3/31/2018

Literatura Brasileira: O Naturalismo e o Parnasianismo (Ensaio), de José Veríssimo

O Naturalismo e o Parnasianismo 


Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)


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Rarissimamente, se alguma vez acontece, exprimem fielmente as etiquetas literárias o fenômeno que presumem definir, ou lhe compendiam exatamente o caráter. Não escapou o naturalismo a esta regra. Nenhuma das suas várias definições satisfaz plenamente. Para a mesma ficção em prosa, a que primeiro e particularmente foi esse nome dado, não se lhe acha explicação cabal. No entanto, os autores o aplicam à crítica, à oratória, à filosofia, à história e até à poesia. Historiadores da literatura francesa, por exemplo, sob este vocábulo designam o período literário de 1850 a 1890.
É, que, como o Romantismo, o naturalismo foi sobretudo uma tendência geral. Como aquele fora uma reação contra o classicismo, foi o Naturalismo um levante contra o Romantismo. Caracteriza-o e distingue-o a sua inspiração diversa do Romantismo, mormente a sua inspiração muito menos espiritualista que a deste, e consequentemente a sua vontade de proceder diferentemente dele. Revela-se este seu íntimo sentimento e propósito no sacrifício ou diminuição da personalidade do autor, exuberante no Romantismo; numa observação mais rigorosa e até presumidamente inspirada em métodos científicos; numa representação mais fiel do observado, reduzindo ao mínimo a idealização romanesca; no menosprezo dos constantes apelos à sensibilidade do leitor, pelo abuso do patético; na invasão, não só do romance, mas de todos os gêneros literários, pelo espírito crítico, que era principalmente o do tempo. Tudo isto revia o momento, da prevalência das ciências exatas e de uma filosofia inspirada de seus métodos e baseada nos seus resultados sobre a metafísica eclética do princípio do século.
O nosso naturalismo, que foi uma das resultantes do modernismo, nada inovou ou sequer modificou no naturalismo francês seu protótipo. Ao naturalismo inglês, anterior a este, e ao mesmo tempo tão sóbrio e distinto, ficou de todo alheio. Apenas se lhe vislumbra o contágio na ficção de Machado de Assis. Mas estreitamente ainda que o nosso Romantismo seguira o francês, arremedou o naturalismo indígena o naturalismo da mesma procedência modelando-se quase exclusivamente por Émile Zola e o seu discípulo português Eça de Queirós. De novelas, contos, curtas e ligeiras ficções e ainda romances, segundo a fórmula pessoal destes dois escritores, houve aqui fartura deste 1883 até o rápido esgotamento dessa fórmula pelos anos de 90, quando ela se não procrastinou em exemplares inferiores que importunamente ainda a empregavam. Obras realmente notáveis e vivedouras, ou sequer estimáveis, bem poucas produziu, e nomes que mereçam historiados são, acaso, apenas três: Aluísio de Azevedo, Júlio Ribeiro e Raul Pompeia.
Além de haver formulado estes fiéis discípulos, e muitos outros somenos, atuou o naturalismo aqui, como fica atrás verificado, modificando e atenuando em romancistas como Franklin Távora e Taunay e nas nossas letras em geral, as feições e os excessos do Romantismo. Resultou em visão mais clara das coisas, observação mais sincera e expressão em suma melhor.
Aluísio de Azevedo nasceu no Maranhão em 14 de abril de 1857 e veio a morrer como cônsul do Brasil em Buenos Aires em 31 de janeiro de 1913. Como tantos dos nossos escritores, com insuficientes letras lançou-se no jornalismo, que, as dispensando, é uma boa escola de escrita corrente e fácil. O seu primeiro livro foi um romance, na pior maneira romântica, Uma lágrima de mulher (Maranhão, 1880). Logo depois enveredou pelo caminho que lhe antolhava o naturalismo, conservando, contudo, ressaibos daquela moda. Quando apareceu o seu segundo livro, outro romance, O Mulato (Maranhão, 1881), onde, ao jeito da nossa estética, era estudado o caso do preconceito de cor na província natal do autor, protraía-se ainda o Romantismo nos romances sempre lidos de Alencar e Macedo e de Bernardo Guimarães, ainda vivo. Como tipos de transição entre as duas correntes literárias, romântica e naturalista, haviam aparecido desde 1870 Taunay e Franklin Távora, para não citar senão os que fizeram obra mais considerável. Estreando-se no romance em 1872, com a Ressurreição, eximira-se Machado de Assis quase completamente do Romantismo, sem cair, porém, no que ao seu claro engenho lhe parecia o engano do naturalismo. Ele de fato nunca pertenceu a escola alguma, e através de todas manteve isenta a sua singular personalidade literária.
