Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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O movimento de ideias que antes de
acabada a primeira metade do século XIX se começara a operar na Europa com o
positivismo comtista, o transformismo darwinista, o evolucionismo spenceriano,
o intelectualismo de Taine e Renan e quejandas correntes de pensamento, que,
influindo na literatura, deviam pôr termo ao domínio exclusivo do Romantismo,
só se entrou a sentir no Brasil, pelo menos, vinte anos depois de verificada a
sua influência ali. Sucessos de ordem política e social, e ainda de ordem
geral, determinaram-lhe ou facilitaram-lhe a manifestação aqui. Foram, entre
outros, ou os principais: a guerra do Paraguai, acordando o sentimento
nacional, meio adormecido desde o fim das agitações revolucionárias consequentes
à Independência, e das nossas lutas o Prata; a questão do elemento servil,
comovendo toda a nação, e lhe despertando os brios contra a aviltante
instituição consuetudinária; a impropriamente chamada questão religiosa,
resultante de conflito entre as pretensões de autonomia do catolicismo oficial
e as exigências do tradicional regalismo do Estado, a qual alvoroçou o espírito
liberal contra as veleidades do ultramontanismo e abriu a discussão da crença
avoenga, provocando emancipações de consciências e abalos da fé costumeira; e,
finalmente, a guerra franco-alemã com as suas consequências, despertando a
nossa atenção para uma outra civilização e cultura que a francesa, estimulando
novas curiosidades intelectuais. Certos efeitos inesperados da guerra do
Paraguai, como o surdo conflito que, apenas acabada, surgiu entre a tropa demasiado
presumida do seu papel e importância e os profundos instintos civilistas da
monarquia, não foram sem efeito neste momento da mentalidade nacional. Também a
Revolução Espanhola de 1868 e consequente advento da República em Espanha, a
queda do segundo império napoleônico e imediata proclamação da república em
França, em 1870, fizeram ressurgir aqui com maior vigor do que nunca a ideia
republicana, que desde justamente este ano de 70 se consubstanciara num partido
com órgão na imprensa da capital do império. Esta propaganda republicana teve
um pronunciado caráter intelectual e interessou grandemente os intelectuais,
pode dizer-se que toda a sua parte moça, ao menos. Outro caráter da agitação
republicana foi o seu livre-pensamento, se não o seu anticatolicismo, por
oposição à monarquia, oficialmente católica.
Atuando simultaneamente sobre o
nosso entendimento e a nossa consciência, pela comoção causada nos espíritos
aptos para lhes sofrer o abalo, estes diferentes sucessos produziram um salutar
alvoroço, do qual evidentemente se ressentiu o nosso pensamento e a nossa
expressão literária. Às ideias, nem sempre coerentes, às vezes mesmo
desencontradas daquele movimento, fautoras também nos acontecimentos sociais e
políticos apontados, chamamos aqui de modernas; expressamente de
"pensamento moderno". A novidade que tinham, ou que lhe enxergávamos,
foi principalíssima parte no alvoroço com que as abraçávamos. Na ordem mental
e, particularmente literária, os seus efeitos se fizeram sentir numa maior liberdade
espiritual e num mais vivo espírito crítico.
