Os próceres do Romantismo: Macedo
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
---
A sua primeira obra em livro é o
romance A Moreninha, de 1844.
Seguem-se-lhe, no ano seguinte, O moço
loiro (2 vols. In-8.º), em 1848, Os
dois amores (2 vols. In-8.º), em 49 Rosa e, a breves trechos, Vicentina, O forasteiro (aliás escrito antes de todos estes), O culto do dever, A luneta mágica, O Rio do
Quarto, Nina, As mulheres de mantilha, Um noivo e duas noivas, e outros,
sem contar as novelas colecionadas sob vários títulos. A maior parte tem mais
de um tomo.
A Moreninha foi um acontecimento literário e popularizou-se rapidamente. A
crítica exultou com o seu aparecimento. Dutra e Melo, na Minerva Brasiliense, do mesmo passo que o celebra com grandes
gabos, expõe a teoria do romance como devia ser e era aqui praticado. Preconiza
o romance histórico e o romance filosófico, que ainda ninguém aqui fizera,
contanto que neste se não sigam "os delírios da escola francesa, um Louis
Lambert por exemplo". Se bem cair no preceito do Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci, deve esse romance
tornar-se moralizador e poético. Reconhece que "autores de merecimento,
poetas distintos (aludiria certamente a Magalhães, Teixeira e Sousa e Norberto)
se tinham já ocupado do romance sentimental produzindo belas páginas". De
todo esse artigo de escritor então muito conceituado, deduz-se que o romance
devia ser poético, sentimental, moralizador. Foi assim realmente que mais ou
menos o fizeram os romancistas dessa geração e ainda da seguinte.
A Moreninha consagrou definitivamente o autor que até a sua morte foi
conhecido como "o Macedo d'A Moreninha"
ou também pelo apelido familiar de "o Macedinho". Esse romance, ainda
hoje muito lido, é talvez o que maior número de edições e republicações tem
tido no Brasil.
Os romances de Macedo são todos
talhados por um só molde. São ingênuas histórias de amor, ou antes de namoro,
com a reprodução igualmente ingênua de uma sociedade qual era a do seu tempo,
chã e matuta. Cuidando aumentar-lhes o interesse, e acaso também fazê-los mais
literários, carrega o autor no romanesco, exagera a sentimentalidade até à
pieguice, filosofa banalidades a fartar e moraliza impertinentemente. São
romances morais, de família; leitura para senhoras e senhoritas de uma sociedade
que deles próprios se verifica inocente, pelo menos sem malícia, e que, salvo
os retoques do romanesco, essas novelas parece retratam fielmente. A sua
filosofia é trivial, otimista e satisfeita, conforme o espírito da época
romanceada. A sua moral, a tradicional nos povos cristãos, sem dúvidas, nem
conflitos de consciência, a moral de catecismo para uso vulgar. Nem a prejudica
o abuso de namoro, ou alguns casos de amor romanesco, pois tudo não aponta
senão ao casamento e acaba invariavelmente nele, para completa satisfação dos
bons costumes. Pouco variam as situações e tipos dos romances de Macedo. Ou
eram de fato uma e outros constantes na sociedade de que Macedo escreveu o
romance, ou ao romancista faltou a arte de lhes descobrir as forçosas variações.
São infalíveis neles certas categorias de personagens, a moça apaixonada,
amorosa ou namoradeira, a intrigante ou invejosa que contra esta conspira, o
galã, ora fatal e irresistível, ora apenas simpático e galanteador, a velha
namoradeira e ridícula, o velho azevieiro e grotesco, o estudante engraçado,
divertido e trêfego, o traidor que maquina contra o galã e a sua amada, o
ancião (o ancião de Macedo é um homem de 50 anos, como as suas jovens amorosas
não têm nunca mais de dezesseis) experiente, amigo certo e conselheiro avisado
e mais o gracioso ou jocoso da comédia. Vem a pêlo a terminologia teatral,
porque Macedo é em muito autor dramático, e os seus romances deixam por mais de
uma feição rever este conspícuo feitio do seu engenho. Ao invés dos escritores
nossos patrícios dessa fase e ainda dos das subsequentes, Macedo é um escritor
alegre e satisfeito, porventura o único da nossa literatura. A sua arte lhe é
um divertimento, e o seu objeto, praticando-a, divertir os seus contemporâneos,
sem talvez se lhe dar dos vindouros. Diverti-los moralizando-os, risonhamente,
despreocupadamente, sem outro propósito mais alto, tal parece ter sido o seu
intuito literário.