Não obstante a sua procedência provinciana, teve O Mulato o mais simpático acolhimento do Rio de Janeiro e do país em geral. A novidade um pouco escandalosa que trazia, ajudada demais do cansaço, de fórmula romântica, foi grata ao nosso paladar enfastiado do romanesco dos nossos novelistas, e pouco apurado para saborear as finas iguarias do Brás Cubas, de Machado de Assis, publicado em 1881. A gente habituada ao despejado naturalismo, mesmo cru realismo das discussões políticas e brigas jornalísticas, aqui sempre descompostas ambas, e mais à proverbial licença da nossa conversação, a maneira zolista devia forçosamente de agradar.
Passando-se da terra natal para o Rio de Janeiro, continuou Aluísio de Azevedo a obra encetada com O Mulato, e continuou aperfeiçoando-se, o que de comum não tem sucedido nas nossas letras, onde, como já fica notado, não são poucos os autores cujos melhores livros são justamente os primeiros. Aluísio de Azevedo não só reformou O Mulato, melhorando-lhe em nova edição a composição e o estilo, mas, não obstante a boêmia que por um resto anacrônico do Romantismo ainda praticou, pôs sério empenho de aperfeiçoamento na obra subsequente. Os romances A casa de pensão (1884), O Homem (1887), O Cortiço (1890), confirmaram o talento afirmado no Mulato e asseguraram-lhe na nossa literatura o título de iniciador do naturalismo e do seu mais notável escritor.
O principal demérito do naturalismo da receita zolista, já, sem nenhum ingrediente novo, aviada em Portugal por Eça de Queirós e agora no Brasil por Aluísio de Azevedo, era vulgarização da arte que em si mesmo trazia. Os seus assuntos prediletos, o seu objeto, os seus temas, os seus processos, a sua estética, tudo nele estava ao alcance de toda a gente, que se deliciava com se dar ares de entender literatura discutindo de livros que traziam todas as vulgaridades da vida ordinária e se lhe compraziam na descrição minudenciosa. Foi também o que fez efêmero o naturalismo, já moribundo em França quando aqui nascia.
Não seria, porém, justo contestar-lhe o bom serviço prestado, tanto aqui como lá, às letras. Ele trouxe à nossa ficção mais justo sentimento da realidade, arte mais perfeita da sua figuração, maior interesse humano, inteligência mais clara dos fenômenos sociais e da alma individual, expressão mais apurada, em suma uma representação menos defeituosa da nossa vida, que pretendia definir. Dos que aqui por vocação ou mero instinto de imitação, demasiado comum nas nossas letras, seguiram o naturalismo e se nele ensaiaram, o que mais cabalmente realizou este efeito da nossa doutrina literária foi Aluísio de Azevedo, com uma obra de mérito e influência consideráveis, qual a daqueles seus quatro romances, aos quais podemos juntar o último que escreveu, o Livro de uma Sogra. Este, aliás, não é mais plenamente naturalista, e a sua execução lhe saiu inferior à dos primeiros. O resto de sua obra, de pura inspiração industrial, é de valor somenos.
Foi também naturalista de escola, mais talvez por amor da sua novidade e voga que por sincera simpatia com ela, Júlio Ribeiro, no seu único romance dessa fórmula, A carne (São Paulo, 1888).
Júlio César Ribeiro, filho de norte-americano com brasileira, nasceu em Minas Gerais aos 16 de abril de 1845 e faleceu em São Paulo, onde exerceu a sua atividade literária, em 1 de novembro de 1890. Como é aqui muito comum, era autodidata, votado por natural inclinação aos estudos linguísticos. De atividade dispersiva e índole móbil, acaso trêfega, foi cumulativamente professor de línguas, jornalista, polemista, pondo nestes dois ofícios grande ardor e até veemência. Além dos antigos , necessários à sua educação filológica, estudou ou simplesmente leu desordenadamente os modernos, sobre todos os moderníssimos, sem talvez os meditar bastante. De seu natural ardoroso, alvoroçou-se com as mais frescas novidades intelectuais. O melhor fundamento da sua reputação é a sua Gramática Portuguesa (São Paulo, 1881), um dos mais notáveis produtos da nossa copiosa literatura do gênero. Com suficiente saber e inteligência do assunto, há talvez nessa obra demasiado e quiçá indiscreto entusiasmo pelas últimas novidades glotológicas e pelos seus inventores. Da mesma especialidade publicou também Júlio Ribeiro outros estudos. A sua obra propriamente literária cifra-se, porém, naquele romance e no que o precedeu Padre Belchior de Pontes (Campinas, São Paulo, 1876-1877, nova edição, Lisboa, 1904). Chamou-lhe ele de "romance histórico original", mas a despeito do aparato de erudição de que o cercou, e de serem históricos fatos, episódios e algumas principais personagens bem como o protagonista, ainda o é menos que os de Alencar ou Macedo. Nada no livro nos dá a ilusão da época e do meio romanceados, antes pelo contrário. Padre Belchior de Pontes, não obstante a afetação de ciência, afetação que na Carne sedes desmandaria até ao ridículo, não obstante maior objetividade de inspiração e da representação romanesca, era ainda uma pura novela romântica, canhestramente composta. Não tem sequer este romance as excelências de expressão que imaginaria encontrar num gramático profissional quem não soubesse que por via de regra são os gramáticos mofinos escritores.
