Guerras da Independência
Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
1 - Era preciso, agora, tornar efetivo o que se
havia feito. Em muitas províncias dominavam ainda autoridades portuguesas, e
com outras ocorriam dissenções entre os próprios defensores da causa.
Sente-se, ao enunciar tais embaraços, quanto é
penosa a situação em que se vê D. Pedro no dia seguinte ao da sua aclamação.
Mesmo fortalecido de grandes qualidades de político, ou ao menos não eivado dos
defeitos que o caracterizavam, nem assim seria possível que ele ficasse muito
sereno e firme no meio daqueles dias tormentosos.
E é por isso mesmo que a história, para fazer-lhe
plena justiça, tem de absolvê-lo dos erros cometidos, e proclamar-lhe a sinceridade
e paixão com que se devotou a uma obra em que não era certamente ele o primeiro
interessado. Mesmo porque, em grande parte, a responsabilidade de tais erros cabe
menos a ele que aos pró-homens daquela geração.
Aliás, nem aqueles homens precisam de defesa. As
complicações daquele momento decorriam de causas longamente acumuladas. Aquelas
figuras vinham do regime colonial: e não é de um instante para outro que as
consciências, ainda as mais lúcidas, se libertam de taras seculares.
Daí os conflitos em que se puseram, uns com os
outros, os melhores patriotas, segundo as posições em que se encontram, mudando
com os papéis que lhes tocam, contradizendo-se com as mudanças que os afetam.
Deles, porém, de quase todos, o que se há de sempre
dizer, com desassombro e ufania, é que lhes fica, para assegurar-lhes a
veneração dos pósteros, aquele valor com que venceram o mais angustioso transe
da nossa história.
Além disso, para explicar aquela época, é preciso
não esquecer que a alta política do país não tinha saído das tradições da
colônia, e continuava a fazer-se no Rio. É daqui que vai a palavra de ordem
para as províncias; é aqui que se fazem e desfazem situações, e que se marcam
os rumos a seguir. É por isso mesmo na corte, onde estão os protagonistas do
drama, em volta do Príncipe, que é mais violento o embate das paixões
insufladas com a vitória.
Envolvido no torvelinho das facções, tendo às vezes
de romper com os que na véspera estiveram a seu lado; não podendo conciliar
todas as opiniões, nem preferir um partido sem comprometer-se com os outros; e muito
menos ouvir os mais exagerados sem sacrificar a sua autoridade e perder a obra:
como poderia, pois, D. Pedro, equilibrar-se acima daquelas discórdias?
2 - No meio dos embaraços que o assediam no Rio, tem
o governo imperial de atender à situação das províncias, sobretudo à da Bahia,
onde Madeira de Melo, amparado pelas Cortes, continua a afrontar-lhe a
autoridade.
Sem expelir dali, e de outras províncias do Norte,
aquelas forças portuguesas, não podia considerar-se como realizada a nossa
emancipação política.
Já havia Labatut submetido Sergipe e entrado na
Bahia, pondo-se em comunicação com a Junta Provisória. Tomaram logo os
independentes todas as posições do Recôncavo, e sitiaram a praça pelo lado de
terra.
Em tais angústias se viu o general português que não
lhe teria sido possível resistir a um ataque geral que se planeara se não foram
as dissenções, que neste momento recrudescem, entre Labatut e a Junta da
Cachoeira.
E chegaram logo a tal extremo essas desavenças que o
governo provisório depôs e prendeu o general e o seu secretário, nomeando
comandante das tropas ao coronel José Joaquim de Lima e Silva, que tinha ali
chegado de pouco com reforços.
Lorde Cochrane, que com a sua esquadrilha, rondava a
costa nas imediações da barra, foi informado de tudo que se passara em terra, e
entrou logo em relações com Lima e Silva.
Por mais que fossem socorridos da metrópole, sentiam
afinal, os sitiados, que não podiam manter-se "naqueles apuros por muitos
dias. Entretêm-se com esperanças até que chegue o último desespero".
