O poeta liberal
Texto escrito no "Jornal Pequeno", no ano de 1930. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
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Num bonde de
Gávea, uma noite, eu pensava na impressão que traria de volta desse passeio.
Era meu
destino o ponto terminal da linha, ou melhor, a casa do grande poeta Augusto de
Lima, o profundo pensador e grande artista das Contemporâneas.
Levava-me ao
encontro do mestre, sobretudo, o desejo de ouvir e falar com o poeta que mais
me impressionara na minha minguada formação literária, quando nos arremessos da
mocidade, eu, de cabelos ao vento, recitava Angélica, achando, como
ainda hoje, a síntese da verdade filosófica neste verso:
“São parecidas todas as caveiras”.
Seriam 21 horas
quando me fiz anunciar do ilustre acadêmico e, então, operoso deputado por
Minas Gerais.
O meu nome
pouco conhecido e ainda menos recomendável no mundo das letras, não deixou (felicidade
minha) de merecer a atenção do mestre.
E assim fui recebido
numa sala ampla, de amplo conforto, com requintes de gosto e de zelo; telas ornando
as paredes numa evocação silenciosa...
Fatalmente, um
piano, mesmo na sua quietude dolorosa, guardando no seu âmago todas as dores e
desesperações dos grandes gênios que o entenderam, nunca deixa de ser uma evocação...
Começou
Augusto de Lima por falar da sua viagem ao Nordeste, chefiando a Caravana Liberal.
Disse coisas maravilhosas sobre a beleza do Recife, sobre o aspecto pitoresco
de alguns subúrbios, notadamente Jaboatão.
Mas era
maior o seu entusiasmo ao referir se às manifestações que a caravana havia
recebido em Pernambuco.
Sobre esse assunto pouco falamos, dado o meu desinteresse pela questão política que, então, agitava o país.
E em meio de
nossa palestra veio me uma grande tristeza, uma quase desolação.
Falando-me
do meio literário de Pernambuco, o grande poeta Augusto de Lima citou o nome do
ilustrado filólogo Dr. Júlio Pires e, depois, com certa dificuldade de memória
(vejam como são conhecidos os nossos literatos) perguntava pelo nome de uma
menina que no Recite lhe oferecera um retrato em que, além da ofertante, se via
uma caveira que, talvez por ignorância ou esquecimento, deixara de subscrever também
a dedicatória.
— É, dizia-me
Augusto de Lima, uma apaixonada por Baudelaire.
Eu que conhecia
porque também possuo esse retrato, disse ao mestre chamar-se essa criatura
Marta de Holanda, a luminosa escritora que muito breve dará à inteligência
brasileira a prova solene do seu talento — as páginas de profundo idealismo do
seu Delírio do Nada.
E foi com
surda indignação que eu clamei contra esse desconhecimento do nosso meio literário.
Como me
cumpria, eu disse então para o brilhante artífice das Contemporâneas:
— Mestre! O
meio literário de Pernambuco não é tão minguado como pode supor.
Sem falar
nos velhos já consagrados, poderei citar nomes que definem um meio porque
realmente podem representar uma literatura. E depois de aludir a Joaquim
Inosoja de quem eu já ouvira as melhores referências do douto Graça Aranha,
lembrei ao mestre os nomes de Lucilo Varejão, Mário Sette, Luís Delgado,
Agripino da Silva, Raul Monteiro, Paulino de Andrade, Jarbas Peixoto, Esdras
Farias, Ascenso Ferreira e, para terminar, falei com mais ardor desse grande poeta-menino
eterno Austro Costa.
Mas, não terminei,
porque se o mestre conhecia um filólogo pernambucano, eu estava no dever de afirmar
que em Pernambuco há também filólogos, e unindo essa palavra ao espírito moço,
citei o um desse estudioso da nossa língua que é Caio Pereira.
Augusta de
Lima desculpava-se desse seu desconhecimento das nossas coisas literárias, o
que, dizia eu, era motivado pelo excesso de trabalho que lhe vinha dando a seu
cargo de secretário da Aliança Liberal.
Grande
Augusto de Lima! O que arte divinizou, só aparentemente pode ser diminuído por
essa coisa hedionda — a política.
Deixa-se de
ser deputado, mas não se deixa de ser poeta.
É o caso do
mestre.
SILVINO
LOPES
Jornal
Pequeno, 5 de julho de 1930.
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