Foi um dos seus principais
agentes, mormente no norte do país, onde então a vida intelectual, com o seu
centro em Pernambuco, tinha certa atividade, Tobias Barreto, já atrás estudado
como poeta. Eis como o porventura mais inteligente dos seus alunos, o Sr. Graça
Aranha, no estilo com que a nossa gente se escusa a clarificar as próprias ideias
e se embriaga de palavras, lhe diz o feito insigne: "Em 1882, Tobias
Barreto, que os seus condiscípulos não compreenderam e de cuja intensa
reputação ainda se espantam e sorriem, abalava como um ciclone a sonolenta
Academia do Recife. Ele invade a sociedade espiritual do seu tempo como um
verdadeiro homem da sua raça. E o segredo da sua força está na absoluta e
constante fidelidade a esse temperamento, em cuja formidável composição entram
doses gigantescas de calor, de luz e de todas aquelas ondas de vida, que o sol
transfunde regiamente ao sangue mestiço... Tinha a exuberância, a seiva, a
negligência que o fazia estranho a todo o cálculo, mesmo o da sua reputação de
além-túmulo, o prodigioso dom de fantasiar, o fabuliren dos criadores, e mais a impaciência e a temível explosão
da revolta que permanecerá como o traço vivaz do seu caráter. Não houve vaso
que o amoldasse; não conheceu senão os limites inabordáveis da liberdade e os
de extrema irresponsabilidade. Pôde como um sertanejo viver com o povo, foi
descuidado, miserável e infeliz. Cresceu músico e poeta. E mais tarde, quando
lhe chegar a cultura, ela virá na barca fantástica da poesia. E foi pelo
impulso dessa volátil essência do seu temperamento, que Tobias Barreto passou
da arte para a filosofia. O pensador nele é uma modelação do vate. Transportará
para a metafísica, para as ciências biológicas, para o direito, a magia da adivinhação,
o improviso milagroso, a necessidade de idealizar e de imaginar, que é a
poesia. Quase toda a sua ciência, quando não vem da legislação ou da língua, é
feita principalmente da intuição, e os seus vastos descortinamentos, os clarões
que abre, a vida que dá às ideias apenas entrevistas no prisma da sua visão, é
mais a criação do poeta que a lógica do sábio. E nisto foi um homem do seu
tempo e da nossa raça. "É preciso que o sangue corra longamente, durante
séculos, numa infinita descendência, para que o precipitado das forças
originais do nosso espírito seja a idealização científica. O máximo, o que por
enquanto podemos atingir, foi o que nos deu Tobias Barreto, a filosofia através
das cores solares da poesia".
Esta página, aliás bela, é por
mais de um título preciosa. Primeira como documento do nosso gosto do verbo
pelo verbo, quanto mais pomposo e rutilante mais amado, "imensa
reputação", "abalava como um ciclone", "formidável
composição de um temperamento", "doses gigantescas",
"prodigioso dom de fantasiar", "a magia da adivinhação",
"o improviso milagroso", "os vastos descortinamentos", e
tudo mais assim magnificado e exorbitante.
Nunca os máximos pensadores dos
grandes países de alta cultura, um Kant, um Spencer, um Comte lograram ser
assim tão grandiloquamente celebrados pelos seus compatriotas.
Mas é sobretudo precioso este
discurso, porque o próprio vago e ambíguo desta representação de Tobias Barreto
e sua obra revê o incerto e equívoco dessa figura e dessa obra, ainda hoje
ambas mal definidas, graças principalmente aos seus indiscretos panegiristas.
Já vimos em que verdadeiramente lhe consistiu a ação, que, ainda reduzida a
essas proporções, foi todavia considerável, como estímulo e impulso. As nossas
academias ou faculdades superiores foram desde o meio do século passado os
principais focos da nossa atividade literária. Dessa origem lhe virá a fraqueza
dos resultados, a sua imperfeição e inconsistência. A nossa literatura desde o
Romantismo foi principalmente feita por estudantes ou moços apenas saídos das
faculdades, com pouca lição dos livros e nenhuma da vida. Nelas se geraram
quase todos os nossos movimentos, e todas as novidades de ordem mental, como
era natural, acharam nelas terreno adequado, tanto para o joio como para o
trigo. Foi sobretudo mediante os seus alunos do Recife, literariamente
deslumbrados pela facúndia do professor, deslumbramento aumentado da simpatia
que lhes inspiravam os seus hábitos boêmios e alguns dos seus mesmos defeitos,
tudo levado à conta de poesia ou filosofia, que Tobias Barreto influiu na mente
brasileira. Sem outra originalidade, talvez, que a do seu verbo, como ele
desordenado e exuberante, sem nenhum saber científico realmente sólido, agitou,
entretanto, uma porção de ideias novas, pregou ou doutrinou concepções
desconhecidas da maioria, citou, com enfáticos encômios, nomes alemães e russos
de quase todos ignorados, e cujo valor raríssimos podiam verificar, e firme e
desassombradamente proclamou a necessidade de refazermos completamente a nossa
cultura em outras fontes que aquelas onde até aí principalmente bebiam as
portuguesas e francesas. A estas não conseguiu aliás que de todo as
deixássemos, pois nela é que principalmente bebemos ainda. Não foi, porém,
inteiramente perdido o seu reclamo. Concorreu muito para entrar conosco a
dúvida salutar de que as nascentes tradicionais da nossa cultura não seriam as
únicas benéficas, e a curiosidade do nosso espírito se alargou consoantemente.
