mistério.
E escala o espaço, — ardendo, êxul do corcho céreo,
Louca, se precipita a sussurrante escolta
Dos noivos zonzos, voando ao nupcial mistério.
Em breve, sucumbindo, o enxame arqueja, e volta...
Mas o mais forte, um só, senhor do excelso império,
Segue a esquiva, e, em zunzum zeloso de revolta,
Entoa o epitalâmio e o cântico funéreo:
Mas o mais forte, um só, senhor do excelso império,
Segue a esquiva, e, em zunzum zeloso de revolta,
Entoa o epitalâmio e o cântico funéreo:
Toca-a, fecunda-a, e vence, e morre na vitória...
A esposa, livre, ao sol, no alto do firmamento,
Palra, e, rainha e mie, zumbe de orgulho e glória;
A esposa, livre, ao sol, no alto do firmamento,
Palra, e, rainha e mie, zumbe de orgulho e glória;
E, rodopiando, inerte, o suicida sublime,
Entre as bênçãos da luz e os hosanas do vento,
Rola, mártir feliz do delicioso crime.
Entre as bênçãos da luz e os hosanas do vento,
Rola, mártir feliz do delicioso crime.
★★★
Cão da terra
nova
LUÍS DELFINO
"Algas
e Musgos" (1927)
O pai saiu: a
mãe sai, e o filhinho deixa
No berço, um
anjo rubro em céu do Espanholeto;
E vai serena e
forte, e vai sem uma queixa,
Com seu amor,
que é de ódio e de ternura feito.
A um Terra-Nova
escuro, um cão à casa afeito,
Fia a flor dessa
carne, e o ouro dessa madeixa:
Ai! de quem
nesse lírio, o seu tesouro, mexa;
Ai! de quem se
aproxime, estranho e alheio, ao leito!
E enquanto dorme
e ri, e ri e dorme a criança,
Como em torno de
um barco o mar as vagas lança,
Cerca-a do seu
olhar, e interroga-a... O que quer?...
E o paternal
carinho o engrandece e ilumina,
Como auréola
ardente em cabeça divina,
Como em virgem,
que sonha, um sonho de mulher...
★★★
Um tigre ao luar
(A Felix Ferreira)
LUÍS DELFINO
"Algas
e Musgos" (1927)
Cai no bosque o
luar... Como o luar é lindo!...
A abóbada do céu
tem os leites da opala.
Um cheiro
penetrante e doce a mata exala,
Nuns fantásticos
véus os ombros encobrindo.
No silêncio, em
que jaz, contudo está-se ouvindo
A meiga voz, a
voz de amor, com que ela fala;
A sombra, que
soluça, a luz num beijo embala...
Desce um vago
tremor do firmamento infindo.
Como numa
aquarela, escoam-se os caminhos...
Há passos no
moital... há barulho nos ninhos...
Há Dríades na
relva... há deuses pelo ar...
Um sabiá rompe o
canto à beira da floresta,
Enquanto um
tigre vem solenemente à festa,
E escuta-o sob o
pálio aberto do luar...
★★★
A
gata
CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)
De neve, de uma maciez de arminho e lactescência de neve, de uma
nervosidade frenética, era luxuosa, principesca, decerto, essa orgulhosa gata.
As esmeraldas de seus olhos claros fosforeavam sensualmente, eletricamente,
quando alguém, no conforto da casa, lhe acarinhava de manso o dorso, o focinho
tenro, polposo, espiguilhado de prateados fios sutis; e, no seu lindo pelo
cetinoso e alvo, como numa fresca e virginal epiderme de mulher aristocrática,
perpassava um frisson de ternura, um
estremecimento, como se em toda ela vibrasse alguma brisa de espiritual e
amoroso.
E era então fidalga nas sensações, no ronronar apaixonado, ao luar, sob
o cintilante cristal das estrelas, pelas caladas vastidões da noite, ou, nas horas
de sesta, nos quentes, enlanguescedores mormaços, preguiçosa e fatigada,
anelando o repouso, numa onda de gozo e volúpia, enroscada, serpenteada,
torcicolosa e convulsa, como um organismo suave e débil que um vivo azougue
eletriza e agita.
Talvez fosse a alma de uma vaporosa rainha que ali vivesse nesse
precioso animal, alguma misteriosa visão polar dentro daquele feltro branco,
daquela pelúcia rica, daqueles focos eslavos; algum sonho, enfim, errante,
vago, perdido nesse nobre exemplar felino de formas lascivas, flexuosas e
delicadas.
Às vezes, mesmo, ela errava, como a nômade que perde a rota da caravana
pelos desertos escaldados de sol, em busca de alimento; e os seus olhos,
penetrantes no verde úmido e agudo das luminosas pupilas, mais até fantasiosa a
tornavam e mais nevoeiro davam à sua lenda de fadas.
E assim, arminho girante, que as quatro veludosas patas faziam
fidalgamente caminhar, miando histérica, era como uma sonâmbula idealizada e
amante que soluçava e gemia implorativamente a sua dor, através dos aposentos,
na indiferença de quase todos.
Um dia, porém, uma doce mão feminina e perfumada quis tê-la junto de si
e elevou-a consigo para a tepidez e a pompa das alcovas cheirosas, vivendo com
ela ao colo, passando-lhe os íntimos alvoroços de seu sangue de Virgem – como
se a gata fosse um profundo seio de afagos a que ela confiasse todos os seus
mistérios e segredos de noiva ainda presa no claustro cerrado, como as monjas
normandas, da carne inquietante e alucinadora.
Agora, com a formosa seda do pelo vibrando à carícia, alta e feliz a
cabeça artística, vive nesse colo impoluto, em sonhos deliciosos e gozos
infinitos de orientalista, o belo exemplar felino, voluptuoso e dolente como a
lua embalada e cismando, imaculadamente, no seio azul das esferas.
★★★
O Polvo
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Polvo da eterna
dor, debalde apertas
em teus fortes
tentáculos sedentos
a humana
essência, contra a qual despertas
em teu furor os
vários elementos.
Por mais que o
gosto em rudes sofrimentos,
por mais que em
cardos os rosais convertas,
hão de ao Homem
jorrar novos alentos
da consciência
as termas sempre abertas.
Assim ao mar,
que canta, estua e brama,
há séculos o
sol, polvo de chama,
em cada raio
suga-lhe uma gota.
Mas a seus pés,
batidos, noite e dia,
os continentes
bradam à porfia:
“Rios ao mar!” e
o mar nunca se esgota.
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