Amor
e medo
(Sobre
uma página de Casimiro de Abreu)
BRASÍLIO MACHADO
“Madressilvas” (1876)
Ao pé de ti, quando eu contemplo trêmulo
o teu semblante de morena cor,
e os lábios teus onde a inocência falia
e o riso brinca endoidecendo o amor;
não sei que raio de loucura passa
por minha fronte enfebrecida então...
e eu tenho medo de perder tu'alma,
vendo entre as minhas palpitar-te a mão!
Oh minha amante! muita flor do campo
quando a queimada abrasadora voa
não vê o incêndio calcinar-lhe as folhas
e o seu perfume a se esvair atoa...
Mas tu bem sabes pelo céu da vida
abrem-se estrelas de mortal clarão...
e eu tenho medo de sentir teu hálito
vendo entre as minhas palpitar-te a mão!
Tu não tens medo de fitar o abismo
onde a cascata se quebrando alveja?
abrir o seio às virações do inverno
quando o luar os teus cabelos beija?
O amor também o seu abismo esconde,
ergue as estrelas e resfria o chão...
por isso eu temo envenenar teus sonhos,
vendo entre as minhas palpitar-te a mão...
Quando o futuro iluminar a vida,
nós dormiremos sob o mesmo céu;
e eu te prometo de minh'alma os louros
para as coroas do noivado teu...
E as andorinhas perpassando tímidas
ao pé de nós a suspirar virão
por entenderem meus colóquios doces,
vendo entre as minhas palpitar-te a mão!
Do prado as auras, da floresta os pássaros,
que outrora ouvirão de meu canto a voz,
e as borboletas do país dos lírios
irão às flores perguntar por nós...
E quando à tarde nas roseiras lânguidas
vier o vento murmurar em vão,
as estrelinhas se erguerão mais cedo,
vendo entre as minhas palpitar-te a mão!
Depois, à noite, no silêncio augusto
que se derrama no abençoado lar,
quando vieres, com os cabelos soltos,
trêmula a voz, a languidez no olhar,
então mil vezes beijarei teus lábios,
louco, encendido, na febril paixão...
e os anjos todos descerão à terra,
vendo entre as minhas palpitar-te a mão!
★★★
Quem não ama, não vive
BULHÃO PATO
"Versos" (1862)
Pois não vês que se a luz do sol nascente
À rosa na manhã desabrochada,
Não ilumina as folhas, desbotada
Fica na haste pendente,
Sem perfume, sem vida abandonada?
Dize: então queres tu que a formosura
Que o Senhor estampou no teu semblante,
Sem renome, sem glória, passe obscura
No mundo em que radiante
Ostentar-se podia majestosa?
Queres vê-la abatida como a rosa
Que o sol não ilumina?
Pois o que falta a essa fronte bela?
Oh! vais sabê-lo: — O amor!
Que se anime e reviva à luz divina
E verás se depois alguém ao vê-la
Lhe nega o seu fulgor!
★★★
Amor e dúvida
BULHÃO PATO
"Versos" (1862)
Quando essa
pálida frente
Por momentos pensativa
Cai às vezes de repente,
E se amortece a luz viva
Que nos teus olhos resplende,
Sinto que est'alma se acende
De um fogo, de uma paixão,
Que me desvaira a razão!
A terrível incerteza,
Esta dúvida constante,
Desaparece um instante!
Creio em ti: — foge a tristeza
Que todo o meu ser domina;
Torno à vida, e livre aspiro
Num mundo que se ilumina
Da encantada luz do amor!
Depois, se um flébil suspiro
Vem de teus lábios à flor,
Oh! como então és amada!
Como tens aos pés rendida
Toda a força desta vida
Que por ninguém foi domada!
Mas é só por um instante!
Volta depois a incerteza,
Quando assume o teu semblante,
Aquela glacial frieza,
Que desalenta, que oprime,
Que faz profunda tristeza,
E destrói quanto é sublime!
Um dia no firmamento
O sol vívido brilhava,
E a aragem com brando alento
Entre as ramas suspirava!
Era ali, naquele vale,
Que parece destinado,
Para esconder na espessura
Os segredos da ventura!
O coração agitado
Nesse instante te pulsava,
E uma tristeza mortal
O semblante te anuviava.
Alucinado buscava
A causa donde nascia,
Quando um gesto, uma expressão
Me disse que eu só podia
Tirar-ta do coração!
Sem mais ver, nem mais pensar
Com que delírio a teus pés
Me viste rendido então!...
Quem podia duvidar
Vendo a ingênua timidez
Do teu inspirado olhar?!
Os lábios não revelaram
O que havia em nossas vidas,
Mas as vistas confundidas
Com que eloquência falaram!
Chegara a noite; do céu
Vi cintilar uma estrela;
Era brilhante, e era bela,
Mas um presságio mortal,
Um cruel pressentimento
Me disse nesse momento:
Não fites os olhos nela,
Porque essa luz é fatal.
Amanhã, espesso véu
de nuvens há de envolvê-la;
E se de novo surgir
Será para te iludir.
E esta dúvida cruel
Este constante hesitar
Quem mo pode terminar
Quem, senão um teu olhar?
Por momentos pensativa
Cai às vezes de repente,
E se amortece a luz viva
Que nos teus olhos resplende,
Sinto que est'alma se acende
De um fogo, de uma paixão,
Que me desvaira a razão!
A terrível incerteza,
Esta dúvida constante,
Desaparece um instante!
Creio em ti: — foge a tristeza
Que todo o meu ser domina;
Torno à vida, e livre aspiro
Num mundo que se ilumina
Da encantada luz do amor!
