1
- O reinado de D. João V fora talvez o mais pernicioso para a monarquia portuguesa.
O fanatismo do rei e a ignorância da corte nem ao menos permitiram que em
proveito da nação se aplicassem as riquezas fabulosas que lhe iam do Brasil.
Ao
falecer, em 1750, deixava o "rei tenebroso", mais ainda exausto de alma
que empobrecido, o povo português. O reinado, que então se inicia, foi uma
reação formidável contra aquele delíquio da raça.
D.
José I era uma criatura perfeitamente medíocre, de todo incapaz de ação, e só
tendo gosto para os regalos e as aventuras escusas. Deu graças quando logo
encontrou um homem a quem entregar o reino.
Começou
o futuro Marquês de Pombal a sua obra com decisão e segurança.
Compreendendo
que as minas do Brasil eram das mais diretas entre as causas da situação em que
se veem o país e os seus domínios, reconheceu o grande ministro a necessidade
de fundar o ressurgimento da monarquia numa sólida reconstituição econômica,
principalmente das colônias, que eram ainda a mais opulenta reserva de forças,
que se havia tido a fortuna de guardar. E isso é claro que só se conseguiria
por um desenvolvimento normal dos próprios recursos, pela criação de indústrias
naturais e sobretudo pela restauração do antigo comércio que dera ao reino os
seus melhores dias.
Pode-se
dizer que se consubstanciava nesses grandes problemas o pensamento com que
Carvalho e Melo assume a direção suprema dos negócios públicos, numa fase em
que já se previa o decrescimento dos proveitos excepcionais das minas do
Brasil, com que tanto se enlevara o longo reinado precedente.
O
grande e louvável fim da sua ambição (diz Southey) era o bem da sua pátria, e a
restauração, ao menos, da antiga prosperidade da monarquia. Ignorância,
superstição, preconceitos rudes e intolerantes, eram os maiores obstáculos que
a seus desígnios se opunham; e aquele que em Portugal tentasse remover
semelhantes males (e de chofre, como entendeu Pombal) contasse como certa com a
oposição do clero (e da nobreza tradicionalista e emperrada).
E
foi isso o que ele planeou realizar.
2
- Mais de cinquenta anos de idade contava quando entrou para o ministério. Os
seus talentos superiores (ainda segundo Southey) depressa lhe valeram o favor
do soberano. Sucessos extraordinários vieram logo por à prova esses talentos. E
o ascendente que assim alcançou sobre o ânimo do Rei permitiu-lhe executar, com
autoridade absoluta, os seus projetos de reforma.
Infelizmente,
não tinha escrúpulos quanto aos meios. Nem lhe fazem decerto injustiça os que o
representam como homem de alta visão, mas sem consciência nem humanidade.
Vendo
o miserável estado em que tudo caíra em Portugal, convenceu-se que era preciso
fazer uma renovação instantânea; e a própria índole o levou a medidas
audaciosas e violentas. Embora dissessem os seus inimigos que ele primeiro agia
e depois é que pensava, o que é certo é que perseverou sempre inflexível nos
seus desígnios.
Possuía
em alta dose o orgulho nacional que distingue os portugueses, e tinha robusta
fé nos seus próprios talentos e força de caráter. "Esses talentos eram
realmente grandes: nem houve jamais quem dele se aproximasse sem sentir a
presença de um espírito potente. Serviu o seu Rei com lealdade e zelo: amou a
sua pátria: e bem lhe iriam todos os encômios se o desejo do bem público
pudesse justificar ações decisivamente más e abomináveis. Nesta falsa escusa,
entretanto, descansava ele com perfeita serenidade, como Sila, mas num retiro
bem diferente, quando o desfavor, o vitupério, e a mágoa de ver derribados os
seus mais sábios planos vieram juntar-se aos males da velhice, da enfermidade e
das dores".
