Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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1 - Em Alagoas passara Matias Albuquerque o comando
supremo da guerra ao mestre de campo-general D. Luís de Rojas y Borja (duque de
Ganja); e este, sem descanso, aparelhou forças, e se pôs em marcha sobre Porto
Calvo, na certeza de escarmentar o inimigo, que varria toda aquela zona. Como
tivesse, assim que ocupara a vila, tido notícia de que os holandeses vinham
investi-lo, em vez de os aguardar na praça, foi-lhes ao encontro.
Trava-se a batalha na Mata Redonda (18 de janeiro de
1636). Na maior violência da luta, quando os pernambucanos já começavam a
cantar vitória, a morte de Rojas y Borja vem produzir um quase destroço geral.
O conde de Bagnolo, novo comandante, marcha de
Alagoas e vai fortificar-se em Porto Calvo, de onde domina todo o Sul de
Pernambuco.
Torna-se, pois, aquela vila o centro de reação
contra os intrusos. Dali, para toda a campanha, volvem à atividade as antigas
quadrilhas de assalto que eram o pavor dos flamengos, e que traziam em
contínuas aflições todos os distritos por eles já senhoreados.
Mas em Holanda haviam repercutido fortemente os
últimos grandes sucessos alcançados pelos intrusos: a posse efetiva de Paraíba
e do Rio Grande, e a retirada dos pernambucanos para o Sul. Crescera
enormemente aquela causa, que se lançara com tanto esforço, e que se ampliava
agora, para a própria nascente república, como um vasto problema nacional.
Até então se disfarçara, com aquela empresa
mercantil, o pensamento dos Estados Gerais, de fundar na América um domínio
político em que se expandissem a força,
a riqueza e os ideais da pátria flamenga.
Chega, porém, agora o momento em que é preciso
atender ao gesto propício do destino. Os próprios argentários da Companhia não
relutaram muito em ceder alguma coisa dos seus privilégios em troca da vantagem
de interessar diretamente a prestigiosa casa de Orange na obra que com fortuna
inaudita se construía neste lado do Atlântico.
O homem que se vem por à testa dos holandeses em
Pernambuco, e dar à conquista uma aparência de legítimo cometimento político,
era realmente mais que um simples homem de guerra com qualidades excelentes de
homem de Estado: pode considerar-se como um desses grandes espíritos que raro
assomam na história, a reger povos, a instituir sociedades, ilustrando séculos
e às vezes civilizações inteiras. Em outras circunstâncias, teria sido ele um
verdadeiro criador de época na história do Novo Mundo.
Contaria João Maurício, Conde de Nassau-Siegen, uns
32 anos de idade quando veio para a América. Conquanto pela sua índole fosse
mais propenso ao estudo e à arte que às armas, havia já prestado serviços
militares, e com grande valor, sob as ordens do grande Maurício, filho do Taciturno.
2 - O Conselho dos Dezenove ofereceu ao príncipe o
mais que era possível. Vinha ele como um soberano quase absoluto.
Por exigência dele próprio, fora nomeado
provisoriamente por cinco anos. Além do seu soldo, e de um tratamento de 1.500
florins mensais, competia-lhe uma quota de 2 por cento sobre os lucros que
desse à Companhia.
É de crer que vinha Maurício com muita esperança de
ter aqui o seu grande papel. Chegou a trazer consigo um pessoal escolhido de
homens cultos — sábios, artistas, construtores — como quem trazia mais elevado encargo
que o de simplesmente governar uma colônia.
Tendo partido em outubro, veio chegar a Pernambuco a
23 de janeiro de 1637, sendo recebido com gerais demonstrações de respeito e
alegria, dizem cronistas que até pelos portugueses, que se haviam já resignado
ao domínio dos intrusos.
Já na primeira carta que escreve para a Europa (a 3
de fevereiro) mostra-se deslumbrado, "achando o país um dos mais belos do
mundo..." E avisa que, tendo encontrado em boas condições as tropas, já
se prepara para ir contra os inimigos.
E de fato, a sua primeira preocupação, logo que
apanhou o aspecto geral das coisas, foi, ao mesmo tempo que revidar os golpes
daqueles bandos volantes que alarmavam a campanha, desalojar de Porto Calvo os pernambucanos.
Destacou uns 600 homens para as guerrilhas; e foi,
com 4.000, atacar aquela praça (a 19 de fevereiro). Conquanto violento e
tremendo, pouco durou o combate. Ali foi, pela sexta vez, ferido Henrique Dias,
levando-lhe agora a bala uma das mãos. Também neste combate figurou Clara
Camarão, ao lado do marido, "a cavalo e armada de uma lança".
A vitória de Nassau deu-lhe ensejo de mostrar aos
vencidos o ânimo com que vinha governar a colônia: tratou com muita distinção
os capitulados.
Guarnecida Porto Calvo, desceu Nassau, por mar, até
Jaraguá; e dali, por terra, foi até o rio São Francisco, em cuja margem
esquerda fundou o forte Maurício, como se quisesse por ali aquele marco de
fronteira.
