O Sapateiro Bandarra
Texto publicado originalmente na revista "Carioca", no ano de 1943, antes do fim da guerra. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
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O profeta
Bandarra (Gonçaleannes Bandarra) nasceu nos princípios do século XVI, em
Portugal, na vila de Trancoso, e morreu, segundo toda a probabilidade, por
volta de 1560. Em que ano exato nasceu? Ignoro. Sei apenas que ainda vivia em
1556 e que era — ao que afirmam as memórias dos que o conheceram — sapateiro de
seu ofício.
Eu possuo,
senão todas as suas profecias, ao menos uma boa parte delas. Oliveira Martins
frisa na sua História a repercussão que tiveram em Portugal, sobretudo
durante o período da dominação espanhola (de 1580 a 1640) os vaticínios do
sapateiro de Troncoso. Dizia ele, textualmente, que a restauração da
independência do reino havia de ter lugar no fim do de 1640, graças a um
príncipe chamado João.
“Antes que cerrem quarenta,
erguer-se-á a grão tormenta."
A era está bem indicada. E quase que menciona o dia exato, perto do fim do ano ("antes que cerrem quarenta”):
“Saia, saia esse infante
bem andante:
O
seu nome é D. João.
Tire
e leve o pendão
e
o guiam
poderoso
e triunfante."
Ora, a
independência portuguesa foi restaurada graças à revolução de 1º de dezembro do
1640, dirigida pelo duque de Bragança, que depois se tornou rei e se chamou D.
João IV.
A Inquisição
perseguiu mais ou menos todos os que se animaram a crer nas profecias do
Bandarra. Muitos grandes espíritos, porém, acreditaram nelas. Citarei, entre
outros, o padre Antônio Vieira, positivamente o maior escritor da língua
portuguesa e um dos maiores oradores que o mundo produziu. Imagino que ninguém
se atreverá a negar inteligência e cultura a esse jesuíta, o mais assombroso
dos nossos clássicos, o de mais perfeita e mais proveitosa lição. Pois Vieira
não só acreditou no Bandarra como escreveu a respeito um livro, ainda inédito
(penso ou) mas de que existe cópia no Museu Britânico de Londres ou na
Biblioteca Nacional de Paris: o Clavis Prophetarum. Perseguido e preso
de 1665 a 1667 pelos dominicanos da Inquisição, Vieira foi queimado em estátua
no pátio da Universidade de Coimbra quando, mais tarde, os esbirros do Santo
Ofício o não puderam pegar vivo. A História do Futuro, do grande
jesuíta, é em parte uma tentativa de interpretação das profecias de Bandarra.
Algumas
dessas profecias realizaram-se tão completamente, porém, que não precisavam de
ser interpretadas. Vejam esta, por exemplo, sobre a invasão de Portugal pelas
tropas de Napoleão:
"Ergue-se
a águia imperial
com os seu. filhos ao rabo
e com as unhas no cabo
faz o ninho em Portugal.
Põe um A pernas acima
tira-lhe a risca do meio
e por detrás lha arrima:
saberás quem te nomeio."
com os seu. filhos ao rabo
e com as unhas no cabo
faz o ninho em Portugal.
Põe um A pernas acima
tira-lhe a risca do meio
e por detrás lha arrima:
saberás quem te nomeio."
Oliveira
Martins, na sua História, alude a estes versos. De fato, veio a
"águia imperial" e fez “o ninho em Portugal”, nos anos de 1808, 1809
e 1810, Quem era ela? O Bandarra menciona, claramente, a letra inicial do seu
nome. Pondo um A de pernas para o ar e tirando-lhe a risca do meio,
teremos um V colocando, depois, essa risca por trás do V, como a
escorá-lo (ou arrimá-lo) encontraremos um N. Um dos emblemas de Napoleão
era um N envolto numa coroa de louros.
Tudo isto
que eu disse até agora, não constitui novidade. Muita gente antes de mim aludiu
ao Bandarra e transcreveu, no todo ou em parte, os versos que citei acima.
Novidade é o que lhes vou contar daqui para diante.
Há cerca de
cinco ou seis anos, o José de Matos, decano dos livreiros desta cidade,
ofereceu-me, na Livraria Quaresma, um folheto de cinquenta e duas páginas,
intitulado Trovas inéditas de Bandarra, natural da Vila de Francoza"
(Londres, 1815). De fato, o assunto me despertava grande curiosidade. Passei os
olhos pelo folheto, cuja ortografia, devido a ter sido impresso na Inglaterra,
claudicava muito. Passei os olhos e pu-lo de lado. Hoje, todavia, lendo-o de
novo, vejo que o Bandarra profetizou distintamente esta guerra, a próxima
invasão do continente pelas tropas aliadas e a derrota final de Hitler.