Há
quem julgue "demasiado severo, se não injusto" este juízo. Mas, em relação
a Pombal não há meio de acertar senão assim. Os claros e escuros que se sentem
no desenho da grande figura, são naturais num espírito como Southey, que é a
encarnação viva da inteligência do historiador, e que tem, como qualidade
suprema, o amor e a coragem da justiça.
3
- Da vasta obra do Marquês de Pombal, só o que se refere às colônias, e
particularmente ao Brasil, bastaria para recomendá-lo à admiração dos pósteros,
como sendo, de toda a história dos três séculos coloniais, o homem que mais
clara intuição teve do papel de um legítimo estadista, e sobretudo, quanto a
nós, do que cumpria fazer na América.
Pondo
de parte o que de excepcional houve em muitos dos seus processos (só
explicáveis talvez na situação em que teve de operar) a sua função histórica
foi a de um verdadeiro condutor de povo, e há de merecer a sanção dos séculos.
Não
seria possível negar os seus "grandes defeitos, sendo sobretudo déspota violento",
mas "foi ministro habilíssimo, e prestou os mais relevantes serviços à sua
pátria"...
Entre
as medidas que tomou, relativamente ao Brasil, destacam-se as seguintes: —
"incorporou à Coroa todas as capitanias que ainda tinham donatários, e sem
prejuízo destes; — fomentou a indústria e o comércio; — protegeu a navegação; —
criou a Relação do Rio de Janeiro (em 1751); — defendeu a liberdade dos índios,
e até promoveu (mediante vantagens) alianças conjugais entre portugueses e
indígenas; — iniciou o serviço do ensino primário em todas as capitanias; —
estimulou os brasileiros, nomeando os mais distintos para elevados cargos; —
proibiu que se enviassem, como era de costume, para conventos de Portugal, de
Espanha e de Itália, donzelas brasileiras, cujos pais, por egoísticos cálculos,
ou por excessivo ardor de religião, assim praticavam"; — mudou a sede do
governo do Brasil para o Rio de Janeiro, a fim de "que melhor pudesse
atender às guerras e complicações do Sul; — acabou com a obrigação, imposta aos
navios mercantes, de só em frotas fazerem a travessia do oceano; — deu largo
incremento à construção brasileira, dando preferência aos navios construídos no
Brasil; — regularizou a arrecadação dos impostos; — regulou a extração e o
comércio dos diamantes; — e finalmente (o que constitui a sua maior glória! )
refreou e diminuiu notavelmente os poderes do tribunal da Inquisição, que só do
Brasil arrancara e condenara cerca de quinhentos infelizes de ambos os
sexos".
4
- Um dos nossos historiadores. Matoso Maia, depois de referir os grandes serviços
de Pombal, escreve o seguinte: "São nódoas indeléveis que lhe mancham a glória:
— a repressão sanguinolenta dos tumultos do Porto (em 1757, quando o povo se
levantou contra o monopólio dos vinhos concedido a uma companhia; e o governo
fez disso um crime de lesa-majestade, obrigando os juízes a proferirem vinte e
seis sentenças de morte!); — a
severidade exercida contra os signatários da representação da Mesa do Bem Comum
(os quais reclamavam contra os monopólios concedidos à Companhia Geral do
Comércio do Grão-Pará e Maranhão); — a Carta Régia de 19 de junho de 1761
proibindo a cultura da cana-de-açúcar no Maranhão; — a Carta Régia de 30 de
junho de 1766 proibindo no Brasil as indústrias de ourives, fiadores de ouro,
de linhas de prata, de sedas e algodões tecidos; — a carnificina sob forma
judiciária dos infelizes Távoras e Mascarenhas,
que nem todos tinham tomado parte, com o Duque de Aveiro, no atentado contra o
Rei; — a injusta e cruel perseguição dos jesuítas, que tão grandes serviços
tinham prestado, principalmente no Brasil; — o orgulho desmarcado com que
ostentava o seu poder, persuadido de que acima dele só o Rei. A pesar de todas
essas reservas, é preciso reconhecer, encarando por cima a sua vida, que ele
conseguiu que Portugal parasse por algum tempo no caminho da decadência em que
se ia despenhando".
