OLAVO BILAC
“Alma
inquieta”
(1888)
Um horror grande
e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado
amortalhava o mundo.
E Adão, vendo
fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o
deserto e hesitava tremendo,
Disse:
"Chega-te a
mim! entre no meu amor,
E à minha carne
entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu
peito o teu seio agitado,
E aprende a amar
o amor, renovando o pecado!
Abençoo o teu
crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma
em uma, as lágrimas do rosto!
Vê! tudo nos
repele! a toda a criação
Sacode o mesmo
horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus
torce as árvores, cresta
Como um tufão de
fogo o seio da floresta,
Abre a terra em
vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas
estão cheias de calafrios;
Ruge soturno o
mar; turva-se hediondo o céu...
Vamos! que
importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua
nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o
chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo
o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a
uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a
sangrar das urzes através,
Se emaranhem no
chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o
amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o
degredo e perfuma o deserto!
Amo-te! sou
feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo,
levando o teu corpo querido!
Pode, em redor
de ti, tudo se aniquilar:
— Tudo renascerá
cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e
céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida
perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te
brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão
dos olhos, se chorares!
E se, em torno
ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que
importa? A Natureza és tu,
Agora que és
mulher, agora que pecaste!
Ah! bendito o
momento em que me revelaste
O amor com o teu
pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de
Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na
terra, à luz dos olhos teus,
— Terra, melhor
que o céu! homem, maior que Deus!"
★★★
Primeiro sonho de Amor
BERNARDO
GUIMARÃES
"Cantos
da Solidão" (1852)
Que tens,
donzela, que tão triste pousas
Na branca mão a
fronte pensativa,
E sobre os olhos
dos compridos cílios
O negro véu
desdobras?
Que sonho
merencório hoje flutua
Sobre essa alma
serena, que espelhava
A imagem da
inocência?
Ainda há pouco
eu via-te na vida,
Qual entre
flores doida borboleta,
Brincar, sorrir,
cantar...
E nos travessos
olhos de azeviche,
De vivos raios
sempre iluminados,
Sorrir doce alegria!
Branco lírio de
amor aberto apenas,
Em cujo puro
seio brilha ainda
A lágrima da
aurora,
Acaso sentes já
nos tenros pétalos
O nímio ardor do
sol crestar-te o viço,
Vergar-te o
frágil colo?
..........................
..........................
..........................
Agora acordas do
encantado sono
Da descuidada
prazenteira infância,
E o anjo dos
amores
Em torno
meneando as plumas d'ouro,
Teu seio
virginal com as asas roça;
E qual macia
brisa, que esvoaça
Roubando à flor
o delicado aroma,
Vem roubar-te o
perfume da inocência!...
Com sonhos
dourados, que os anjos te inspiram,
Embala, ó
donzela, teu vago pensar,
Com sonhos que
envolvem-te em doce tristeza
De vago cismar:
São nuvens
ligeiras, tingidas de rosa,
Que pairam nos
ares, a aurora enfeitando
De gala formosa.
É bela essa
nuvem de melancolia
Que em teus
lindos olhos desmaia o fulgor,
E as rosas das
faces em lírios transforma
De meigo palor.
Oh! que essa
tristeza tem doce magia,
Qual luz que
esmorece lutando co'as sombras
as vascas do
dia.
É belo esse
encanto do afeto primeiro,
Que assoma
envolvido nos véus do pudor,
E ondeja ansioso
no seio da virgem
Que cisma de
amor.
Estranho
prelúdio de mística lira,
A cujos acentos
o peito afanoso
Se agita e
suspira.
Com sonhos
dourados, que os anjos te inspiram
Embala, ó
donzela, teu vago pensar,
São castos
mistérios de amor, que no seio
Te vêm murmurar:
Sim, deixa
pairarem na mente esses sonhos,
São róseos
vapores, que os teus horizontes
Enfeitam
risonhos:
São vagos
anelos... mas ah! quem te dera
Que nesses teus
sonhos de ingênuo cismar
A voz nunca
ouvisses, que vem revelar-te
Que é tempo de
amar.
Pois sabe, ó
donzela, que as nuvens de rosa,
Que pairam nos
ares, às vezes encerram
Tormenta
horrorosa.
★★★
A voz do Amor
OLAVO BILAC
“Alma
inquieta”
(1888)
Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.
E quando a
ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...
É a voz do amor,
que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;
E vêm por ela,
rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...
★★★
O Amor
(A Teófilo Dias)
AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)
Eu nunca
desfolhei as verdes esperanças
sobre o lago
letal do negro cepticismo,
nem nunca
derramei nos álbuns de lembranças
as lágrimas
fatais do velho romantismo.
Ó noites ideais
dos tristes trovadores,
ó noites de luar
dos trágicos Romeus,
nunca me
deslumbrei nos vossos esplendores,
nunca vos
decantei nos pobres versos meus.
Esse mórbido
lume, algente, cor de prata,
que derramais a
flux as límpidas alturas,
é um veneno
sutil e pérfido, que mata
o singelo candor
das belas almas puras.
