3/30/2018

Os próceres do Romantismo: Pereira da Silva (Ensaio), de José Veríssimo



Os próceres do Romantismo: Pereira da Silva
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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João Manuel Pereira da Silva nasceu no Rio de Janeiro a 30 de agosto de 1817 e faleceu em Paris a 14 de junho de 1898. Era formado em Direito pela Faculdade de Paris, foi deputado geral, presidente de província e exerceu outras funções públicas igualmente importantes. Escritor abundante, como todos os do grupo de que fez parte, foi historiador político e literário, biógrafo, crítico, romancista e poeta. É o tipo do amador, do diletante, em letras, escrevendo pelo gosto, acaso pela vaidade de escrever, sem no íntimo se lhe dar muito do que escreve e menos de como escreve. Tinha sem dúvida vocação literária, mas sem dons correspondentes que a fecundassem. Escrever era para ele um hábito, como que um vício elegante, qual jogar as armas ou montar a cavalo, um desporto agradável e distinto. Não lhe importava nem a têmpera das armas nem a qualidade do animal, o essencial para ele era jogá-las ou montá-lo. Assim a sua obra copiosa e volumosa, importante pelos assuntos, pouco vale pelo fundo e pela forma. Historiador, escreveu história com pouco estudo, com quase nenhuma pesquisa, sem crítica nem escrúpulos de investigação demorada e paciente; crítico, não passa de um elogiador retórico, com vasta mas superficial leitura das literaturas modernas e mal assimilada conquanto extensa informação literária, sem ideias próprias nem alguma originalidade; poeta, é menos que medíocre, e romancista, carece absolutamente de imaginação. Mas como veio sempre escrevendo desde a inauguração do Romantismo até o pleno modernismo, por mais de cinquenta anos, dando um exemplo raro de constância no labor literário, o seu nome ganhou em suma certa aura e a sua figura literária ficou até a sua morte em evidência, e, ao menos por aquela virtude, estimada. O exemplo seria demais belíssimo se outro fosse o valor da sua volumosa obra. Desta apenas lhe sobrevive ainda, antes por ser a única no gênero que pelo merecimento que possa ter, a História da fundação do império brasileiro (Paris, 1864-1868), aliás cheia de inexatidões e falhas, como todas as suas obras históricas.
Se Teixeira e Sousa foi o criador do romance que nos habituamos a chamar de brasileiro, isto é, o que representa a nossa vida comum e descreve os nossos costumes, paisagens, tipos, foi entretanto Pereira da Silva quem, precedendo-o, criou o romance de ficção histórica, então em voga com Walter Scott e seus primeiros discípulos. Ufanava-se com motivo no prefácio da primeira edição do seu Jerônimo Corte Real, "crônica do século XVI", de que este era um dos primeiros da literatura portuguesa moderna, pois que viu a luz do dia nos anos de 1839. Realmente só o precedeu em Portugal o Arco de Sant'Ana, de Garrett, que é de 1833. Em 1839 publicou Pereira da Silva o romance histórico O aniversário de D. Miguel em 1825, mas é apenas uma novela de trinta e três páginas, como é apenas uma novela de poucas mais páginas Religião, amor e pátria, saída no mesmo ano. Jerônimo Corte Real também teve a sua primeira publicação no Jornal do Comércio em forma de curta novela, que o autor ampliou em romance, alongando-o aliás com desenvolvimento impertinente, quando a deu em livro de 240 páginas, em 1865. Do mesmo gênero de Jerônimo Corte Real é Manoel de Morais, "crônica do século XVII". Sabendo-se como ele fazia história, avalia-se como faz o romance histórico. Os seus realmente não têm valia alguma como quadro das épocas que presumem pintar, nem qualidades de imaginação ou expressão que lhes atenuem esse defeito. Esta aliás é talvez melhor nestes seus dois romances que no resto dos seus livros, e, em todo caso, é superior à dos de Teixeira e Sousa.
É Pereira da Silva um dos criadores da nossa história literária. Precedeu mesmo Varnhagen nesses estudos, mas de pouco lhe vale essa precedência meramente cronológica, porque o que fez nesse gênero, quer no Parnaso Brasileiro (1843) quer no Plutarco Brasileiro (1847), não tem a originalidade nem a segurança dos trabalhos de Varnhagen. São a repetição sem crítica do já sabido, com muitas novidades de pura invenção ou de falha ou viciosa informação. Acham-se-lhe porém na obra crítica, desde 1842, alguns conceitos que deviam mais tarde ser espalhafatosamente apresentados como originais e inéditos. Tal é o de literatura que aquela data já Pereira da Silva declarava ser "o desenvolvimento das forças intelectuais todas de um povo; o complexo de suas luzes e civilização; a expressão do grau de ciência que ele possui; a reunião de tudo quanto exprimem a imaginação e o raciocínio pela linguagem e pelos escritos". Sem menosprezar-lhe inteiramente as constantes provas do seu gosto das letras e da sua longa persistência em documentá-lo com obras de toda a espécie, os seus contemporâneos, não obstante as sinceras louvaminhas de parceiros, não se enganaram sobre o valor da sua obra, e apenas mediocremente o estimaram como escritor. A história da literatura lhes ratificará este sentimento.

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