O
que é indiscutível, no entanto, é que ele ficou até na história como um enigma,
ou melhor, como uma esfinge para a posteridade.
Julgando-lhe
de longe só a função de estadista, não há dúvida, quanto a Portugal, que ele
fez reviver um enfermo; infiltrou sangue novo naquele organismo combalido;
revigorou as instituições, criando serviços novos, proscrevendo velhos
processos e praxes sediças, escarmentando a nobreza e coarctando-lhe os
privilégios. Construiu uma Lisboa nova sobre as ruínas do terremoto. E a sua
influência foi tão vasta e profunda que se projetou por muitos anos além do seu
domínio. Meio século depois da sua queda só havia era Portugal o que ele
deixara.
Resta
saber se mesmo para tudo isso se poderiam legitimar meios que a justiça e a
humanidade condenam. A nosso ver é falso o critério segundo o qual se
sancionam, por algum bem que fazem, as próprias tiranias mais detestadas.
Mas
é cedo ainda para juízos definitivos. Não é bastante a distância de mais de um
século e meio para fixar na consciência do juiz a perspectiva de uma época.
O
mais que os compete, portanto, num caso como este, é registrar os documentos
que se vão apurando.
5
- Mesmo em relação aos domínios americanos, como se acaba de ver, tem a obra de
Pombal as suas incongruências; devendo no entanto, notar-se que os serviços que
lhe devemos são, sem medida, mais consideráveis que os males que lhe possam,
com justiça, ser atribuídos.
Além
das medidas e reformas que já indicamos relativamente ao Brasil, seria
necessário sentir a ação geral deste homem nas coisas da colônia.
Na
seção do Norte, consistiu o empenho do grande ministro em fazer vingar as
Companhias Gerais do Comércio do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e
Paraíba, de que se faz um motivo de acusações contra ele. Obedecia, aliás, a
iniciativa, ao pensamento de promover a restauração econômica do reino,
principalmente pela criação de empresas privilegiadas.
Foram
sem dúvida os exemplos da Inglaterra, e sobretudo da Holanda, que geraram no espírito
do estadista reformador aquela cega confiança em semelhantes instituições.
Quanto
àquela de 1755, que reconstituiu o Estado do Maranhão, é exato que muito se
deve a insistentes representações do governador Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, irmão e um dos maiores auxiliares do ministro. Aliás, desde mais de um
século antes, que se havia cogitado de resolver, pela criação de uma Companhia
Geral do Comércio, o grande problema para o Brasil. Atendendo a instantes
reclamos dos povos, já em 1678 ou 79, contratara o governo da metrópole, com
uma empresa particular, não só a
introdução de escravos africanos, como um serviço regular de tráfico entre as
capitanias daquele Estado e a Europa. E o que é mais para notar é que o
insucesso daquela primeira, e de outras tentativas que se lhe seguiram, não
chegou nunca a dissuadir os povos do Maranhão de que só mesmo uma Companhia
poderosa é que poderia corresponder às necessidades de que todas as colônias se
ressentem. É assim que Mendonça Furtado teve, das próprias populações, a
sugestão da iniciativa que tão esforçadamente defendeu perante a corte.
6
- A Companhia do Grão-Pará e Maranhão, no entanto, não correspondeu, na
prática, às esperanças que a tinham feito nascer. Como todas as outras
tentativas da mesma natureza, caiu logo nas irregularidades e abusos que deviam
malsiná-la.
Em
todo caso, fizera um grande bem, despertando em todo o Estado o espírito de
empreendimento, e pondo era atividade muitas forças que jaziam inúteis. Quando
ela deixou de operar, e se restabeleceu a liberdade de comércio (em 1778), já o
Estado do Maranhão dispunha de recursos próprios para não volver à antiga
penúria, e não mais foi necessário que, por meio de leis de exceção e de
privilégios absurdos e iníquos, se provesse aos reclamos da indústria e do
comércio externo.