Basta isso para lhe assegurar um posto proeminente na nossa evolução literária,
ou antes cultural, sem necessidade de lhe exagerarmos o valor da obra.
Esta é a fragmentária e
dispersiva, e não guarda outra unidade que a da inspiração acaso mais lírica
que filosófica do seu gênio e da sua fé, na superioridade da cultura alemã e na
legitimidade da sua hegemonia. Em estilo descomposto como lhe era a vida, numa
forma muito pessoal, e por isso mesmo viva e interessante, com propositada ou
congenial carência daquela urbanidade de que os latinos faziam uma virtude
literária, escreveu dezenas de opúsculos, artigos e ensaios. Teoria literária,
crítica, filosofia, sociologia, religião, direito, psicologia, literatura
comparada, filosofia científica, biologia, história, em suma de omni re scibili, tudo versou neles. Esta
afetação de saber universal, sempre suspeito num puro autodidata, realçado em
verdade por um grande e sincero calor de exposição, em que superabundavam
provas de talento, abalou a mocidade da escola onde professava e por ela boa
parte da mentalidade moça do país. Livro, não publicou em vida mais que os Estudos alemães, coleção de artigos
diversos, e Menores e loucos,
monografia de direito criminal. A maior parte da sua obra saiu póstuma. A sua
ação foi sobretudo oral, a do seu ensino, dos seus discursos, das suas
palestras, e reflexa, operada por intermédio dos seus discípulos. E de fato se
não exerceu e tornou sensível com prioridade que lhe assegure a primazia de
precursor do movimento modernista aqui. Sem falar dos seus anos de estudante no
Recife (1862-1871), em que "cultivou preponderantemente a poesia", a sua
ação útil só verdadeiramente começou com o seu professorado ali em 1882. Os dez
anos anteriores (1871-1881) passara-os ele na pequena cidade pernambucana da
Escada, obscuro e desconhecido. Nesse lugarejo, que não era nenhuma Weimar,
publicou opúsculos em português e alemão. Destes últimos seria ele próprio um
dos raríssimos leitores, porque, segundo nos exprobrava como de uma infâmia,
não havia então aqui mais que umas escassas dezenas de pessoas que lessem essa
língua. Esta excêntrica atividade literária da Escada não teve nenhuma
publicidade e menos repercussão. Só foi lembrada quanto Tobias Barreto se tinha
feito conhecido como professor no Recife e começava a criar prosélitos. Ninguém
que de todo não ignore as condições da nossa vida intelectual, admitirá a
influência de um escritor, por mais genial que o suponhamos, cuja atividade se
exerça esporádica e fragmentariamente em magros folhetos e efêmeros periódicos,
numa cidade sertaneja. Somente em 1882 começou, pois, a ação de Tobias Barreto
a se fazer sentir, e de primeiro exclusivamente no Recife.
