3/29/2018

História do Brasil: A obra do Marquês de Pombal (Ensaio), de Rocha Pombo



A obra do Marquês de Pombal

1 - O reinado de D. João V fora talvez o mais pernicioso para a monarquia portuguesa. O fanatismo do rei e a ignorância da corte nem ao menos permitiram que em proveito da nação se aplicassem as riquezas fabulosas que lhe iam do Brasil.

Ao falecer, em 1750, deixava o "rei tenebroso", mais ainda exausto de alma que empobrecido, o povo português. O reinado, que então se inicia, foi uma reação formidável contra aquele delíquio da raça.

D. José I era uma criatura perfeitamente medíocre, de todo incapaz de ação, e só tendo gosto para os regalos e as aventuras escusas. Deu graças quando logo encontrou um homem a quem entregar o reino.

Começou o futuro Marquês de Pombal a sua obra com decisão e segurança.

Compreendendo que as minas do Brasil eram das mais diretas entre as causas da situação em que se veem o país e os seus domínios, reconheceu o grande ministro a necessidade de fundar o ressurgimento da monarquia numa sólida reconstituição econômica, principalmente das colônias, que eram ainda a mais opulenta reserva de forças, que se havia tido a fortuna de guardar. E isso é claro que só se conseguiria por um desenvolvimento normal dos próprios recursos, pela criação de indústrias naturais e sobretudo pela restauração do antigo comércio que dera ao reino os seus melhores dias.

Pode-se dizer que se consubstanciava nesses grandes problemas o pensamento com que Carvalho e Melo assume a direção suprema dos negócios públicos, numa fase em que já se previa o decrescimento dos proveitos excepcionais das minas do Brasil, com que tanto se enlevara o longo reinado precedente.

O grande e louvável fim da sua ambição (diz Southey) era o bem da sua pátria, e a restauração, ao menos, da antiga prosperidade da monarquia. Ignorância, superstição, preconceitos rudes e intolerantes, eram os maiores obstáculos que a seus desígnios se opunham; e aquele que em Portugal tentasse remover semelhantes males (e de chofre, como entendeu Pombal) contasse como certa com a oposição do clero (e da nobreza tradicionalista e emperrada).

E foi isso o que ele planeou realizar.

2 - Mais de cinquenta anos de idade contava quando entrou para o ministério. Os seus talentos superiores (ainda segundo Southey) depressa lhe valeram o favor do soberano. Sucessos extraordinários vieram logo por à prova esses talentos. E o ascendente que assim alcançou sobre o ânimo do Rei permitiu-lhe executar, com autoridade absoluta, os seus projetos de reforma.

Infelizmente, não tinha escrúpulos quanto aos meios. Nem lhe fazem decerto injustiça os que o representam como homem de alta visão, mas sem consciência nem humanidade.

Vendo o miserável estado em que tudo caíra em Portugal, convenceu-se que era preciso fazer uma renovação instantânea; e a própria índole o levou a medidas audaciosas e violentas. Embora dissessem os seus inimigos que ele primeiro agia e depois é que pensava, o que é certo é que perseverou sempre inflexível nos seus desígnios.

Possuía em alta dose o orgulho nacional que distingue os portugueses, e tinha robusta fé nos seus próprios talentos e força de caráter. "Esses talentos eram realmente grandes: nem houve jamais quem dele se aproximasse sem sentir a presença de um espírito potente. Serviu o seu Rei com lealdade e zelo: amou a sua pátria: e bem lhe iriam todos os encômios se o desejo do bem público pudesse justificar ações decisivamente más e abomináveis. Nesta falsa escusa, entretanto, descansava ele com perfeita serenidade, como Sila, mas num retiro bem diferente, quando o desfavor, o vitupério, e a mágoa de ver derribados os seus mais sábios planos vieram juntar-se aos males da velhice, da enfermidade e das dores".