A atividade dramática de Macedo
vai de 1849 aos últimos anos de 60 ou aos primeiros de 70. É justamente o
período de maior florescimento do nosso teatro, que então realmente existiu com
autores e atores nacionais, queridos e estimados do público. Entre os últimos
havia-os, é certo, portugueses, mas esses, quase todos domiciliados aqui,
achavam-se de fato nacionalizados. Macedo concorreu para esse teatro com mais
de uma dúzia de peças, dramas em prosa e verso, comédias, óperas, que são o
moderno vaudeville, e farsas, mostrando em tudo vocação decidida para o gênero
fácil e boa veia cômica. Como esta lhe vinha mais do natural que a dramática,
valem as suas comédias mais do que os seus dramas. Na comédia acha-se ele
melhor, em um mundo mais natural, mais espontâneo e que lhe é mais familiar e
conhecido que o dos seus dramas. Na inspiração e feitura destes, sente-se a
influência da dramaturgia francesa contemporânea, como em Lusbela, por exemplo, a da Dame
aux Camélias, ou de quejandos modelos. Demasiado românticos de assunto,
excessivamente romanescos de composição e estilo, falham mais os seus dramas do
que as suas comédias na representação que presumem ser da nossa vida. Não
logram também atingir por qualidades superiores de invenção e expressão a
generalidade da representação humana que supra ou exceda aquela. Há, porém,
neles condições de teatralidade e arte de desenvolvimento e exposição. O
principal defeito do nosso teatro, o que mais nos afronta com a sua
desnaturalidade, é o diálogo geralmente falso ou em desacordo com o que ouvimos
na rua ou na sala. A nossa sociedade, de fato ainda não de todo perfeitamente
policiada, se não criou já uma sociabilidade, com fórmulas dialogais e de
tratamento mútuo entre os interlocutores, que o escritor de outras línguas
quase não faz senão reproduzir. Esse tratamento no nosso teatro mostra
afrontosa incoerência, que é aliás a mesma dos nossos hábitos de conversação.
Querendo evitá-la, Macedo e muitos dos nossos escritores de teatro ainda hoje
recorrem ao tratamento da segunda pessoa do plural, que fora do estilo oficial
ou do verso, de todo não usamos. E como o ridículo é um pouco o insólito, essas
formas ridiculizam as peças que as empregam. O teatro romântico na comédia
popular de Pena, de Macedo, de Alencar e de autores de menor nome, deu da
sociedade do tempo uma cópia em suma exata. Desmerece, porém, essa representação
no drama ou na comédia da nossa alta vida. Esta a viram sempre através de suas
impressões de romântica francesa. Daí a pouca fidelidade na pintura dela e nos
sentimentos que lhe atribuem. Nunca houve de fato na nossa sociedade
preconceitos de raça ou de casta bastante generalizados e profundos, capazes de
determinar as situações como a de Lusbela,
de Macedo.
Num momento de feliz inspiração
escreveu Macedo A nebulosa, poema não
só romântico de intenção e de escola, mas nimiamente romanesco. Não obstante a
sua sensibilidade lamurienta, e o aparelho ultra-romântico da ação, cheia de
maravilhas de mágica, há neste único poema de Macedo grandes belezas de poesia
e expressão. Mais de um trecho seu ainda nos impressiona pela força de emoção
que lhe pôs o poeta. Mas ainda para o tempo desmasiava-se o poema em
indiscretos apelos ao patético e sentimentalidade que fazem que hoje não o
leiamos sem enfado.
Concomitantemente com estes
principais representantes da nossa primeira fase romântica, poetaram aqui
outros muitos sujeitos, como os fluminenses Joaquim José Teixeira (1822-1884),
José Maria Velho da Silva (1811-1901), Antônio Félix Martins (1812-?), José
Maria do Amaral (1812-1885), Firmino Rodrigues Silva (de Niterói, 1816-1879);
os mineiros Cândido José de Araújo Viana (marquês de Sapucaí – 1893-1875) e
Antônio Augusto de Queiroga (1812-1855); o baiano Francisco Moniz Barreto
(1804-1868), e o pernambucano Antônio Peregrino Maciel Monteiro (1804-1868).
Publicistas, políticos,
diplomatas, advogados, médicos, funcionários públicos, poetas o são apenas
ocasionalmente, inconsequentemente, mais de recreio que de vocação, e a sua
obra de amadores sobre escassa, o que lhes revê a inópia do estro, é em suma
insignificante. Vale somente como indício de uma inspiração poética que se não
limitava aos próceres do movimento romântico.
Havia no entanto entre eles um
bom, um verdadeiro poeta, José Maria do Amaral, antes um árcade retardatário do
que um puro romântico, mas um árcade todo impregnado do lirismo garretiano. Os
seus sonetos, nunca reunidos em volume, são talvez como tais, e como poesia
subjetiva, o que melhor deixou essa geração. A fama de que gozou Moniz Barreto,
devida ao seu singular talento de improvisador, qualidade então apreciadíssima,
não a confirma agora a leitura da sua obra, reflexo demasiado apagado do
dessorado elmanismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...