3 - E chegou logo. As duas esquadras (a de Cochrane
e a portuguesa) estão inativas. Passam-se dias e dias sem uma agressão no mar,
sem uma escaramuça em terra. Parece que da parte dos patriotas há o intento de confiar,
por piedade mais que nas armas, num fator inelutável — a fome. Quando se
combate, como que o estrondo da peleja disfarça as aflições. Ficar assim,
porém, naquela inação opressiva, pendendo do destino, a contar os instantes
como sob iminência de catástrofes — isso é que é horrível!
Pelos fins de junho, varou as linhas do assédio, e
apresentou-se ao general em chefe do exército pacificador, uma deputação de
negociantes da cidade, a pedir-lhe garantia de vida. Deu-lhes logo Lima e Silva
todas as seguranças. Mandou ainda, o comércio, uma comissão à Junta da
Cachoeira.
Cedera, pois, afinal, a obstinação do chefe
português. Como não queria assumir o compromisso de entrar oficialmente em
negociações com aquela gente que se considerava rebelde, pediu Madeira de Melo
a um coronel de milícias (Cunha Menezes) que fosse, em caráter íntimo e
oficioso, ao quartel-general inimigo, alcançar de Lima e Silva, e também, pela
mediação deste, do almirante Cochrane que lhe permitisse sair sem risco de
hostilidade.
Anuíram os dois chefes imperiais; e para desencargo
de todos, simulou-se uma capitulação.
Pela madrugada de 2 de julho (1823), com verdadeira
precipitação de fuga, deixavam a Bahia as tropas portuguesas.
4 - Não tinha Lorde Cochrane tempo a perder. Como
receasse que Madeira fosse instalar-se em qualquer ponto da costa, como parecia
resolvido, ordenou o chefe da nossa esquadra ao capitão John Taylor que
seguisse o inimigo até vê-lo fora dos nossos mares.
Enquanto isso, tomava o próprio almirante rumo do
Norte.
Nada se sabia das condições em que estavam
principalmente as três províncias do Piauí, do Maranhão e do Grão-Pará, que
inspiravam maiores cuidados. Haviam as respectivas juntas com efeito celebrado
entre si um acordo no sentido de sustentar-se ali a causa portuguesa; e, à
medida que sentem como as populações brasileiras se mostram dispostas a romper contra
as Cortes, vão aumentando o rigor com que presumem reprimir o sentimento geral,
que se desafronta e se agita cada vez com mais coragem.
No Piauí a situação se agrava com a chegada do novo
governador das armas, o sargento-mor Cunha Fidié, coincidindo quase com a
notícia do que sucedera em São Paulo. A vila de São João da Parnaíba, assim que
ali se soube que o Ceará em peso aderira aos patriotas do Sul, proclama a Independência
(19 de outubro de 1822). Marcha Fidié, de Oeiras para o norte, e ocupa a vila
insurgida. Mas na própria capital o povo levantado aclama o Imperador, e elege
um governo provisório. Toma esta Junta, e com grande energia e decisão, a
direção do movimento em toda a província. Abala Fidié, da Parnaíba para o sul;
mas, receoso de avançar até Oeiras, atravessou o rio para a província contígua
e foi estabelecer o seu quartel em Caxias.
5 - Estava livre o Piauí; e cumpre agora ir amparar
a causa no Maranhão, que também acabava por insurgir-se. A junta de São Luís
assanha-se em cóleras. Como no interior o incêndio se alastra, cuida ela de
guardar a capital, e isto vai fazendo à custa dos maiores excessos.
Os patriotas vitoriosos no Piauí, juntamente com os
socorros que vêm do Ceará e de outros pontos, vão sitiar Caxias. Só neste
momento acorda e alarma-se a Junta de São Luís; mas acorda para desvairar.
Tomam os independentes quase todas as vilas e
posições fora da ilha, e concentram as suas maiores forças no cerco de Caxias.
A Junta esmorecia na velha capital. Para isso não
concorriam só as vitórias dos patriotas. O que, por último, desorientou os
portugueses da Junta de São Luís foi a notícia que da Europa ali se recebeu,
pelos fins de junho, de que "El-Rei, desligando-se do juramento que havia
prestado à Constituição, reassumira "todos os antigos direitos
majestáticos"... Pode imaginar-se o desapontamento de toda aquela gente,
até ali tão fiel à política das Cortes, e tão entusiasta da "regeneração"
proclamada!"