Há quem julgue "demasiado severo, se não injusto" este juízo. Mas, em relação a Pombal não há meio de acertar senão assim. Os claros e escuros que se sentem no desenho da grande figura, são naturais num espírito como Southey, que é a encarnação viva da inteligência do historiador, e que tem, como qualidade suprema, o amor e a coragem da justiça.

3 - Da vasta obra do Marquês de Pombal, só o que se refere às colônias, e particularmente ao Brasil, bastaria para recomendá-lo à admiração dos pósteros, como sendo, de toda a história dos três séculos coloniais, o homem que mais clara intuição teve do papel de um legítimo estadista, e sobretudo, quanto a nós, do que cumpria fazer na América.

Pondo de parte o que de excepcional houve em muitos dos seus processos (só explicáveis talvez na situação em que teve de operar) a sua função histórica foi a de um verdadeiro condutor de povo, e há de merecer a sanção dos séculos.

Não seria possível negar os seus "grandes defeitos, sendo sobretudo déspota violento", mas "foi ministro habilíssimo, e prestou os mais relevantes serviços à sua pátria"...

Entre as medidas que tomou, relativamente ao Brasil, destacam-se as seguintes: — "incorporou à Coroa todas as capitanias que ainda tinham donatários, e sem prejuízo destes; — fomentou a indústria e o comércio; — protegeu a navegação; — criou a Relação do Rio de Janeiro (em 1751); — defendeu a liberdade dos índios, e até promoveu (mediante vantagens) alianças conjugais entre portugueses e indígenas; — iniciou o serviço do ensino primário em todas as capitanias; — estimulou os brasileiros, nomeando os mais distintos para elevados cargos; — proibiu que se enviassem, como era de costume, para conventos de Portugal, de Espanha e de Itália, donzelas brasileiras, cujos pais, por egoísticos cálculos, ou por excessivo ardor de religião, assim praticavam"; — mudou a sede do governo do Brasil para o Rio de Janeiro, a fim de "que melhor pudesse atender às guerras e complicações do Sul; — acabou com a obrigação, imposta aos navios mercantes, de só em frotas fazerem a travessia do oceano; — deu largo incremento à construção brasileira, dando preferência aos navios construídos no Brasil; — regularizou a arrecadação dos impostos; — regulou a extração e o comércio dos diamantes; — e finalmente (o que constitui a sua maior glória! ) refreou e diminuiu notavelmente os poderes do tribunal da Inquisição, que só do Brasil arrancara e condenara cerca de quinhentos infelizes de ambos os sexos".

4 - Um dos nossos historiadores. Matoso Maia, depois de referir os grandes serviços de Pombal, escreve o seguinte: "São nódoas indeléveis que lhe mancham a glória: — a repressão sanguinolenta dos tumultos do Porto (em 1757, quando o povo se levantou contra o monopólio dos vinhos concedido a uma companhia; e o governo fez disso um crime de lesa-majestade, obrigando os juízes a proferirem vinte e seis sentenças de  morte!); — a severidade exercida contra os signatários da representação da Mesa do Bem Comum (os quais reclamavam contra os monopólios concedidos à Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão); — a Carta Régia de 19 de junho de 1761 proibindo a cultura da cana-de-açúcar no Maranhão; — a Carta Régia de 30 de junho de 1766 proibindo no Brasil as indústrias de ourives, fiadores de ouro, de linhas de prata, de sedas e algodões tecidos; — a carnificina sob forma judiciária dos infelizes Távoras e   Mascarenhas, que nem todos tinham tomado parte, com o Duque de Aveiro, no atentado contra o Rei; — a injusta e cruel perseguição dos jesuítas, que tão grandes serviços tinham prestado, principalmente no Brasil; — o orgulho desmarcado com que ostentava o seu poder, persuadido de que acima dele só o Rei. A pesar de todas essas reservas, é preciso reconhecer, encarando por cima a sua vida, que ele conseguiu que Portugal parasse por algum tempo no caminho da decadência em que se ia despenhando".