O modernismo teve em Júlio Ribeiro, como fica insinuado, um dos seus fervorosos adeptos. Seguindo, menos acaso e inspiração que por enlevo da novidade, então muito festejada, a corrente do romance naturalista, escreveu A carne nos mais apertados moldes do zolismo, e cujo título só por si indica a feição voluntária e escandalosamente obscena do romance. Salva-o, entretanto, de completo malogro o vigor de certas descrições. Mas A carne vinha ao cabo confirmar a incapacidade do distinto gramático para obras de imaginação já provada em Padre Belchior de Pontes. É, como dela escrevi em 1889, ainda vivo o autor, o parto monstruoso de um cérebro artisticamente enfermo. Mas ainda assim no nosso mofino naturalismo sectário, um livro que merece lembrado e que, com todos os seus defeitos, seguramente revela talento.
É do mesmo ano de A Carne, O Ateneu de Raul Pompeia. Nascido em 12 de abril de 1863 e falecido a 25 de dezembro de 1895. Raul d'Ávila Pompeia escreveu este romance ainda em começo da juventude. Inexperiente na vida, com aquela "vigorosa ignorância que faz a força da mocidade", de que fala Brunetière, mais com a impressão forte, como seriam todas em a sua natureza excitável e vibrátil, das novas ideias e pressentimentos que alvoroçavam a mocidade do tempo, Raul Pompeia deu no Ateneu a amostra mais distinta, se não a mais perfeita, do naturalismo no Brasil. Ao contrário dos seus dois principais êmulos nessa moda literária, Aluísio de Azevedo e Júlio Ribeiro, que, achegando-se demasiado ao seu figurino francês, sacrificaram-lhe a originalidade que acaso tinham, Raul Pompeia, com dotes de pensador e de artista superiores aos dois, não perdeu a sua. O seu romance é mais original e o mais distinto produto da escola aqui, sem ser tão bem composto como os melhores de Aluísio de Azevedo. Pelo Desenvolvimento, volume e ainda qualidade de sua obra, este ficaria, entretanto, e como tal é considerado, o principal representante indígena da escola. No que decididamente os sobreleva a todos Raul Pompeia é, não só na maior originalidade nativa e na distinção, sob o aspecto artístico, do seu único romance, mas ainda no talento superior revelado na abundância, roçando acaso pela demasia de ideias e sensações não raro esquisitas e sempre curiosas, que dão ao seu livro singular sainete e pico. Nesse livro, porém, que tantas promessas trazia e tantas esperanças despertou, parece se esgotou todo o engenho do malogrado escritor e espírito brilhantíssimo.
Não houve no Brasil, como não houve em parte alguma, poesia a que se possa chamar de naturalista no mesmo sentido em que se fala de romance, e ainda de teatro, naturalista. É que não existe poesia sem certa dose de idealismo, incompatível com tal naturalismo. Enganavam-se redondamente, como ao tempo lhes mostrou Machado de Assis, os imitadores indígenas de Baudelaire que nas Fleurs du mal buscavam justificação do seu realismo ou naturalismo. E a sua inteligência os condenou à imitação pueril e falha.
A poesia brasileira contemporânea da romântica naturalista foi, como ficou averiguado, o parnasianismo, e, com manifestações minguadas e somenos, a alcunhada poesia científica, que de poesia só teve o exprimir-se em versos, geralmente ruins.
Influiu de fato o modernismo na poesia com a sua inspiração científica e filosófica, produzindo isso que aqui se denominou de "poesia científica", o que é de si mesmo uma contradição, enquanto as verdades científicas se não fizerem sentimento na alma do poeta. Pôr em versos, ainda excelentes – o que aliás nunca aconteceu – noções científicas ou ideias filosóficas é retrogradar à poesia didática, coisa que de poesia só tem o nome. Já vimos que não deu aqui nada de si, e nada deixou por que sequer mereça lembrada, senão como um fato, aliás insignificante, da nossa evolução literária.
