Semelhança entre Bento Teixeira e Manuel Botelho de Oliveira
Texto publicado originalmente no "Suplemento Literário", em edição de 1960. Transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
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O que
aproxima Bento Teixeira do poeta Manuel Botelho de Oliveira, é a preocupação
com a definição de preceitos poéticos e sobretudo o caráter encomiástico de
obra. Parque, não é preciso salientar, é evidente a incomparável superioridade
do segundo sobre o primeiro, portador mesmo de uma certa riqueza de pensamento
crítico em face do estilo dominante — o Barroco — além da consciência de sua
própria posição na atividade literária que se esboçava no Brasil, conforme ele
salienta. Na dedicatória da Música do Parnaso (1705), dirigida a um
nobre da época, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval, e no Prólogo
ao leitor estão bem definidas atitudes indicadas de Manuel Botelho de
Oliveira, sem contar com o próprio contexto da obra, particularmente com duas
comédias que a acompanham — Hay amigo para amigo e Amor, engaños e celos
— escritas de acordo com os preceitos e também o modelo da Comedia nueva,
dados por Lope de Vega.
Principia
Manuel Botelho de Oliveira com um rápido esboço retrospectivo das vicissitudes
da poesia, a partir da Grécia com Homero, de Roma antiga com Virgílio e Ovídio,
até a Itália com Tasso Marino, Espanha com Lopo de Vega e “o culto
Gôngora", merecedor de “extravagante estimação", a Portugal com
Camões, Jorge Monte-Maior e Gabriel Pereira de Castro. No seu retrospecto, se
podemos entrever fontes ou modelos preferidos, o que se impõe, porém, é o
propósito de salientar que, entre nós, "inculta habitação antigamente de bárbaros
índios", onde "mal podia esperar que Musas se fizessem
Brasileiras", já contávamos em princípio do século XVIII, com muitos
poetas que imitavam os da Itália e Espanha. Manifesta, assim, o princípio da
consciência crítica que nos leva a reconhecer, entro nós, o desejo de cultivar
a literatura, de criar mesmo uma expressão literária brasileira, tanto que o
poeta, logo mais acrescenta, entre outras razões contrárias, que resolveu
divulgar sua obra “para ao menos ser o primeiro filho do Brasil, que faça pública
a suavidade do metro...” E nesta última declaração, que sobrepõe ao conceito
mais amplo da nacionalidade literária o da nacionalidade civil, repousará por
muito tempo um critério de levantamento de escritores e obra dos três séculos
do Brasil colônia, dominante ainda em críticos historiadores da época
romântica, num Varnhagen, por exemplo, e até, contraditoriamente exposto a
aplicado, na crítica posterior de um Sílvio Romero.
Quanto à
atitude encomiástica, em Botelho de Oliveira, mais do que em Bento Teixeira,
ela não é tão somente ou essencialmente expressão do servilismo do poeta em ao
nobre poderoso. É sobretudo uma proteção que garante do conhecimento do valor
da obra, segundo grau, diríamos, da evolução desta atitude, cuja expressão
última, traduzindo um puro gesto de despretensiosa amizade e respeito, nós
encontraremos, no arcadismo, com Cláudio Manuel da Costa. Afigura-se-nos,
assim, interessante transcrição do trecho de Manuel Botelho de Oliveira, que a
documenta:
"Por
isso encolhido em minha desconfiança, e temeroso de minha insuficiência, me
pareceu logo preciso valer-me de algum herói, que me alertasse em tão justo
temor, e me segurasse em tão racionável receio, para que nem obra fossa alvo de
calúnias, nem seu autor despojo de Zoilos, ruja audácia costuma tiranizar a
ambos, mais por impulso da inveja que por arbítrio da razão; para segurança
pois destes perigos solicito o amparo de vossa excelência em quem venero
relevantes prerrogativas para semelhante patrocínio” etc.. etc. E quem ousaria
desmerecer o que fez digno de um nobre poderoso?
É
propriamente no Prólogo ao Leitor da Música do Parnaso que o
poeta dá conta do conceito de poesia, naturalmente de acordo com preceitos
então vigentes. Impõe-se a valorização formal da poesia, por Manuel Botelho de
Oliveira definida como "como um canto poético, ligando-se as vozes com
certas medidas para consonâncias do metro". A parte temática é, em certo
sentido, relegada a segundo plano, sobretudo quando ela se impõe pelo caráter
universalizante, contendo a inspiração, reduzindo experiência pessoal a um
denominador comum, ainda que o poeta reconheça a supremacia dela. E a variedade
temática visa em certo sentido ao desfastio, à ruptura da da monotonia. É o que
se depreende do trecho seguinte, anterior àquele conceito transcrito de poesia,
e que logo se completará: “No princípio celebra-se uma dama com o nome de
Anarda, estilo antigo de alguns poetas, porque melhor exprimem os afetos
amorosos com experiências próprias: porém porque não parecesse fastidioso o
objeto, se agregaram outras rimas a vários assuntos: e assim como a natureza se
presa da variedade para a formosura das coisas criadas, assim também o
entendimento a deseja, para tirar o tédio da lição dos livros”. Ora, o poeta
dará nestas condições, como já ficou dito, isto é, de acordo com o espírito e
estilo dominante em época, maior importância ao aspecto formal da poesia. A
medida dele será sua habilidade de expressão de processos ou de recursos ou de
recursos técnicos e de linguagem. Escrevendo, por exemplo, em quatro línguas —
português, espanhol, italiano e latim — quis mostrar, declara o próprio Manuel
Botelho de Oliveira, “a notícia que tinha de toda a Poesia”, e que se estimasse
a sua obra “quando não fosse pela elegância dos conceitos, ao menos pela
multiplicidade das línguas”. E, ainda mais, acrescentando à Música de
Parnaso duas comédias, pretendia "que participasse este livro de toda
composição poética”, reconfirmando compreensão predominante formal ou
importância que se dava à estrutura externa da composição literária.
Suplemento
Literário, 16 de janeiro de 1960.
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