O que é indiscutível, no entanto, é que ele ficou até na história como um enigma, ou melhor, como uma esfinge para a posteridade.

Julgando-lhe de longe só a função de estadista, não há dúvida, quanto a Portugal, que ele fez reviver um enfermo; infiltrou sangue novo naquele organismo combalido; revigorou as instituições, criando serviços novos, proscrevendo velhos processos e praxes sediças, escarmentando a nobreza e coarctando-lhe os privilégios. Construiu uma Lisboa nova sobre as ruínas do terremoto. E a sua influência foi tão vasta e profunda que se projetou por muitos anos além do seu domínio. Meio século depois da sua queda só havia era Portugal o que ele deixara.

Resta saber se mesmo para tudo isso se poderiam legitimar meios que a justiça e a humanidade condenam. A nosso ver é falso o critério segundo o qual se sancionam, por algum bem que fazem, as próprias tiranias mais detestadas.

Mas é cedo ainda para juízos definitivos. Não é bastante a distância de mais de um século e meio para fixar na consciência do juiz a perspectiva de uma época.

O mais que os compete, portanto, num caso como este, é registrar os documentos que se vão apurando.

5 - Mesmo em relação aos domínios americanos, como se acaba de ver, tem a obra de Pombal as suas incongruências; devendo no entanto, notar-se que os serviços que lhe devemos são, sem medida, mais consideráveis que os males que lhe possam, com justiça, ser atribuídos.

Além das medidas e reformas que já indicamos relativamente ao Brasil, seria necessário sentir a ação geral deste homem nas coisas da colônia.

Na seção do Norte, consistiu o empenho do grande ministro em fazer vingar as Companhias Gerais do Comércio do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba, de que se faz um motivo de acusações contra ele. Obedecia, aliás, a iniciativa, ao pensamento de promover a restauração econômica do reino, principalmente pela criação de empresas privilegiadas.

Foram sem dúvida os exemplos da Inglaterra, e sobretudo da Holanda, que geraram no espírito do estadista reformador aquela cega confiança em semelhantes instituições.

Quanto àquela de 1755, que reconstituiu o Estado do Maranhão, é exato que muito se deve a insistentes representações do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão e um dos maiores auxiliares do ministro. Aliás, desde mais de um século antes, que se havia cogitado de resolver, pela criação de uma Companhia Geral do Comércio, o grande problema para o Brasil. Atendendo a instantes reclamos dos povos, já em 1678 ou 79, contratara o governo da metrópole, com uma empresa particular, não  só a introdução de escravos africanos, como um serviço regular de tráfico entre as capitanias daquele Estado e a Europa. E o que é mais para notar é que o insucesso daquela primeira, e de outras tentativas que se lhe seguiram, não chegou nunca a dissuadir os povos do Maranhão de que só mesmo uma Companhia poderosa é que poderia corresponder às necessidades de que todas as colônias se ressentem. É assim que Mendonça Furtado teve, das próprias populações, a sugestão da iniciativa que tão esforçadamente defendeu perante a corte.

6 - A Companhia do Grão-Pará e Maranhão, no entanto, não correspondeu, na prática, às esperanças que a tinham feito nascer. Como todas as outras tentativas da mesma natureza, caiu logo nas irregularidades e abusos que deviam malsiná-la.

Em todo caso, fizera um grande bem, despertando em todo o Estado o espírito de empreendimento, e pondo era atividade muitas forças que jaziam inúteis. Quando ela deixou de operar, e se restabeleceu a liberdade de comércio (em 1778), já o Estado do Maranhão dispunha de recursos próprios para não volver à antiga penúria, e não mais foi necessário que, por meio de leis de exceção e de privilégios absurdos e iníquos, se provesse aos reclamos da indústria e do comércio externo.