Segundo ele,
a grande sangueira — a catástrofe de verdade — deveria principiar depois de
janeiro de 41, quando a Alemanha invadiu a Rússia. Portugal e a Espanha serão
teatro de lutas tremendas. Os alemães atacarão a península, não poupando
ninguém!
"Não
haverá em Espanha
lugar privilegiado.
Tudo será assolado
dessa gente de Alemanha.”
lugar privilegiado.
Tudo será assolado
dessa gente de Alemanha.”
O comandante
das tropas agressoras é um Leão. Acabará, depois de uma grande guerra, vencido
por outro mais forte. Esse outro,
“Entrará
com companheiro
na
terra dos Lusitanos.
Cada
qual bom cavaleiro,
destruirão
os Arianos.”
É
verdadeiramente fantástico que o Bandarra falasse em arianos na era de 1550 ou
por aí perto. Mas falou. Deixarei na Livraria Quaresma o folheto de 1815, a fim
de que vossemecês verifiquem por si a autenticidade destas profecias tão
sensacionais que vou transcrevendo.
Qual o
companheiro do Leão vingador? Provavelmente "Tio Sam". Segundo o
Bandarra, os aliados entrarão no continente por dois pontos: península
hispânica e Noruega. Virão por mar, em navios enormes, que o profeta compara a
grandes baleias.
"Vejo
vir grandes baleias
pela
costa de Biscaia
Gala,
gaia da vizinha praia
que
lhe tingem as areias.
Eis
lá contra a Noruega
raios,
cavalos, golfinhos,
com
que pressa que navega
tanta
cópia de marinhos!
Os
bombardeios aéreos serão pavorosos. Qualquer coisa como nunca se viu e de que
nem sequer se faz ideia. O profeta compara esses bombardeios a trovões e
relâmpagos:
Vejo
milhões de relâmpagos
trovões
que rompem os céus
nuvens
de mui grandes véus
coriscos,
grandes espantos.".
Os
aeroplanos trarão nuvens de véus, isto é, de paraquedas. A comparação de um véu
a um paraquedas é diáfana. Antes da invasão libertadora do grosso do exército
aliado, os "comandos" irão na frente, prevenindo o povo, dizendo-lhe
que fuja. A luta será de arrasar! Mas o Leão há de sair coroado!
Os alemães
atacarão primeiro, chegando por terra e mar. Bandarra vê em sonhos esquadra
inimiga.
"Parece
que seu caminho
é
direito a Portugal.".
Fingir-se-ão
muito amigos, muito gentis, cortesaneiros — como “gente do Paço".
Turistas... Acautelem-se, — previne o Bandarra! Esses simuladores são soldados!
Soldados carregados de armas!
"Que
rostos, corpos e armas,
quanto
fogo e quanto aço!
No
rosto, gente do Paço
e
soldados nas bisarmas."
Haverá
quintas-colunas, contra os quais toda a precaução será pouca. Os alemães dirão
que veem para proteger, — que se encontram em Portugal e na Espanha com os
melhores intuitos possíveis. Ninguém se fie neles!
"É
gente que em si encerra
e
aquilo que não diz faz;
diz
guerra, e ordena paz;
pregoa
paz, e faz guerra.”
Gente que em
si encerra quer dizer: gente que aguarda consigo os seus intentos, sem os dar a
conhecer a outrem. Hitler (a quem o Bandarra chama “seo rey" para se fazer
entender, pois no tempo dele todos os chefes de Estado eram reis) pretende
avassalar e escravizar o mundo:
"O
seu rei quer ser Monarca
e
toda terra pretende,
tudo
abrange e tudo abarca
e
de direito não prende."
Não se
incomoda com os direitos dos outros. Mas será castigado. Então tremerá (todos
sabem que Hitler é sujeito a ataques) e chorará, mas em vão,:
“...na
postreira hora
quando o mal já estiver feito
quando o mal já estiver feito
e
não possa ser desfeito,
treme,
clama e em vão chora."
A revelação
destas profecias parece-me curiosa. De qualquer maneira elas ainda estão para
se realizar. Segundo os últimos telegramas da Europa, os aliados invadiram o
continente este ano, Por onde? Afirma categoricamente o Bandarra a invasão
libertadora se dará por dois pontos: Espanha e Noruega. Esperemos um mês — talvez
menos — e digamos depois se o padre Antônio Vieira tinha ou não tinha razão em
acreditar no dom profético do sapateiro de Trancoso, cuja fama os portugueses
igualam à de Nostradamus.
Revista
“Carioca”, 9 de janeiro de 1943.
olá!
ResponderExcluirgostaria de ser informado, a que forma tenho acesso ao folheto na íntegra.
uma vez quando criança, me falaram de um dom dos sapateiros, relacionado à previsões, conexões com o espirito das pessoas. e claro, cada ser neste universo possui sua misticidade, a questão é que atualmente o homem perdeu essa misticidade, não possui mais as conexões com os elementos.
http://www.projetolivrolivre.com/2018/02/poesia.html
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