Desde 1879, Machado de Assis, no escrito citado, verificava que "a poesia subjetiva chegara efetivamente aos derradeiros limites da convenção" e simultaneamente a influência das ciências modernas que deram à mocidade "diferentes noções das coisas e um sentimento que de nenhum modo podia ser o da geração que os precedeu".
Com estas noções mais sofregamente bebidas que cabalmente assimiladas, entraram a impressionar a nossa imaginação e faculdades poéticas, Teodoro de Banville, Baudelaire, Leconte de Lisle, os poetas do Parnasse contemporain, e, ainda e sempre, Victor Hugo, o Hugo da Légende des siècles (1859-77-83), o vate social e político. Simultaneamente as impressionaram os poetas portugueses da reação coimbrã contra Castilho e o ultrarromantismo, em que demoradamente agonizava, sob o patrocínio deste extraordinário versejador, a poesia portuguesa: João de Deus, Teófilo Braga, Antero de Quental, Guerra Junqueiro.
Ao contrário do que superficialmente se pensa, as influências intelectuais europeias nunca demoraram menos de vinte anos a se fazerem aqui sentir. Banville e Baudelaire apareceram com as suas obras típicas em 1857, aquela revista de poesia publicou-se de 1865 a 66, e os poetas portugueses que nos traziam o eco do movimento das ideias, que havia pelo menos cinco lustros abalavam os espíritos europeus, eram todos do decênio de 60.
Ao feitio poético que no Brasil correspondeu ao naturalismo no romance, e que de parte modalidades diversas e indefiníveis de inspiração se caracterizou pela preocupação da forma e pela maior abstenção da personalidade do artista, chamou-se de parnasianismo. Naturalismo e parnasianismo são ambos filhos daquele movimento. Mesmo em França, a denominação de parnasianismo é arbitrária. Não houve propriamente ali escola parnasiana. A não ser o do trabalho exterior, do lavor do verso, nenhum vínculo de sentimento ou inspiração comum liga os poetas que, reunidos em torno de Leconte de Lisle, colaboravam no Parnasse contemporain, do qual lhes veio a alcunha. O único que com ele tinha alguma analogia era José Maria Heredia.
A forma rigorosa, impessoal, impassível, em que se quis ver a marca da escola – desmentida aliás mesmo em França, por alguns dos seus mais distintos alunos, como Coppée – se não coadunava com o lirismo português e brasileiro, ambos essencialmente feitos de sentimentalidade e de personalismo, ambos muito pessoais. Em Portugal, mais ainda que no Brasil, não houve nunca verdadeiros parnasianos, segundo o conceito comum do parnasianismo, se não o forem os seus árcades do fim do século XVIII.
Transplantado para o Brasil, o parnasianismo francês modificou-se sensivelmente sob a ação das nossas idiossincrasias sentimentais, da nossa fácil emotividade e das tradições da nossa poesia. A impersonalidade e sobretudo a impassibilidade não vão com o nosso temperamento. São dos anos de 70 as primeiras manifestações do parnasianismo na nossa poesia. Foram talvez as Miniaturas de Gonçalves Crespo a sua primeira manifestação. Publicadas em 1871, com poemas de 69 e 70, traziam sob o nome do poeta a menção "natural do Rio de Janeiro". Brasileiro de nascimento e mestiço, também de temperamento, de intenção, e, o que é mais, de sentimento, era o autor genuinamente brasileiro. Os seus deliciosos poemas, porém, de parnasianos apenas tinham o escrúpulo da fatura. Muitos livros de versos publicaram-se aqui no decênio de 70 a 80: Falenas e Americanas, de Machado de Assis; Névoas matutinas e Alvoradas, de Lúcio de Mendonça; Flores do campo, de Ezequiel Freire; Telas Sonantes, do Sr. Afonso Celso; Sonetos e rimas, de Luís Guimarães Júnior, e outros. Distingue estas coleções de poemas maior abundância de temas objetivos, uma notável diminuição na sentimentalidade e subjetivismo, acaso excessivos, dos românticos e, sobretudo, um mais esmerado trabalho de forma. Algumas delas, como as de Machado de Assis e Luís Guimarães Júnior, já traziam, sob este aspecto, distinta excelência. Estes dois poetas, porém, desde os seus primeiros versos se mostravam, mais do que era aqui comum, cuidadosos da forma.