Na esfera puramente administrativa é que deixou Mendonça Furtado vestígios mais indeléveis do seu espírito de homem público em todas as capitanias da seção. Além de haver consolidado o princípio da autoridade ali mesmo onde era tradicional o vício dos motins, normalizou ainda todos os serviços de expediente, e as relações entre categorias de funcionários; fez respeitados os juízes; deu força às Câmaras; puniu quantos mal serviam, premiando e defendendo os que se mostravam dignos de estímulos; separou cuidadosamente da jurisdição eclesiástica o exercício da autoridade política e civil. Foi, em suma, um administrador tão notável que chegou a criar no governo do Estado umas tantas normas, um espírito de correção e de probidade, e um sentimento tão sincero da coisa pública — que ficaram ali por muito tempo influenciando o ânimo de seus sucessores.

E pode-se dizer que foi esta, não só no Norte, mas em todo o pais, a obra mais extensa de Pombal: a de reabilitar a administração pública, escolhendo para ela homens dignos.

Há ainda um artigo do libelo contra o ministro de D. José I, ao qual é preciso que façamos referência. Fazem-lhe alguns historiadores grande carga (sobretudo como negação da sua política em relação ao Brasil) daquela medida, que ficou citada atrás, contra a cultura da cana-de-açúcar no Maranhão. É tão estranho o erro e disparatada a violência num espírito como Pombal que não temos dúvida em inquinar de engano a acusação. O que se proibiu não foi a cultura da cana, mas o "plantio exclusivo da cana-de-açúcar", e isso no intuito (conquanto absurdo e violento) de não se desprover de gêneros de consumo os mercados locais.

E como esta, outras medidas no seu tempo se tomaram, e que, aparentemente condenáveis, tinham sempre alguma coisa que as explicasse.

7 - De meados do século XVIII em diante, grandes mudanças operam-se, pois, na situação geral do domínio.

No Estado do Brasil, antes da mudança da capital para a cidade do Rio de Janeiro, foi último Vice-Rei ainda na Bahia, o 1º Marquês do Lavradio, que faleceu alguns meses depois de empossado. Sucede-lhe um governador interino, e a este (em 1761), uma Junta Provisória.

Logo depois, toma Pombal a providência de transferir a sede do governo para a capital do Sul.

Foi 1º Vice-Rei o Capitão-General de Mar e Terra do Brasil, o Conde da Cunha, D. Antônio Alvares da Cunha. Recebera este (a 10 de outubro de 1763) o governo das mãos de uma Junta, que tomara a administração no dia seguinte ao do falecimento de Gomes Freire.

É desta época em diante que a cidade do Rio de Janeiro se constitui a verdadeira metrópole colonial que se vinha fazendo desde um século antes.

Ao Conde da Cunha (que exerceu o cargo de 1763 a 1767) sucede o Conde de Azambuja (1767-1769); a este, o 2º Marquês do Lavradio (1769-1779); a este, Luís de Vasconcelos (1779-1790); a este, o Conde de Resende (1790-1801); a este, o futuro Marquês de Aguiar (1801-1806); e a este, o SP Conde dos Arcos, de 1806 até a chegada do Príncipe-Regente.

Estes Vice-Reis depois de cuidarem da defesa das fronteiras do Sul, dedicaram o seu zelo a cuidar da cidade.

E com efeito, em pouco mais de quarenta anos, transformaram toda a topografia do perímetro urbano.

Quando aqui chegou a Família Real, só faltava o que em seguida se fez para que se lhe deparasse, não sem surpresa, uma nova Lisboa.

A Lisboa que ficara lá, em poder dos franceses, era obra do Marquês de Pombal: a da América reproduziria a outra. Tanto basta para sentir-se como em tudo que fez aqui D. João VI andava ainda o espírito do grande ministro.


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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
http://memoria.bn.br

Biblioteca Nacional de Portugal
http://www.bnportugal.pt

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