Olavo Bilac, poeta e nacionalista
Artigo publicado em 1940, na revista "Ilustração Brasileira". Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
Artigo publicado em 1940, na revista "Ilustração Brasileira". Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Que os
poetas exaltem os guerreiros, mesmo quando eles não sejam, como Camões, ao
mesmo tempo guerreiros e poetas, "braço às armas feito, mente às musas
dado", não surpreende nem admira. Esse espetáculo é um espetáculo
frequente, um espetáculo de todos os dias. Mas quando os guerreiros são os que
vêm festejar o poeta e exaltar-lhe as virtudes, o caso é bem outro,
tornando-se, por isso mesmo, digno de um comentário especial. Foi isso o que
acabamos, agora, de assistir, com as comemorações da passagem do aniversário natalício
de Olavo Bilac, realizadas por inspiração do Exército Nacional, numa demonstração
eloquente de que o espírito cívico brasileiro se acha desperto e atento, como
antes jamais esteve, à merecida glorificação dos nossos valores mentais, morais
e patrióticos.
Olavo Bilac
foi um grande poeta e um grande cronista, um escritor primoroso e, acima de
tudo isso, um brasileiro que estremecia a sua Pátria, que amava o Brasil com o
mais ardente afeto. Deixou uma obra pura sob todos os aspectos. Pura como arte
e pura como intenção. Nos seus Contos Pátrios, escritos em colaboração
com Coelho Neto, como no Teatro Infantil e na Pátria Brasileira,
sente-se a presença permanente do patriota sadio e bem intencionado, do modelador
de caráter, do professor de moral, dissimulado sob a aparência do artista. Nos
seus versos —
ainda que em quase toda a sua obra poética vibre com maior constância a nota
amorosa, o canglor das paixões e o tributo à beleza —
excetuam-se algumas obras que revelam, em Bilac, o poeta embebido de exaltado
nacionalismo que era ele. O soneto O Brasil é um grito de entusiasmo e
de fé, de otimismo e confiança, de deslumbrado enlevo pela terra em que nasceu:
Para!
Uma terra nova ao teu olhar fulgura!
Detém-se!
Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em
carícias se muda a inclemência das vagas...
Este
é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!
Em Pátria, o poeta funde-se com o chão da sua terra, integra-se no seu todo, para ainda depois de morto sentir, estorcendo-se de dor, os golpes e os agravos que o Brasil receba. Mas não foram esses lampejos de eloquência poética, essas nobres expansões de artista que sabia amar o seu país – “Criança, não verás nenhum melhor do que este!" diz num verso das Poesias infantis – o que por si determinou a iniciativa das homenagens que foram tributadas à memória de Bilac. A razão essencial dessas homenagens foi a grande campanha cívica que o grande poeta realizou através do Brasil, em favor do sorteio militar, naquela época tão mal compreendida entre nós. A voz do poeta, amado em todo o Brasil, ressoou como um clarim, sonoramente, convocando a mocidade para os quartéis, pregando a necessidade da cooperação civil à defesa nacional, da formação das nossas reservas militares. O prestígio do nome de Bilac, a clareza das suas palavras, a eloquência do seu verbo, produziram milagres. A mocidade retraída e indiferente acordou da sua atitude displicente e acudiu ao apelo do ardoroso apóstolo da grande cruzada. O que Bilac pensava, o que Bilac dizia, era o que se fazia. Grande foi, sem dúvida, a ação social exercida pelo admirável poeta nessa fase da vida nacional. O escritor paulista Amadeu Amaral, sucessor de Bilac, na Academia Brasileira de Letras, disse, com razão, que o poeta reconciliou o país com as armas. Foi bem isso, em verdade. Com o tempo, cada vez mais se descobre quanto é falso o conceito da inutilidade dos poetas. Ainda há dias, numa conferência realizada na Academia Brasileira de Letras sobre o centenário de Pedro Luís, proclamava o Sr. Cassiano Ricardo precisamente isso, com relação ao autor da Terribilis Dea. Os povos precisam de poetas. Eles fazem parte da alma nacional, elas a completam, eles constituem a camada sensível, por excelência, do quadro mental de cada povo. A ação de Castro Alves na campanha abolicionista teve as mais largas e significativas repercussões. A ação social de Bilac, no terreno da propaganda do sorteio militar, pode lhe ser comparada, na intensidade com que foi desencadeada, como nos resultados colhidos. Se a comunidade negra tem uma grande dívida moral para com o primeiro, o Exército Brasileiro tem outra, de gratidão, tão grande quanto aquela, para com Bilac. As comemorações de sábado passado pagam parte dessa dívida, restaurando a memória do poeta e o culto do seu nome entre as jovens gerações brasileiras, para as quais ele desejou que o Brasil continuasse íntegro, indivisível, soberano – aquele reino da Luz, do Amor e da Fartura, celebrado em seus verses mortais...
PAULO DE TARSO
Revista
"Carioca", 23 de dezembro de 1939.
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