Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Laurindo José da Silva Rabelo,
fluminense ou antes carioca, viveu de 8 de junho de 1826 a 28 de setembro de
1864. Menos a educação e a cultura, que, não obstante a sua formatura em
Medicina, parece não terem sido apuradas, havia nele feições de Álvares de
Azevedo. Foi igualmente, talvez desde a puberdade, doente e fraco. De origem e
condição humilde, mulato de raça, a consciência da sua situação, sem a força de
caráter necessária para a contrastar, amargurou-lhe desde cedo a existência que
levou à boêmia, obrigado da necessidade, se não também pelo natural relaxamento
a angariar amizades e proteções da benevolência social, ornando e animando
partidas e festas com o seu estro e as suas facécias, improvisos, glosas,
poesias recitadas ou cantadas à viola, como um aedo ou trovador primitivo, e
mais os ditos que se lhe atribuem. Foi, como nenhum outro, o poeta popular,
mais conhecido em seu tempo pela alcunha de Poeta
lagartixa, tirada de seu corpo escanifrado, que pelo seu nome. Não o roçou
a descrença romântica, como a Álvares de Azevedo e a Junqueira Freire. Não lhe
fugiu, ou sequer se lhe desvaneceu notavelmente a ingênua crença doméstica,
conservada, como é tão comum, por hábito, e nele, poeta de nascença, por
necessidade sentimental. A desventura, o sofrimento, aumentou-lhe, porém, a
tristeza dos da sua geração e exacerbou-lhe a sensibilidade, e como àqueles
criou-lhe a angústia da morte, que atormentava o poeta da Lira dos vinte anos, afligia a Junqueira Freire, a Casimiro de
Abreu e a outros da mesma família literária. Do Rio Grande do Sul, aonde o
levara o seu emprego de médico do exército, escrevia nos formosos tercetos
endereçados ao seu amigo Paula Brito, o bondoso e ingênuo mecenas, tão
mesquinho como os poetas que patrocinava:
Tenho n'alma um cruel pressentimento
(Talvez não mui remota profecia
Que não posso apagar do pensamento!)
Espero cedo o meu extremo dia
E a morte, da pátria tão distante,
É quadro que me abate de agonia!
Das humilhações que ao seu
talento e brio impunha a sua mofina condição, defendia-se com o orgulho com que
se lhe fingia indiferente, mas que às vezes lhe irrompiam ou em gestos
desabridos ou em gritos poéticos verdadeiramente dolorosos e comoventes, porque
vindos d'alma. Tais são: Meu segredo,
Minha vida, A linguagem dos tristes, Não posso mais, Último canto do cisne:
Eu me finjo ante vós, porque venero
O sublime das lágrimas; conheço-as
São modestas vestais, vivem no ermo
Aborrecem festins.............................
.....................................................
Bem fechadas no claustro de meus olhos
Dentro em meu coração hei de contê-las
Guardá-las bem de vós, contentes, hei de
Porque a dor me não traia neste empenho
Zelosa e vigilante sentinela
Em meus lábios trazer constante um riso.
Pungia-o esse tão comum mal secreto, de que um dos nossos poetas devia, duas gerações depois, dizer num soneto modelar. Serviu-lhe grandemente o estro esse mal. Na sua desgraça, de que a sua índole de boêmio e a sua doentia sensibilidade de poeta fizera um real sofrimento, achou motivos de inspiração cuja sinceridade se traduz numa forma comovida e tocante, se não excelente. Esta mesma lucrou da sua existência de poeta popular a simplicidade do sentimento e a singeleza da expressão que lhe dão à poesia um cunho particular e não raro delicioso. O título de Trovas que lhe pôs calha admiravelmente aos seus poemas em que a espontaneidade da inspiração e a ingenuidade do sentimento se não embaraçam de dificuldades e caprichos de expressão. Laurindo Rabelo é um poeta no sentido profundo que o povo dá a este nome. Também nenhum outro dos nossos teve a alma tão perto do povo.
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