Antes disso, porém, desde os
primeiros anos do decênio de 70, e sob as influências notadas, manifestava-se
no Rio de Janeiro o movimento modernista. Foi nos próprios livros franceses de
Litré, de Quinet, de Taine ou de Renan, influenciados pelo pensamento alemão e
também pelo inglês, que começamos desde aquele momento a instruir-nos das novas
ideias. Influindo também em Portugal, criara ali a cultura alemã uma plêiade de
escritores pelo menos ruidosos, como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Joaquim de
Vasconcelos, Antero de Quental, Luciano Cordeiro, amotinados contra a situação
mental do Reino. Além destes, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão vulgarizavam nas
Farpas, com mais petulância e espírito do que saber, as novas ideias. Todos
estes, aqui muito mais lidos do que nunca o foi Tobias Barreto, atuaram
poderosamente a nossa mentalidade. E o movimento coimbrão, como se chamou à
briga literária do "Bom senso e bom gosto", pelos anos de 65, teve
certamente muito maior repercussão na mentalidade literária brasileira do
tempo, do que a pseudo-escola do Recife. Muito mais daquele movimento do que da
influência de Tobias Barreto, derivou a Literatura
brasileira e a Crítica moderna (1880) do Sr. Sílvio Romero, e bem assim os
seus principais estudos da história da literatura brasileira. O positivismo
comtista inaugurava aqui e em São Paulo a sua propaganda, primeiro somente do
aspecto científico da doutrina. Essa pregação convencida, tenaz, teve desde
logo a seu lado, a prestigiá-la, alguns bons sabedores das ciências positivas,
particularmente das matemáticas. E em 1875, estranho a qualquer influência do
excêntrico filósofo da Escada, um velho diplomata, Araújo Ribeiro (visconde do
Rio Grande), publicava no Rio de Janeiro o seu volumoso livro O fim da criação, o primeiro de doutrina
darwinista, se não materialista, escrito no Brasil.
Na mesma década entrou a
instrução pública a ocupar mais seriamente a atenção dos governos e do público.
A Tipografia Nacional tirava em volume as traduções dos livros de Hippeau sobre
o ensino público nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Prússia. Reformava-se,
procurando-se desenvolvê-lo, o Colégio de D. Pedro II, único foco de estudos
clássicos que possuíamos, hoje quase extinto. Criavam-se conferências e cursos
públicos, onde se começaram a agitar as novas ideias filosóficas, científicas e
literárias. Remodelava-se o antigo curso da Escola Central, organizando-se a
Escola Politécnica, acrescentando-se-lhe aos cursos profissionais as duas
importantes seções de ciências físicas e naturais e ciências físicas e
matemáticas. Para reger as novas cadeiras vieram da Europa professores
especiais, como o físico Guignet, o fisiologista Couty, o mineralogista e
geólogo Gorceix, logo depois incumbido da fundação e direção da Escola de Minas
de Ouro Preto, nesse tempo criada. Também o ensino médico foi reformado,
acrescido de matérias e cadeiras novas. A reforma que igualmente sofreram o
Museu e a Biblioteca Nacional determinou maior atividade e mais útil efeito
destas velhas e paradas instituições. O Museu começou a publicar os seus
interessantes Arquivos em cujos três
primeiros volumes (1876-1878) se encontram trabalhos originais de antropologia,
fisiologia, arqueologia e etnografia e história natural de sabedores
brasileiros, Lacerda, Rodrigues Peixoto, Ladislau Neto, Ferreira Pena, e
estrangeiros ao serviço do Brasil, Hartt, Orville Derby, Fritz Muller e outros.