Depois, se um flébil suspiro
Vem de teus lábios à flor,
Oh! como então és amada!
Como tens aos pés rendida
Toda a força desta vida
Que por ninguém foi domada!
Mas é só por um instante!
Volta depois a incerteza,
Quando assume o teu semblante,
Aquela glacial frieza,
Que desalenta, que oprime,
Que faz profunda tristeza,
E destrói quanto é sublime!
Um dia no firmamento
O sol vívido brilhava,
E a aragem com brando alento
Entre as ramas suspirava!
Era ali, naquele vale,
Que parece destinado,
Para esconder na espessura
Os segredos da ventura!
O coração agitado
Nesse instante te pulsava,
E uma tristeza mortal
O semblante te anuviava.
Alucinado buscava
A causa donde nascia,
Quando um gesto, uma expressão
Me disse que eu só podia
Tirar-ta do coração!
Sem mais ver, nem mais pensar
Com que delírio a teus pés
Me viste rendido então!...
Quem podia duvidar
Vendo a ingênua timidez
Do teu inspirado olhar?!
Os lábios não revelaram
O que havia em nossas vidas,
Mas as vistas confundidas
Com que eloquência falaram!
Chegara a noite; do céu
Vi cintilar uma estrela;
Era brilhante, e era bela,
Mas um presságio mortal,
Um cruel pressentimento
Me disse nesse momento:
Não fites os olhos nela,
Porque essa luz é fatal.
Amanhã, espesso véu
de nuvens há de envolvê-la;
E se de novo surgir
Será para te iludir.
E esta dúvida cruel
Este constante hesitar
Quem mo pode terminar
Quem, senão um teu olhar?
★★★
Grande Amor
CRUZ E SOUZA
“Últimos
Sonetos”
(1905)
Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça...
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.
Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.
Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido...
Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.
★★★
Amor ideal
BERNARDO GUIMARÃES
"Cantos
da Solidão"
(1852)
“Há uma estrela no céu
Que ninguém vê, senão eu.”
(Garrett)
Quem és? —
d'onde vens tu?
Sonho do céu,
visão misteriosa,
Tu, que assim me
rodeias de perfumes
De amor e
d'harmonia?
Não és raio
d'esp'rança
Enviado por
Deus, ditamo puro
Por mãos ocultas
de benigno gênio
No peito meu
vertido?
Não és anjo
celeste,
Que junto a mim,
no adejo harmonioso
Passa,
deixando-me a alma adormecida
Num êxtase de
amor?
Ó tu, quem quer
que sejas, anjo ou fada,
Mulher, sonho ou
visão,
Inefável beleza,
sê bem-vinda
Em minha
solidão!
Vem, qual raio
de luz dourando as trevas
De um cárcere
sombrio,
Verter doce
esperança neste peito
Em minha
solidão!
Nosso amor é tão
puro! — antes parece
A nota aérea e
vaga
De ignota
melodia, êxtase doce,
Perfume que
embriaga!...
Amo-te como se
ama o albor da aurora,
O claro azul do
céu,
O perfume da
flor, a luz da estrela,
Da noite o
escuro véu.
Com desvelo
alimento a minha chama
Do peito no
sacrário,
Como sagrada
lâmpada, que brilha
Dentro de um
santuário.
Sim; a tua
existência é um mistério
A mim só
revelado;
Um segredo de
amor, que trarei sempre
Em meu seio
guardado!
Ninguém te vê; —
dos homens te separa
Um véu
misterioso,
Em que modesta e
tímida te escondes
Do mundo
curioso.
Mas eu, no meu
cismar, eu vejo sempre
A tua bela
imagem;
Ouço-te a voz
trazida entre perfumes
Por suspirosa
aragem.
Sinto a fronte
incendida bafejar-me
Teu hálito
amoroso,
E do cândido
seio que me abrasa
O arfar
voluptuoso.
Vejo-te as
formas do donoso corpo
Em vestes
vaporosas,
E o belo riso, e
a luz lânguida e meiga
Das pálpebras
formosas!
Vejo-te sempre,
mas ante mim passas
Qual sombra
fugitiva,
Que me sorriu
num sonho, e ante meus olhos
Desliza sempre
esquiva!
Vejo-te sempre,
ó tu, por quem minh'alma
De amores se
consome;
Mas quem tu
sejas, qual a pátria tua,
Não sei, não sei
teu nome!
Ninguém te viu
sobre a terra,
És filha dos
sonhos meus:
Mas talvez,
talvez que um dia
Te eu vá
encontrar nos céus.
Tu não és filha
dos homens,
Ó minha celeste
fada,
D'argila, d'onde
nascemos,
Não és decerto
gerada.
Tu és da divina
essência
Uma pura
emanação,
Ou um eflúvio do
elísio
Vertido em meu
coração.
Tu és dos cantos
do empíreo
Uma nota
sonorosa,
Que nas fibras
de minh'alma
Ecoa melodiosa;
Ou luz de
benigna estrela
Que doura-me a
triste vida,
Ou sombra de
anjo celeste
Em minha alma
refletida.
Enquanto vago na
terra
Gomo mísero
proscrito,
E o espírito não
voa
Para as margens
do infinito,
Tu apenas me
apareces
Como um sonho
vaporoso,
Ou qual perfume
que inspira
Um cismar vago e
saudoso;
Mas quando minh'alma
solta
Desta prisão
odiosa
Vaguear isenta e
livre
Pela esfera
luminosa,
Irei voando
ansioso
Por esse espaço
sem fim,
Até pousar em
teus braços,
Meu formoso
Querubim.
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