Por isso, eu vos
prefiro, a vós, a luz candente
do intemerato
sol possante e abrasador,
entornando no
mundo a ubérrima semente,
que dá vida à
matéria e aos homens dá valor.
Sim! gosto de o
fitar, quando como uma bênção
se derrama na
fronte augusta do Trabalho,
enquanto na
bigorna os metais se condensam,
ao pesado
ribombo esplêndido do malho!
Quando o seio
febril das massas que intumescem
da indústria
universal os fetos portentosos,
do comércio ao
rumor sem fim se desvanecem
na fecunda expansão
dos risos jubilosos...
***
E, pois, o amor
que canto, a sacrossanta chama,
que veste o
coração de inextinguíveis galas,
não tem nem o
final triste de um melodrama,
nem o fino
perfume exótico das salas.
Não é o amor
ideal tecido de quimeras,
o amor que se
traduz nas doces cavatinas,
e vive de cantar
somente as primaveras
e de sugar o mel
do cálice das boninas...
O amor franzino
e meigo, o amor da Decadência,
que anda nos
camarins dos teatros de luneta,
cheio de pó de
arroz e a rescender à essência
dos extratos
sutis da fina violeta...
O leão da moda,
o chique, o amor das flores belas,
que do piano aos
sons nas salas esvoaça,
e ora alegre,
ora triste, encosta-se às janelas,
fito o travesso
olhar na rua a ver quem passa.
Eu canto o
grande amor, a eterna lei dinâmica,
que imprime
movimento às fibras da matéria,
e como o Maomé,
na velha lenda islâmica,
os seres
arrebata à imensidade etérea.
E que, feito
atração, percorre os universos,
suspendendo no
espaço os mundos planetários,
e na terra do
olhar das mães pendura os berços,
espargindo no
lar a luz de mil sacrários.
Sim! eu canto
esse amor, multiforme e complexo,
espalhado pela
alma universal dos mundos,
que, num íris
eterno e num eterno amplexo,
liga o azul da
amplidão aos báratros profundos!
Nas entranhas da
terra, assim como na dorna
borbulhando
referve o vinho em borbotões,
assim ele
referve, intumesce e se entorna
feito lava,
depois, dos antros dos vulcões.
Sobre o leito
sem fim da movediça areia
ele faz soluçar
o oceano, enternecido
aos acordes sutis
das líricas sereias
– e inchado às
vibrações do tufão desabrido.
E quando pelo
espaço, a rápida centelha
elétrica
espedaça às nuvens condensadas
o monstruoso
bojo em vibrações vermelhas,
expedindo
trovões e raivas abrasadas;
Ele desce sutil
nas asas da tormenta,
nos pingos de
cristal das chuvas abundantes,
a fecundar da
terra a entranha poeirenta
e a raiz secular
das árvores gigantes.
Sacrossanto,
profundo, imaculado, eterno,
ora é como os
heróis, robusto, estoico, enorme,
ora meigo e
singelo, é como o olhar materno,
fitando o doce
berço onde a criança dorme.
É o amor, que
sorri, que se expande, que lida
de dia, e noite
vela e solícito vem
a correr fibra a
fibra o organismo da Vida,
deixando em cada
uma o tônico do bem.
Que o trabalho
ameniza e os homens avigora
na grande
robustez dos fortes corações,
e nos faz cada
peito alegre como a aurora,
cada aurora o
cendal de alígeras canções.
O amor sereno e
bom, o grande democrata
que nivela a
cabana e o paço da realeza,
liga num laço
d’ouro os seios cor de prata
e os seios cor
de sangue: – o heroísmo e a beleza.
***
Aí tendes o amor
do século pujante,
a portentosa lei
que há de reger o mundo,
quando o sol,
que hoje rompe apenas no levante,
atingir do
zênite o páramo fecundo.
É forçoso que,
após a morte desastrosa
das divindades
vãs, fantásticas de outrora,
se eleve, como
um astro, a crença luminosa
de uma igreja
maior, mais forte e duradoura.
Seja, pois, o
universo a grandiosa Igreja,
onde o novo
ritual em pompas de Tabor
se celebre, e
cada um o sacerdote seja,
e cada peito o
altar da religião do amor.
★★★
Amor fantasista
AUGUSTO DE LIMA
“Símbolos” (1892)
Almas felizes,
almas dos que se amam.
Embevecidos em
seu puro afeto,
enquanto,
firmes, na paixão se inflamam,
tudo reveste um
portentoso aspecto.
Asas abertas,
como pandas velas,
ei-las de cosmo
em cosmo arrebatadas:
sobre as cabeças
rolam-lhes estrelas,
como flamínias
flores desfolhadas.
As harmonias do
éter as embalam,
o azul do espaço
puro as oxigena;
a luz descanta,
as nebulosas falam
na vastidão da
abóbada serena...
E elas, detendo
o grandioso arroubo,
lançam atrás o
olhar: - no sorvedouro
vêm, com
espanto, sobre o escuro globo,
fundir-se o sol
em cataratas de ouro!
Almas ingênuas,
mais realidade!
Despertai desse
sonho mentiroso;
que o vosso amor
não passa, na verdade,
de uma expressão
eufêmica do Gozo!
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