Artigo publicado em 1940. Transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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A maioria dos biógrafos de Machado
de Assis insiste em atribuir ao autor de “Dom Casmurro” os complexos de suas
personagens novelescas. E como essas se apresentem frequentemente despidas de sensibilidade
querem ver em Machado um indivíduo álgido, incapaz de comover-se com as
amarguras alheias e escondendo sempre as suas da curiosidade dos estranhos.
Muitos fatos, entretanto, desmentem esse conceito arbitrário e gratuito,
resultante de um erro de visão. E os que conheceram o mestre e lhe frequentaram
a intimidade reservada sabem que ele, se não era dado a expansões ruidosas,
também não se fechava hermeticamente aos atos em que o coração impera. Coelho Neto contou um dia o seguinte...
Estava à porta da livraria
Garnier, e foi aí abordado por Machado de Assis que o convidou para acompanhar
um enterro. O carro os esperava no largo de São Francisco. Embarcaram, rumo a
uma residência humilde lá para os lados da Central. Quando chegaram à moradia
indicada entraram e Machado ficou longo tempo a contemplar com fisionomia
triste o rosto de uma mulher deitada no caixão mortuário. Saiu o cortejo com
destino ao cemitério do Caju. Machado estava tão comovido que o companheiro não
se animou a romper o silêncio senão na volta à cidade. Perguntou quem era
aquela criatura modesta que levara o maior escritor de seu tempo a tamanha manifestação
de tristeza. Machado de Assis, com palavras que traíam a sua mágoa, limitou-se
a responder:
— Era minha
madrasta...
"Ilustração Brasileira", março de
1951.
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