Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Joaquim Norberto de Souza Silva
nasceu no Rio de Janeiro a 6 de junho de 1820 e faleceu em Niterói a 14 de maio
de 1891. Nesta geração de laboriosos homens de letras, foi um dos mais
laboriosos, e a alguns respeitos, um dos melhores e mais úteis deles. Ou porque
a existência fosse então mais fácil ou porque o amor desinteressado das letras
fosse então maior, é certo que nenhuma geração literária brasileira antes ou
depois desta trabalhou e produziu tanto como esta. As bibliografias de Norberto
enumeram-lhe cerca de 80 obras diversas, grandes e pequenas, desde 1841
publicadas em volume ou em jornais e revistas, afora prefácios, introduções
crítico-literárias a obras que editou e outras. No acervo literário
encontra-se-lhe de tudo, poesia de vários gêneros, teatro, romance, biografia,
ensaios e estudos literários, administração pública, história política e
literária e crítica. Como Norberto não tinha nem o talento, nem a cultura, pois
era um fraco autodidata, que presume tamanha e tão variada produção, é ela na
máxima parte medíocre ou insignificante. Deste enorme lavor apenas se salvam,
para bem da sua reputação, os seus vários trabalhos sobre as nossas origens
literárias, os seus excelentes estudos sobre os poetas mineiros, a sua grande e
boa monografia da Conjuração Mineira
e algumas memórias históricas publicadas na Revista
do Instituto. Por aqueles trabalhos é Norberto, depois de Varnhagen, o mais
prestimoso e capaz dos indagadores da história da nossa literatura, um dos
instituidores desta. Como crítico, porém, sacrifica demais ao preconceito
nacionalista de achar bom quanto era nosso, de encarecer o mérito de poetas e
escritores somenos, no ingênuo pressuposto de servir à causa das nossas letras.
Ele as serviu otimamente aliás, menos pelo que de original produziu, que é tudo
secundário, ou por esse zelo indiscreto delas que fê-las suas conscienciosas
investigações de alguns tipos e momentos da nossa história literária, e
publicações escorreitas de algumas obras que andavam inéditas ou dispersas e
desencontradiças dos nossos melhores poetas coloniais.
Concorreu mais para avultar
grandemente a produção literária do seu tempo e geração. Na esteira de Magalhães
fez também poesia americana, cantou os índios, pôs em verso cenas e episódios
da nossa história ou das nossas tradições, e, até, com pouco engenho e nenhum
sucesso, tentou a naturalização da balada, forma poética por sua singeleza
absolutamente antipática à gente, como a portuguesa e a nossa, de alma pouco
ingênua e que de raiz ama a eloquência da poesia. Em Norberto se exagera o
espiritualismo sentimental de Magalhães, e o seu maneirismo poético. Além dos
portugueses e brasileiros lê o pseudo-Ossian, Lamartine, George Sand (ainda
então Mme. Du Devant, como a cita), A. de Vigny, Delavingne e Chateaubriand,
Lope de Rueda, Victor Hugo, Parny, Ducis, Shakespeare. O alimento romântico não
lhe tira toda a substância clássica, e, cedendo-lhe, escreve também uma
tragédia em verso, em cinco atos, respeitando deliberadamente as regras
aristotélicas: Clitemnestra. Das
peças que escreveu Norberto, parece que a única representada, em 1846, e por
João Caetano, foi Amador Bueno ou a
fidelidade paulistana, em 5 atos. Também se representaram traduções suas do
Tartufo, de Molière, e do Carlos VII, de Dumas pai, segundo a
informação pouco segura de Sacramento Blake.
Noberto foi mais o criador, se
não do romance brasileiro da ficção novelística em prosa aqui. A sua novela, aliás
por ele mesmo chamada de romance, As duas
órfãs, foi publicada em 1841 (8º, 35 págs.), dois anos portanto antes do Filho do pescador, de Teixeira e Sousa,
que é de fato pelo desenvolvimento e volume o primeiro romance brasileiro. Em
1852 reuniu Norberto essa e mais três novelas sob o título, impróprio quanto ao
primeiro termo, de Romances e novelas,
num volume em oitavo de 224 páginas. São todas de assunto e inspiração
nacional. A intuição que Norberto tinha do romance acha-se expressa na sua
notícia sobre Teixeira e Sousa: "expandir-se pelas minuciosidades das
descrições dos quadros da natureza, perder-se em reflexões filosóficas e
demorar-se nas trivialidades de um enredo cheio de incidentes para retardar o
desenlace da ação principal".
Certamente Teixeira e Sousa nos
seus longos romances cumpriu mais à risca este programa, aliás da sua índole e
gosto; Norberto, porém, ainda nas suas novelas o seguiu.
Norberto publicou várias coleções
de poesias, quatro ou cinco pelo menos, além de numerosos poemas que em tempos
diversos saíram em periódicos e não foram jamais reunidos. Embora muito
apreciados no seu tempo, nenhum só desses poemas viveu na nossa memória ou
sobreviveu ao poeta. A história literária é uma impertinente e implacável
desconsoladora da vaidade literária, patenteando a do próprio trabalho das
letras e o efêmero e precário da glória contemporânea. Mas no seu tempo, ao
menos, não foi de todo vão esse ímprobo labor dos Norbertos, dos Teixeiras e
Sousas e de outros companheiros seus na criação da nossa literatura. Eles
trouxeram a pedra que por oculta e desconhecida nem por isso deixa de ter
servido para levantar o edifício.
Não obstante haver compilado um
volume de estudos alheios da língua portuguesa, o que faria supor-lhe
particular estudo dela, Norberto não escreveu bem. Como os escritores seus
confrades de escola e companheiros de geração, não teve mesmo a nossa
preocupação de bem escrever, com acerto e elegância. É geralmente natural
desataviado, mas não raro também incorreto. Quando se quer elevar a um estilo
mais castigado, guinda-se e cai no empolado e no difuso. Perpetra menos
galicismos do que hoje e do que o vulgo dos escritores portugueses seus
contemporâneos. Aliás os da sua geração incorriam menos nesse defeito que os
posteriores.
A sua obra capital em prosa é a História da Conjuração Mineira, nada
obstante a opinião que dela possa fazer o nosso sentimentalismo político, uma
das boas monografias da nossa literatura histórica. E mais bem ordenada e
composta do que é comum em livros tais aqui escritos. Além disso, o que também
não é aqui vulgar, uma obra original, feita principalmente com pesquisas
próprias e de estudo pessoal.
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