A inspiração romântica tão consoante com a nossa índole literária, como é de ver, se não desvanecera totalmente ao influxo da nova poética. Não só é ainda visível naqueles poemas mas em dois novos poetas que por esse tempo apareceram, o Sr. Alberto de Oliveira, que viria a ser talvez o mais típico dos nossos parnasianos, e o malogrado Teófilo Dias. Tanto as Canções românticas do primeiro, como a Lira dos verdes anos e os Cantos tropicais do segundo são de 1878, e em ambos, de mistura com a toada geral do nosso lirismo romântico, há claros toques da nova poética. A estas diversas coleções seguiram-se as Sinfonias (1883) e Versos e versões (1887), de Raimundo Correia, as Meridionais, do Sr. Alberto de Oliveira, as Contemporâneas, do Sr. Augusto de Lima e, finalmente, em 1888 as Poesias do Sr. Bilac, que ficariam como talvez o mais acabado exemplar do nosso parnasianismo, tanto pelas qualidades formais como de inspiração. Não vale a pena citar mais: uns, embora com estro, apenas ocasionalmente foram poetas, outros não o souberam ser com virtudes tais que mal decorrido um quarto de século não ficassem de todo esquecidos. Como felizmente passara a época em que os nossos poetas morriam moços, estão, Deus louvado, vivos esses e outros seus imediatos sucessores, dos quais alguns têm um nome e um lugar na poesia brasileira. Acode naturalmente o do Sr. Luís Murat, estreado nesta época com muito ruído, aplauso, abundância e brilho e que assim poetou até há pouco. O Sr. Luís Murat, porém, apenas parcialmente pertence a esta fase poética, pois ao contrário dos poetas que a assinalam, seus contemporâneos e companheiros, tanto a sua inspiração como a sua maneira refletem notavelmente, não obstante meras aparências de novidades, a poética anterior. É como ele, embora de feição muito diferente, mais romântico que parnasiano, o Sr. Melo Morais Filho, o poeta dos Cantos do Equador. Com o propósito de nacionalismo voltou ao indianismo, repetindo com muito menos engenho a Gonçalves Dias.
Dos citados poetas, dois dos mais estimados vinham do Romantismo, do qual ainda conservam ressaibos Machado de Assis e Luís Guimarães Júnior. Machado de Assis, que desde o princípio se distinguira pela arte excelente dos seus versos, apenas a teria apurado mais com o advento do parnasianismo. Mas nele os efeitos da nova poética e das correntes que a originaram só são manifestos na sua última coleção, as Ocidentais. Luís Guimarães Júnior, que ia pelos trinta anos, o que é aqui quase a velhice para um poeta, fora desde os seus primeiros versos (Corimbos, 1869) versificador esmerado. Sofrendo a impressão da nova moda, não foi só a sua versificação que se aperfeiçoou, mas toda a sua expressão poética, e os Sonetos e Rimas (Roma, 1880) são, sob este aspecto, um dos mais distintos livros da nossa poesia e não sei se não também um dos melhores exemplares do parnasianismo à francesa aqui. O seu lirismo, de qualidades muito nacionais, não sofreu modificação essencial do parnasianismo e por muitos rasgos ele continuou com originalidade e sentimento próprios, e melhor expressão, os poetas das últimas gerações românticas. Mas poemas como História de um cão, Satanás, A esmola, A morte de águia, revelam a ação do novo pensamento que influía a poesia. A distinta arte do verso fazia-o um dos corifeus da sua renovação aqui.
Pelo mesmo tempo começou a aparecer com maior reputação e lustre o nome de Luís Delfino, que talvez desde os anos de 50 se vinha lendo sob versos publicados em diversos periódicos. Luís Delfino dos Santos é uma das figuras mais curiosas, mais extraordinárias até da nossa poesia. Era de Santa Catarina, onde nasceu em 25 de agosto de 1834, o que o faz da geração dos segundos românticos, quase todos nesse decênio nascidos. Formou-se em medicina no Rio de Janeiro, onde se deixou ficar clinicando e onde faleceu a 30 de janeiro de 1910.