Simultaneamente com os Arquivos do Museu
vêm a lume os Anais da Biblioteca
Nacional, ricos de informações bibliográficas, de eruditas memórias e
monografias interessantes para a nossa história literária e geral. Nos Ensaios de Ciência (1873), Batista
Caetano de Almeida Nogueira funda o estudo das línguas indígenas brasileiras
segundo os novos métodos da ciência da linguagem, recriada pelos alemães,
tirando-o do fantasioso empirismo em que até então andou. Os Estudos da história do Brasil no século XVI
(1880), não obstante o seu exíguo tomo, revelavam no Sr. Capistrano de Abreu
raras capacidades, posteriormente confirmadas por outros trabalhos, para essa
ordem de estudos, aqui também depois da morte de Varnhagen quase que entregues
à pura improvisação. Pelo fim do mesmo decênio, Araripe Júnior, um dos melhores
espíritos deste momento, começara a publicar o seu perfil literário de José de Alencar, uma das obras capitais
da crítica brasileira, e no prefácio da primeira edição, em 1882, declarava que
a reconstituição das suas ideias datava de 1873. No Ceará, donde era e onde
residia Araripe Júnior, formara-se por aquele tempo um grupo literário composto
dele, de Capistrano de Abreu, do malogrado Rocha Lima, de Domingos Olímpio, de
Tomás Pompeu e doutros nomes menos conhecidos, grupo ledor de Spencer, Buckle,
Taine e Comte e entusiasta das suas novas ideias. Esse grupo ficou estranho à
influência da Escada e precedeu de dez anos a do Recife. O José de Alencar, de Araripe Júnior, inspirava-o manifestamente o
critério crítico de Taine, como o Descobrimento
do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI (1883), de Capistrano de
Abreu, o evolucionismo spenceriano. Em 1874, um médico de São Paulo, o Dr. Luís
Pereira Barreto, publicava, sob o título de Três
filosofias, a exposição e discussão, que ficou aliás incompleta, dos três
estados do espírito humano, conforme a doutrina de Augusto Comte. E as questões
históricas, filosóficas, jurídicas, políticas e ainda culturais que se prendem
ao grave tema do poder e autoridade do papa e das suas relações com o século
eram, em 1877, larga e eruditamente discutidas pelo Sr. Rui Barbosa numa
copiosíssima introdução à sua versão para o português da obra alemã do Cônego
Doellinger, O Papa e o Concílio.
Nessa prefação, o Sr. Rui Barbosa revelava, acaso excessivamente, a vastidão da
sua literatura não só francesa ou alemã, mas universal.
Destes fatos não é lícito senão
concluir que a ação de Tobias Barreto, conquanto considerável, não foi tal qual
se tem presumido, e que efetivamente só entrou a exercer-se pelo ano de 1882.
Então já no Ceará e em São Paulo pelo menos, e no Rio de Janeiro, desde o
princípio do século passado o nosso mais considerável centro intelectual,
manifestamente se desenhava o movimento a que tenho chamado de modernismo.
Principalmente reflexa, a ação de Tobias Barreto nesse movimento operou-se
mediante os seus discípulos imediatos, dos quais um ao menos, o Sr. Sílvio
Romero (São Paulo de quem Tobias é o Cristo), teve considerável influência na
juventude literária dos últimos vinte anos do século passado. No empenho, aliás
simpático na sua inspiração, de o exaltarem, inventaram uma "escola do
Recife", da qual o fizeram instituidor. Não viram, como atiladamente nota
o mesmo Sr. Graça Aranha, que "a força singular desse homem estava na
genialidade poética por onde lhe veio a intuição científica e filosófica"
e que "essa genialidade, essa imaginação faltaria aos seus discípulos
porque ela era uma expressão puramente individual e que se não repete...
Extrairiam dos livros e das frases do mestre apenas as fórmulas audazes,
confundiriam a sátira com a seriedade do pensamento, tomariam os vagos
delineamentos por conclusões definitivas e espalhariam numa língua bárbara a
dogmática doutrina para as quais não teriam nem a ciência, nem adivinhação
profética". A "escola do Recife" não tem de fato existência
real. O que assim abusivamente chamaram é apenas um grupo constituído pelos
discípulos diretos de Tobias Barreto, professor diserto e, sobretudo,
ultrabenévolo, eloquente orador literário e poeta facundo, mais do que Tobias
pensador e escritor. Cumpre, aliás, repetir que esse grupo, salvo imigrações
individuais posteriores, restringiu-se ao Norte, donde era a máxima parte de
seus alunos, e mais exatamente a Pernambuco.
