Cromos de
B. Lopes
Texto escrito em "A Nova Revista", no remoto ano de 1886. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
Texto escrito em "A Nova Revista", no remoto ano de 1886. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
---
Conhecíamos
a primeira edição deste livro, dada em 1881 e aceita, com elogios, por poetas e
críticos de todas as escolas; nesse tempo já o Sr. Valentim Magalhães insultava
rasgadamente, em linguagem torpe, a ousadia dos que o desprezaram como parasita
da literatura nacional, porque o emérito abocanhador de reputações literárias,
que hoje dá espetáculos grotescos às quartas-feiras, achincalhando Rui Barbosa,
Guerra Junqueiro e quanta glória lhe passa diante dos olhos míopes, há de estourar
como a rã da fábula, na impotência de se medir com o verdadeiro talento.
Os
Cromos, de B. Lopes, granjearam uma
estima fora de toda a norma, sendo, entretanto, um livrinho de poucas páginas,
modestamente impresso e trazendo o nome de um poeta obscuro. A nova edição que
agora aparece, reclamada pelo sucesso da primeira, tem outro valor mais
artístico e desperta maior interesse, por vir aumentada e ter passado pelo
cadinho da revisão escrupulosa do autor; é como se fosse outro livro, desde o
trabalho tipográfico até a parte inédita — Figuras
e Festas íntimas, sem excluir alguns
sonetilhos novos e o magistral soneto de abertura, impresso à tinta encarnada—
verdadeiro rubi engastado na primeira página dos Cromos.
B.
Lopes é desses poetas que têm liberdade absoluta para rir da crítica; essa
liberdade, ninguém lha concede por favor ou atenção, — ele a adquiriu,
revelando-se poeta e artista dos mais puros e dos mais independentes. Que
figura a do Sr. Valentim citando Castilho a Guerra Junqueiro, ensinando Guerra
Junqueiro a fazer alexandrinos! Que estampa, a do Sr. José Veríssimo dando quinaus de metrificação e de gramática a
B. Lopes! A crítica confunde o Parnaso
com o Gymnasio Nacional ou com o Pedagogium e nisso mostra-se de uma
inferioridade abaixo de si própria. Não defendemos o poeta: fazemos justiça aos
altos dotes que o recomendam à boa orientação da crítica imparcial. Quem escreve livros como este de que nos
ocupamos e como os Brasões, D. Cármen, Pizzicatos... pode atravessar, em pleno dia, a Rua do Ouvidor, sem
voltar o rosto à boutique de sapateiro dos bricabraquistas literários.
O
elogio de B. Lopes está na sua obra, nós apenas chamamos a atenção dos
insuspeitos para este singelo livro dos Cromos,
tão brasileiro, tão inspirado na alma rústica dos filhos do campo e que é, ao
mesmo tempo, um livro de artista, modelado no sentir popular. Os Brasões têm mais requinte, mais
preocupação estética, afirmam o desdobramento de um espírito hipnotizado pelo
cristal da forma e pelo guiso de ouro da rima; os Cromos, porém, atestam a ingenuidade de uma verdadeira alma de
poeta filho do povo, identificado com o povo, vibrando a lira das canções
populares afinada no amor e na esperança.
A minha musa, a minha pobre musa.
De riso à boca e flores na cabeça,
Morena virgem, rústica e travessa,
Que um vestidinho dos mais simples usa:
A noiva alegre de um rapaz de blusa,
Que talvez muita gente não conheça.
De riso à boca e flores na cabeça.
Vem visitar-vos, tímida e confusa.
Não lhe aumenteis o rúbido embaraço,
Levando-a ao vosso lado e pelo braço
Com requintes fidalgos de condessa;
Filha do campo, distinções recusa
A minha musa, a minha pobre musa
De riso à boca e flores na cabeça!
Aí
está o B. Lopes dos Cromos, fugindo
aos requintes, às transcendências da arte
moderna e abrindo o coração aos afetos ingênuos. Por isso não deixa de ser
o B. Lopes fidalgo dos Brasões...
"A Nova Revista", maio de
1886.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...