Desde muito jovem até às vésperas de morrer, com setenta e seis anos, poetou constante e despreocupadamente, sem esforço, sem presunção, acaso sem maior afeto e certamente sem paixão pela sua habilidade poética. A poesia foi-lhe antes um hábito contraído na mocidade e continuado pelo resto da vida que um ofício, ou sequer uma ocupação literária. Sendo o mais copioso poeta que jamais tivemos, e não raro um dos mais excelentes, não deixou entretanto um livro de versos, em terra onde todo o versejador se precipita em pôr em volume os seus. Como certamente lhe não teriam faltado oportunidades de o fazer, pois além da posição social que alcançou, era abastado, pode-se ver nesta sua negligência ou uma singular indiferença pela sua arte ou uma peregrina forma de faceirice literária. Tanto pela qualidade da sua ideação, como pela da sua expressão, Luís Delfino motivadamente impressionou os poetas que, quando ele começava a envelhecer, entravam a despir-se do Romantismo. Ainda com as qualidades comezinhas do nosso lirismo, e a sua, mais que voluptuosidade, lascívia, mostrava-se ele mais esquisito e mais requintado. Trazia maior riqueza, maior variedade, maior novidade de imagens, expressas em formas menos vulgares. Sente-se-lhe, entretanto, a rebusca, o que não era para lhe desafeiçoar os moços que pospunham o espontâneo da inspiração ao caprichoso do lavor artístico. Nesta rebusca cai frequentemente no extravagante do pensamento e no anfiguri da expressão. A relativa serenidade do seu estro, contido nas suas naturais exuberâncias indígenas pela feição do poeta ao requinte da expressão, o seu amor da bela forma, o seu menos absorvente subjetivismo, o seu ar mais de refinado galanteador que de apaixonado, libertando-o dos mais comuns vícios da nossa poesia de então, estremaram Luís Delfino dos últimos românticos. Na voga do parnasianismo aqui, e não no seu início, foi que o nome de Luís Delfino saiu da penumbra em que se vinha fazendo desde aqueles anos, para ser reconhecido e proclamado pelos poetas da nova geração como um dos seus cabeças e por eles celebrado como um mestre de verso. Valia-lhe a predileção, tão contrário aos nossos costumes literários, o afastamento do velho poeta das rodas em que aqueles jovens, que poderiam ser seus filhos, reciprocamente se disputavam a preeminência. De fato ele não lhes era um concorrente. Foram principalmente os seus numerosos sonetos nos moldes da nova poética, alguns realmente belos, que lhe trouxeram ao público o nome, até então pouco menos que obscuro. Até que ponto a importância que mais talvez que o seu engenho lhe deram as circunstâncias, se haja traduzido em influência suficientemente apreciável, não sei dizer. Houve em sua fama, que aliás mal ultrapassou as rodas literárias, muito do que os franceses chamam succès d'estime. Em suma, Luís Delfino foi talvez antes um insigne virtuose do verso do que um grande poeta, como liberalmente chegaram a chamar-lhe.

No decênio de 70 a 80 repetiu-se em São Paulo o que ali sucedera de 50 a 60: um grupo de moços estudantes da respectiva Faculdade de Direito, amigos das letras, particularmente da poesia e entusiastas das "ideias modernas", tomaram a frente do movimento poético. Desse grupo, donde todos mais ou menos poetavam, saíram alguns dos melhores, poetas desta fase, nomeadamente além dos Srs. Augusto de Lima e Olavo Bilac, ainda felizmente vivos, sem falar dos que ficaram em estreias, Teófilo Dias e Raimundo Correia.
Nesse grupo, a poesia, sofrendo embora as influências do pensamento moderno, não exorbitava da sua natureza. Mantinha-se entre o nosso lirismo tradicional e a nova poética, oriunda dos parnasianos franceses. Misturava-lhes aliás Baudelaire, que não chegou a entender, e continuava a admirar e imitar Hugo. Mas em suma, com menos corriqueira inspiração, certas novidades de pensamento e, sobretudo, expressão mais apurada, é poesia da que dispensa qualificativo. Dos poetas que a iniciaram, e com mais distinção a fizeram, os que, por já falecidos, têm lugar nesta História, são os mais notáveis Teófilo Dias e Raimundo Correia, ambos maranhenses.
Teófilo Dias de Mesquita nasceu em Caxias em 28 de fevereiro de 1857. Era, por sua mãe, sobrinho de Gonçalves Dias. Este próximo parentesco não deixou de ser parte tanto na sua feição poética como no renome que adquiriu. Ele próprio parece se desvanecia, e com razão, dele, e de bom grado se deixava impressionar desta consanguinidade gloriosa. Mais do que a confessada admiração pelo seu ilustre parente, o grande poeta dos Cantos, o feitio do engenho poético de Teófilo Dias lhe revê o afeto e as naturais afinidades. Ele não é só um puro parnasiano, o que, como fica assentado, não tivemos aqui, por o não consentir nem o nosso temperamento nacional, nem a nossa feitura mental. Mais do que em Raimundo Correia, Bilac, Alberto de Oliveira, Augusto de Lima, que do grupo parnasiano de São Paulo e do Rio de Janeiro e pode dizer-se do Brasil, foram os corifeus e os mais distintos poetas, são em Teófilo Dias evidentes os ressaibos do Romantismo, ainda na sua feição, aqui a mais saliente, de nacionalismo. É nestas que se lhe sente o parentesco de Gonçalves Dias. Do seu natural feitio romântico há também indícios no seu vezo romântico da boêmia. A julgar pelas reminiscências dos seus contemporâneos e camaradas, ele foi o último dos nossos boêmios literários à moda romântica, piorada em São Paulo por Álvares de Azevedo e os estudantes literatos do tempo e os seus subsequentes macaqueadores.