Mas ainda reduzida a estas
proporções, que me parecem as verdadeiras, a figura de Tobias Barreto e o seu
papel na nossa literatura, ou mais exatamente na nossa mentalidade, é
relevante. Ele atuou duplamente, primeiro, e acaso principalmente, como
demolidor dos nossos valores mentais que pela sua própria imobilidade se
tornavam um impedimento ao nosso progresso espiritual, depois como uma força de
estímulo e reforma para essa mentalidade. Apontou, se não abriu, caminhos novos
e novas direções à nossa inteligência, criou discípulos em que se lhe
frutificaram os ensinamentos e cuja ação foi considerável, suscitou discussões
e polêmicas com que agitou o nosso meio intelectual, em suma, deu um forte e
útil abalo ao nosso pensamento, como quer que seja no momento inerte. Não foi,
porém, nem um sábio, nem um pensador original ou profundo. O seu darwinismo não
podia ser senão de mera predileção sentimental. Carecendo da instrução
científica, e especialmente biológica, para apreciar idoneamente as doutrinas
de Darwin e seus discípulos ou êmulos, não podia, sem impertinência,
pronunciar-se sobre elas e menos professá-las. Aliás quase todos os nossos
pseudofilósofos evolucionistas, transformistas ou darwinistas o foram, como
ele, de palpite. Um princípio, um conceito, uma ideia sua, não se lhe conhece
naqueles domínios. Não fez de fato senão expor, ao que parece com grande eloquência
professoral, em todo caso, mesmo escrevendo, com grande calor comunicativo, a
arrogância própria para impor, o que em filosofia, em crítica, em literatura,
em direito, faziam os alemães, por cuja cultura se enrabichou com exclusivismo
pouco abonatório do seu espírito crítico. Como a sua pregação, endereçava-se a
um público para quem a Alemanha, sob o aspecto da cultura, era Terra incógnita, e mais um público
principalmente constituído de rapazes tão ignorantes como facilmente impressionáveis,
nada mais fácil do que alcançar foros de oráculo.
O modernismo de que, em todo
caso, foi ele aqui um dos principais fautores, produto de forças heterogêneas,
teve também desencontrados efeitos na ordem literária: na ficção em prosa, deu
o naturalismo, ou melhor favoreceu o advento do naturalismo francês; na poesia
simultaneamente o parnasianismo e a extravagância da chamada poesia científica.
Em outras ordens de atividade, na filosofia, na crítica, em sociologia, em
história, influiu com outros métodos e porventura mais esclarecido
entendimento. Mas também, e em maior número talvez, produziu repetições,
descorados ou desajeitados arremedos do que nesses ramos de conhecimento se
fazia lá fora. Desvairando, porém, a nossa fraca ciência deu lugar ao que
Herculano chamou com propriedade de "gongorismo científico". Acaso o
seu mais útil e notável efeito foi, apesar destas máculas, o desenvolvimento do
espírito crítico. Efetivamente nesta fase da nossa literatura, mais que em
qualquer das que a precederam, se nos depara esse espírito e às vezes da boa
qualidade. Fora, porém, da poesia e do romance, ou da oratória parlamentar,
justamente em plena e brilhante florescência nos últimos anos do Império, não
produziu um conjunto de obras que se possam agrupar sob uma qualificação
particular ou a que una qualquer pensamento ou ideia geral comum. A mais
considerável saída desse movimento, menos aliás por virtudes intrínsecas, que
pelos seus efeitos, e essa produto direto do estilo criado em Pernambuco por
Tobias Barreto, mas concebida e realizada no Rio de Janeiro, é talvez a já
citada História da literatura brasileira
do Sr. Sílvio Romero (1888).
O romance romanesco e nimiamente
sentimental de Alencar, Macedo ou Bernardo Guimarães, quando já o naturalismo
francês não era uma novidade, acabara por, ainda em antes deste movimento,
ceder o passo ao de Taunay, Machado de Assis e Franklin Távora, únicos dos
romancistas sucessores daqueles que fizeram uma obra equivalente à sua. Esta,
porém, salvo no segundo, era ainda, como a dos românticos, intencionalmente
nacionalista, e em
Franklin Távora até propositadamente regionalista. Somente
continuando com o nacionalismo literário, estes e outros que os acompanharam, o
fizeram com atenuação da fórmula romântica dominante. Eles pertencem antes à
última fase do Romantismo. Os verdadeiros naturalistas segundo as receitas
francesas já aviadas em Portugal por Eça de Queirós e seus discípulos vieram
depois, quando esses últimos românticos iam em meio da sua literária, e até quando
o naturalismo entrava já a declinar em França.
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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital
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