Na doçura da Tarde
(A Cláudio Ganns)
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
No céu purpúreo
ferve a luz do poente
Como a cratera
acesa de um vulcão;
E os astros vão
abrindo, suavemente,
A sua floração.
Quando a penumbra
desce pelo ambiente,
Porque fica mais
velho o coração?
Porque o silêncio
é muito mais dolente,
Por que tudo é mais
vão?...
Quando a tarde
adormece a natureza,
Porque a sombra
insinua essa tristeza
Dentro do nosso
olhar?
Por que a memória
vai, de quando em quando,
Todo o passado,
aos poucos, desfolhando,
Como uma rosa no
ar?...
★★★
Tarde de chuva
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
Sobre os jardins,
fina, insistente,
A chuva cai,
tranquilamente.
Por que uma voz
antiga, chora
Dentro de mim,
oculta agora?...
Das folhas tomba,
lentamente,
A água da chuva
transparente.
À hora em que os
seres adormecem,
Por que meus olhos
se entristecem?
No escuro céu,
tremulamente,
A sombra estende a
asa silente.
Que solidão nos
ares erra!
Que solidão em
toda a terra!
Sobe, e se
espalha, suavemente,
Um cheiro de ervas
pelo ambiente.
Por que, lá fora,
tanta calma,
E tanta mágoa na
minha alma?...
Sobre os jardins,
fina, insistente
A chuva cai
tranquilamente...
★★★
À Tarde
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)
“Perhaps, oh, sylph! perhaps 'tis
love?”
THOMAS MOORE —
MISC. POEMS
Disse: — Amo um
sonho. — Um sonho? A tua voz celeste
Vibrou, como um
violino às mãos de Paganini,
Coisa que ninguém
vê, e que ninguém define,
Que tem asas de
aroma, e de luar se veste!...
Um silfo atrás da
flor, e que talvez requeste
A Titânia, que a
habita oculta, e que imagine
Que a pode ter,
enquanto a deusa a selva investe,
Corre-a, e foge,
sem que no refúgio o silfo atine!...
De venábulos,
rindo, afiados de perguntas
Me encheste: eu
tinha as mãos frias, trêmulas, juntas...
Livro ao acaso,
abri, fechei; — tomei-te o leque...
Varava o sol, ao
poente, a feérica arcaria
De uma Balbek em
chama; o ouro, em brilhos, fundia...
Voltei-me... e em
teu olhar chispava, a ruir, Balbek!...
★★★
Hino à Tarde
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)
“Tarde” (1919)
Glória jovem do
sol no berço de ouro em chamas,
Alva! natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!
Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, — tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!
Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,
Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada.
Alva! natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!
Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, — tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!
Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,
Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada.
★★★
Alegoria da tarde
RONALD DE CARVALHO
"Poemas e Sonetos" (1919)
Sobre os leves
rosais e as finas trepadeiras
As nuvens levam
seda e nácar para o poente.
Os parques vão
sonhar,
Numa irisada
poalha, entre aves e palmeiras;
E há torres pelo
céu, e flechas de ônix ardente,
E galeras de
bronze arfando, em chamas, no ar.
Nas alamedas que o
crepúsculo adormece,
Um dolente torpor
crispa os troncos, as ramas,
E as ágatas do
chão;
E no longe, que
foge, a distância parece,
Dentro de um
turbilhão de palmas e auriflamas,
Uma cascata de
ouro, a rolar de um vulcão!
Lembra o ocaso um
clarão de estandartes divinos
A ondular sobre o
sol, como ao fim da batalha
Ondulam plumas
reais,
Entre o nobre
esplendor das taças e dos hinos,
Das trompas, dos
clarins, e da luz que se espalha
Sobre fulgurações
de espelhos e cristais.
Tudo salta para o
ar num braseiro glorioso!
Entre cintilações
de incêndios rubros arde
A selva secular;
E com a lava que
acende o espaço tumultuoso,
Crescem ondas de
luz no silêncio da tarde,
Como se a tarde
fosse um grande e estranho mar!
Mas quando a
sombra vem, lentamente, descendo
Com uma suave
expressão de abandono e doçura,
De quimera e
ilusão,
Todo o passado
vai, em ronda, aparecendo,
Enquanto o sol se
esconde entre névoas, na altura,
E a tristeza do
mundo enche o meu coração...
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