A atividade poética de Teófilo Dias vai de 1876, ano em que estreia com a Lira dos verdes anos (Cp. Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo), a 1887, em que publicou a Comédia dos deuses. Entrementes publicara os Cantos tropicais (1878) e Fanfarras (1882). Faleceu a 29 de março de 1889 em São Paulo, onde casara na família dos Andradas, a cuja proteção deveu modesta posição política nessa província. Segundo o comum conceito do parnasianismo, Teófilo Dias, não obstante haver poetado no melhor período da escola aqui, apenas pelo apuro intencional da forma, abuso do descritivo e outras particularidades e feições de virtuosidade, será um parnasiano. De parte tais feições, é ainda um romântico modificado, atenuado pelo "pensamento moderno", que nele influiu mais do que nos seus camaradas de geração. Mostra-o notavelmente a sua Comédia dos deuses, poema confessadamente calçado no Aasvero, de Edgard Quinet, sem quase nenhuma invenção essencial de fundo e de expressão. Esta é aliás em Teófilo Dias mais rica do que naqueles. Mas não tal que lhe tenha sobrelevado o estro até uma obra de vida e beleza duradoura. É, entre os poetas da mesma grei, talvez o menos vivo.
Ao contrário, vive de uma vida ainda muito prezada e que não parece deva extinguir-se breve, o seu companheiro Raimundo Correia. Este delicioso poeta nasceu a bordo de um vapor, em águas do Maranhão, aos 13 de maio de 1860. Valetudinário, de um nervosismo doentio, que aliás mal se revela em seus poemas ou apenas se vislumbra no tom de melancolia e desalento que é talvez o seu mais íntimo encanto, em extremo sensitivo, encontrou nas suas mesmas condições físicas e morais o melhor do seu estro. Filho de um magistrado do velho feitio, que até nos aspectos exteriores punham a gravidade profissional do seu estado, severamente educado numa família rigorosamente católica, e ele próprio magistrado, Raimundo Correia, não obstante a perda das crenças paternas e a deletéria influência da seródia boêmia dos poetas estudantes de São Paulo, conservou, com o fundo de tristeza que lhe era congenial, a sua honestidade nativa e uma intemerata alma de poeta idealista e intimamente romanesco. Como todos os nervosos da sua espécie, era um desconfiado e um tímido. De todas estas suas feições pessoais há vestígios na sua poesia, e foi a consubstanciação perfeita do seu estro com o seu temperamento que, apesar do seu apego às fórmulas da poética parnasiana, fez dele talvez o mais comovido e por isso mesmo o mais interessante poeta da sua geração. Sem maior originalidade (e a falta de originalidade é talvez o mais visível defeito da nossa geração parnasiana) tem, como nenhum dos seus confrades, um raro e particular dom de assimilação com que soube transubstanciar em próprias emoções alheias, emprestando-lhes um sentimento mais profundo e uma expressão mais intensa e mais formosa. Os temas dos seus dois mais belos e mais justamente afamados poemas As pombas e mal secreto não lhe pertencem, mas nem por isso esses admiráveis sonetos são menos seus, tantos ele lhes recriou e ressentiu o sentimento original e tão formosamente os afeiçoou consoante com a sua índole poética. Não só pelo seu real talento poético e peregrinas qualidades da sua expressão foi Raimundo Correia um dos maiores dos nossos poetas de após o Romantismo, mas também porque foi de todos eles aquele em que o apuro, mesmo a rebusca da forma, não prejudicou nem a ingenuidade do sentimento, nem a sua expressão natural, nem tampouco a essência do nosso lirismo tradicional. Com menores aptidões verbais que os seus êmulos, ele entretanto os excedeu a todos em propriedade, singularidade e beleza de expressão poética. Raimundo Correia morreu em Paris, a 13 de setembro de 1911.
Em Pernambuco, também no meio escolar se operou paralela mas não igual renovação poética. Em São Paulo, o "pensamento moderno", ou diretamente ou mediante os parnasianos franceses, influía os estros poéticos sem os desviar enormemente dos domínios e da expressão própria da poesia. Eram "novos", mais ficavam poetas. O contrário sucedia em Pernambuco. Ao influxo de Tobias Barreto, dos repetidos e impertinentes apelos à Ciência, à Filosofia, ao Pensamento Moderno (tudo com maiúscula), em uma palavra, do cientificismo, como barbaramente se chamou a esta presunção de ciência, nasceu o propósito desta coisa híbrida e desarrazoada que apelidaram de poesia científica. Não deu aliás senão frutos pecos ou gorados ainda em flor. Poesia científica é incongruência manifesta. Que a ciência, influindo a mentalidade humana e aperfeiçoando-a consoante as suas soluções definitivas, ou os seus critérios, possa acabar por atuar também o sentimento humano, é uma verdade psicológica de primeira intuição. Não o é menos que o sentimento assim feito possa comover-se conformemente com os motivos que o produziram ou segundo a emotividade resultante de determinações daquelas soluções a critérios. Se for cabal a conversão da noção em sentimento, se este já for bastante intenso, poderá a sua expressão corresponder-lhe à intensidade e ser, pois, do ponto de vista estético, legítima e bela. Mas para que isto aconteça, cumpre seja completa e perfeita a transformação da ideia em sentimento íntimo capaz de expressão artística, subjetiva. Senão será uma pura emoção sentimental, cuja expressão poética dispensa qualificativo ou, o que foi a nossa "poesia científica", uma aberração de pseudopoetas e pseudocientistas, um efeito de moda ou uma ocasião oratória. Poesia, como arte que é, é síntese, uma síntese emotiva. Limitando-se os nossos poetas científicos a versejar noções, princípios, conhecimentos científicos, e mais nomes do que coisas, resvalavam à poesia didática, de ridícula memória.