Na
esfera puramente administrativa é que deixou Mendonça Furtado vestígios mais
indeléveis do seu espírito de homem público em todas as capitanias da seção.
Além de haver consolidado o princípio da autoridade ali mesmo onde era
tradicional o vício dos motins, normalizou ainda todos os serviços de
expediente, e as relações entre categorias de funcionários; fez respeitados os
juízes; deu força às Câmaras; puniu quantos mal serviam, premiando e defendendo
os que se mostravam dignos de estímulos; separou cuidadosamente da jurisdição
eclesiástica o exercício da autoridade política e civil. Foi, em suma, um
administrador tão notável que chegou a criar no governo do Estado umas tantas
normas, um espírito de correção e de probidade, e um sentimento tão sincero da
coisa pública — que ficaram ali por muito tempo influenciando o ânimo de seus sucessores.
E
pode-se dizer que foi esta, não só no Norte, mas em todo o pais, a obra mais
extensa de Pombal: a de reabilitar a administração pública, escolhendo para ela
homens dignos.
Há
ainda um artigo do libelo contra o ministro de D. José I, ao qual é preciso que
façamos referência. Fazem-lhe alguns historiadores grande carga (sobretudo como
negação da sua política em relação ao Brasil) daquela medida, que ficou citada
atrás, contra a cultura da cana-de-açúcar no Maranhão. É tão estranho o erro e
disparatada a violência num espírito como Pombal que não temos dúvida em
inquinar de engano a acusação. O que se proibiu não foi a cultura da cana, mas
o "plantio exclusivo da cana-de-açúcar", e isso no intuito (conquanto
absurdo e violento) de não se desprover de gêneros de consumo os mercados
locais.
E
como esta, outras medidas no seu tempo se tomaram, e que, aparentemente condenáveis,
tinham sempre alguma coisa que as explicasse.
7
- De meados do século XVIII em diante, grandes mudanças operam-se, pois, na
situação geral do domínio.
No
Estado do Brasil, antes da mudança da capital para a cidade do Rio de Janeiro,
foi último Vice-Rei ainda na Bahia, o 1º Marquês do Lavradio, que faleceu
alguns meses depois de empossado. Sucede-lhe um governador interino, e a este
(em 1761), uma Junta Provisória.
Logo
depois, toma Pombal a providência de transferir a sede do governo para a
capital do Sul.
Foi
1º Vice-Rei o Capitão-General de Mar e Terra do Brasil, o Conde da Cunha, D.
Antônio Alvares da Cunha. Recebera este (a 10 de outubro de 1763) o governo das
mãos de uma Junta, que tomara a administração no dia seguinte ao do falecimento
de Gomes Freire.
É
desta época em diante que a cidade do Rio de Janeiro se constitui a verdadeira
metrópole colonial que se vinha fazendo desde um século antes.
Ao
Conde da Cunha (que exerceu o cargo de 1763 a 1767) sucede o Conde de Azambuja
(1767-1769); a este, o 2º Marquês do Lavradio (1769-1779); a este, Luís de
Vasconcelos (1779-1790); a este, o Conde de Resende (1790-1801); a este, o
futuro Marquês de Aguiar (1801-1806); e a este, o SP Conde dos Arcos, de 1806
até a chegada do Príncipe-Regente.
Estes
Vice-Reis depois de cuidarem da defesa das fronteiras do Sul, dedicaram o seu
zelo a cuidar da cidade.
E
com efeito, em pouco mais de quarenta anos, transformaram toda a topografia do
perímetro urbano.
Quando
aqui chegou a Família Real, só faltava o que em seguida se fez para que se lhe
deparasse, não sem surpresa, uma nova Lisboa.
A
Lisboa que ficara lá, em poder dos franceses, era obra do Marquês de Pombal: a
da América reproduziria a outra. Tanto basta para sentir-se como em tudo que
fez aqui D. João VI andava ainda o espírito do grande ministro.
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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
http://memoria.bn.br
Biblioteca Nacional de Portugal
http://www.bnportugal.pt
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