Estava sem causa, pois, a Junta de São Luís, tendo
deixado de existir na Europa o ideal que se sustentava na América...
Houve logo um movimento geral na cidade, favorável à
cessação da resistência. A Junta, sem atenção às veleidades do governador das
armas, que pretendia sustentar El-Rei absoluto como sustentara a vencida
"regeneração", procurou conciliar-se com os sitiantes de Caxias.
Estava nessa diligência, quando apareceu na barra, a
26 de julho, a esquadra imperial.
6 - Fez imediatamente Lorde Cochrane sentir para a
terra o intuito com que ali se apresentava em nome do Imperador e que desejava
cumprir a sua missão sem necessidade de lutas. Convocou a Junta, no mesmo instante,
um conselho militar, e de acordo com a deliberação desse conselho, apressou-se
a comunicar ao almirante que "coincidiam com os seus desejos os
sentimentos de todos os membros daquele conselho".
No dia seguinte (27 de julho) foram a bordo os
membros da Junta e o bispo diocesano, em visita ao almirante. Afiançaram-lhe
decidida obediência, protestando abandonar a causa portuguesa, aderir à
Independência, e reconhecer D. Pedro como Imperador do Brasil.
O ato solene da aclamação teve lugar no dia 28 de
julho.
Dali a três dias capitulavam em Caxias os
portugueses.
Restava agora, libertar o Pará.
A situação ali era semelhante à em que tinham estado
as duas províncias vizinhas. A Junta de Belém tomara tanto a si a causa
portuguesa que chegou a mandar auxílio de tropas aos fiéis do Maranhão. Não
tardou, porém, que começasse ela a inquietar-se com certos fatos, muito
eloquentes como avisos de que não há mais nada capaz de impedir que por ali
também rompa o espírito da terra contra a ordem colonial.
Logo pelos fins de fevereiro (1823), quando se fez a
eleição da nova Câmara de Belém, é que se viu bem como estava irredutível ali o
sentimento nacional: nenhum português conseguiu ser eleito. E então no seu
despeito, apelam para a tropa os portugueses, depõem Junta e Câmara, e acendem a
desordem na província.
7 - Os patriotas não se acovardam. Preparam uma
revolta; e pela madrugada de 14 de abril, tomam o quartel de artilharia. A voz,
porém, de um major, que aclama a D. João VI, os soldados (que faziam causa com os
independentes) rendem-se apavorados, e desfaz-se o motim. Triunfantes os
portugueses, condenam à pena de morte (por um simulacro de junta de justiça)
271 dos conspiradores que se haviam aprisionado. Quiseram executar logo a
sentença ali mesmo; e só a muito custo conseguiram alguns mais moderados que se
remetessem os réus para Lisboa.
É ainda a notícia da restauração do despotismo em
Portugal, que vai mudar a situação no Pará, como havia mudado no Maranhão.
A surpresa e decepção geral, produzidas por
semelhante notícia, deixaram indecisos os portugueses, e encheram de esperanças
os brasileiros.
Eram estas as condições em que estava Belém, quando,
a 10 de agosto, ali aparecia o brigue de guerra Maranhão, comandado pelo
capitão-tenente Grenfell. Fez este saber à Junta Faccionária que ali fora, por
ordem do almirante Cochrane, e em nome do Imperador, encarregado de apoiar
naquela capital o partido da Independência.
Reuniu-se logo um conselho geral, e por grande
maioria decidiu-se convidar Grenfell a entrar no porto.
No dia 16 de agosto proclamava-se em palácio,
solenemente, a Independência, celebrando-se em seguida a cerimônia do juramento
ao imperador do Brasil.
Dali a três meses, a 18 de novembro, capitulava D.
Álvaro da Costa em Montevidéu.
Achavam-se, pois, antes do fira de 1823, todas as
províncias integradas politicamente no novo Império.
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