O gigante Antônio Feliciano de Castilho
Texto publicado originalmente no jornal "Pacotilha", em edição de 1918. Transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2018)
---
Antônio Feliciano de Castilho é incontestavelmente, diz Pinheiro Chagas, um dos vultos mais notáveis da moderna literatura europeia. Pertence a essa plêiade de gigantes que apareceram no princípio do século XIX, e depois dos quais a natureza pareceu ficar fatigada do descomunal esforço que fizera para os produzir. Castilho foi dotado duma imaginação ardentíssima criadora, capaz de compreender a poesia de todas as épocas e de todos os países, tão apta para colorir os quadros que os outros traçaram, como para ela mesma os fantasiar, conhecendo o caminho que vai do belo ao bom, do agradável ao útil, imaginação vigorosa e penetrante, que, semelhante a esse instrumento dos exploradores dos terrenos auríferos, que vai procurar o ouro entre as areias que o cercam, sabe também encontrar por baixo dos cinzelados de mau gosto, com que o desvirtuam, o elemento poético de todas as literaturas.
O seu apurado
bom gosto levou-o a ficar debruçado sobre as minas do passado clássico,
enquanto os outros se aventuravam à toa do país maravilhoso do romantismo. Nem
por isso desdenhou os opulentos veios descobertos pela moderna escola, e, depois
de ter explorado no antigo terreno a esplêndida mina das Cartas de Eco e Narciso, e
da Primavera, depois de ter mostrado
as riquezas ignoradas, que aí jaziam e que tanto se diferençavam das falsas joias,
com que se ufanava a arrebicada escola do século antecedente, empunhou o ataúde
dos menestréis, e a sua doce voz, que conquistara os lauréis de Apolo aos seus clássicos
rivais, venceu no torneio romântico os trovadores que descantavam chácaras e
baladas.
Depois, quando,
todos, enfastiados da degeneração do romantismo, começava a escrever o epitáfio
da poesia portuguesa, Castilho ergueu a voz de novo, mais grave, mais sonora do
que até aí. Se dantes enlevava, agora infundia respeito. A lira dos amores
fizera-se a lira da civilização. Dourara-se a filosofia com os poéticos
esplendores, assumira a poesia a majestade filosófica. E sem esquecer as suas
predileções da infância nem os seus amores da juventude, Castilho deu as suas
produções a doçura serena, a grave austeridade do outono da existência. Risonha
no paganismo, melancólica nos seus cantares românticos, profunda na sua feição
filosófica, a lira do nosso grande poeta é verdadeiramente a personificação da
poesia na sua mais elevada significação.
Espelho mágico, em que se miram todos os
esplendores, harpa eólia que geme sempre com a aragem, quer esta lhe leve o
perfume das rosas de Anacreonte, dos goivos do menestrel, ou das violetas do solitário
cismador, eis o que é Antônio Feliciano de Castilho, a quem a natureza não quis
conceder um lugar no amplo banquete de luz, onde se sacia a humanidade toda,
para lhe dar, em recompensa, um lugar escolhido na mesa olímpica, onde corre a
jorros o inebriante néctar da poesia.
PADRE
J. ALDEGUNDES DA MAIA
Jornal “Pacotilha”, 17 de junho de 1918.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...