Tobias Barreto, o principal causador, pelo seu ensino todo imbuído de "cientificismo", desta suposta poesia, mas muito mais poeta que os seus discípulos, não caiu tão em cheio como estes no engano para o qual tanto concorreu. Quem principalmente a apadrinhou foi Martins Júnior, poeta em que era maior o fogo juvenil que o estro.
José Isidoro Martins Júnior nasceu no Recife em 24 de novembro de 1860, e faleceu no Rio de Janeiro em 22 de agosto de 1904. Desde os bancos da Faculdade de Direito, onde se formou, foi um espírito agitado das ideias mais adiantadas, das opiniões mais recentes, de entusiasmos fogosos, tudo traduzido em manifestações e gestos de orador. Prodigalizava-se em discussões, palestras, escritos do efêmero jornalismo escolar, discursos e versos, num movimento infatigável do seu temperamento caloroso e impulsivo. Desde 1879 publicou folhetos de direito, filosofia, literatura, e os seus primeiros versos, com o título intencionalmente expressivo de Estilhaços, As visões de hoje (1881), republicadas, refundidas cinco anos depois, são o seu livro principal. Foi aí que fez e propagou a "poesia científica" em poemas que eram a condenação do gênero como esse da Síntese científica, do qual só estes versos bastavam para o desmoralizar definitivamente: 
Mas só Comte
Pôde, estoico, escalar o alevantado monte
No píncaro do qual via-se a neve branca
Da nova concepção do mundo reta e franca!

Deixando embaixo Kant, Simon, Burdin, Turgot,
Newton e Condorcet e Leibnitz, – voou
Ele para as alturas mágicas da glória,
Após ter arrancado ao pélago da História
A vasta concha azul da Ciência Social!

E mais é que houve quem tomasse a sério estas infantilidades, e só como tais perdoáveis, de rapaz de escola!
Acompanharam-no, com efeito, outros moços tão pouco reflexivos e tão pouco poetas como ele. Apenas menos declaradamente seguiu a corrente, a que afluíam também caudais da Lenda dos séculos, de Victor Hugo, e da Visão dos templos, do Sr. Teófilo Braga, o Sr. Sílvio Romero (Cantos do fim do século, Rio de Janeiro, 1878). Pelo nome que justamente adquiriu nas nossas letras, e pela sua mesma obra poética desta errada tendência, foi talvez o Sr. Sílvio Romero o mais considerável destes poetas. Sem nenhuma superioridade, mas também sem tamanha insuficiência quanto lhe assacaram, versificou noções científicas, pensamentos filosóficos, conceitos históricos, opiniões sociais com maior ardor que sucesso. Esta poesia científica de que Martins Júnior se fizera o arauto (Poesia científica, Recife, 1883), e que poucos mais cultores teve além dele e do Sr. Sílvio Romero, e nenhum certamente credor de estimação, era ainda, por muitos aspectos, um remanescente do condoreirismo. Acabada a guerra do Paraguai e esgotado um dos principais estimulantes desta maneira poética, exatamente quando novas ideias científicas e filosóficas nos chegavam da Europa e começava aqui ao menos o momento de cândida fé na ciência que durou até há pouco, foi esta, por isso mesmo que pouco sabida, que alvoroçou a mocidade.
É este o grande mal da literatura brasileira: que por circunstâncias peculiares à nossa evolução nacional, ela tem sido sobretudo, quase exclusivamente até, feita por moços, geralmente rapazes das escolas superiores, ou simples estudantes de preparatórios, sem o saber dos livros e menos ainda o da vida. Ora a literatura, para que valha alguma coisa, há de ser o resultado emocional da experiência humana. A nossa tem principalmente sido uma literatura de inspiração e fundo, mais livrescos que vividos.

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