Volta em seguida para o Recife, onde está ansioso
por dar começo à sua obra de paz.
3 - Era cedo, no entanto, para isso. Mal começara
ele no Recife a corrigir as grandes desordens morais que ali reinavam entre os
seus próprios, quando teve de volver atenção para os perigos do Sul, na capital
do domínio português, onde se acumulam elementos de repulsa.
Era preciso, antes de tudo, inutilizar aquele centro
de resistência, para matar de uma vez, na alma da colônia espoliada, a
esperança de reconquista.
Mas a expedição contra a Bahia teve proporções de um
quase desastre. Com 40 navios e perto de 5 000 homens de desembarque, transpõe
ele a barra (16 de abril de 1638) e vai, pela tarde, fundear para o norte da cidade,
além de Itapagipe. Nessa mesma noite punha em terra as suas tropas, e tomava
posição.
E ali, ao cabo de perto de mês e meio de contínuas
refregas sangrentas, teve o príncipe de reembarcar furtivamente, voltando para
o Recife, desiludido daquele intento. Não saíram, no entanto, os holandeses,
sem dar provas de si. "Com vergonhosa crueldade" vingaram-se do
insucesso, talando o Recôncavo; e onde quer que descobriam uma casa
desguardada, tudo passavam a ferro e fogo!
Este revés de Maurício foi origem das
desinteligências em que entrou com os negociantes de Holanda. De agora em
diante, nunca mais se entenderam até o fim.
O assalto à Bahia despertou outra vez a nossa
metrópole. Sentiu-se lá que a audácia dos conquistadores crescia com o êxito
das façanhas. Aumentam eles todos os dias a conquista; e não será de estranhar
que renovem tentativas contra a capital da colônia.
Resolve-se então, em Madrid, expedir grandes
reforços com D. Fernando de Mascarenhas, Conde da Torre, nomeado
Governador-Geral do Brasil. Veio este chegar pelos fins de janeiro (1639); e
ali ficou quase todo o ano, dando tempo a que Nassau se apercebesse.
Soube-se afinal no Recife que a esquadra do Conde da
Torre havia saído para o mar; e por sua vez a frota flamenga, ao comando do
almirante Loos, também saiu, ficando a bordejar diante do Recife.
No dia 11 de janeiro (1640) teve-se aviso de que a
esquadra luso-espanhola estava para o norte, entre Itamaracá e o Cabedelo, e já
em comunicações com André Vidal, que estava em terra. Infelizmente, o Conde da
Torre, ao cabo de mais de um ano de chegada ao Brasil, continuava preparando-se
para agir, mas perdendo sempre os melhores ensejos.
No dia seguinte (12 de janeiro) rompia o combate.
Repetiu Loos a tática de Pater investindo o navio chefe contrário; e como ao
outro, custou-lhe a vida essa estúrdia manobra. No dia seguinte, renova-se a
luta. Enquanto combatem, vão sendo as duas frotas impelidas para o norte. No
dia 14 continua a batalha pelas alturas da Paraíba. Passam-se os dias 15 e 16 em
completa inação; mas no dia 17 empenha-se de novo a luta; e só pela tarde,
afasta-se para o alto mar a esquadra luso-espanhola.
Se não foi uma derrota, pelo menos estava burlado o
plano formidável que se preparara contra os holandeses.
4 - Festeja-se no Recife o sucesso como uma grande
vitória. E para mais enaltecer os intrusos, recebem ainda da Europa, por
aqueles dias, um reforço de 27 navios e 1.200 homens.
O que é notável neste momento é o contraste em que
se põe Nassau com toda aquela ufania da sua gente. Ao dar notícia de tudo à
Companhia, solicita que o dispensem do posto, assim que se complete o prazo do
seu compromisso.
Como os argentários de Holanda insistissem na
necessidade de investir outra vez a Bahia e alargar a pilhagem na costa,
entregou ele a frota, quase toda, ao almirante Lichthardt, para que fosse
perseguir nos mares as embarcações espanholas e portuguesas, e correr e
devastar o Recôncavo, trazendo os baianos em contínuo alarma.
Em todas as capitanias lavrou terror com a notícia,
que se espalha, do escarmento. O que ainda atenuou os efeitos de tais borrascas
iminentes foi a chegada do vice-rei, D. Jorge Mascarenhas, grande figura da
corte, e que vinha com o encargo formal de empreender a restauração do Brasil. Começou
o Marquês de Montalvão entrando em acordo com o príncipe para impedir as depredações na costa, e fazer
a guerra mais humana.
Decerto que não era apenas isso o que esperavam
aqueles que há dez anos protestam contra o esbulho. E, para mais inquietar
esses heróis, vem a notícia do que se passara lá no reino (1640); com a qual
trepida a alma da terra em alegrar-se porque sente que o usurpador se alegra
mais. Principalmente quando se soube que o rei aclamado concertara com a
Holanda uma aliança contra os espanhóis e uma trégua de dez anos quanto ás respectivas
colônias... encheu-se de cruéis apreensões o espírito dos que andavam no seu
longo martírio.
Entraram agora os dois governos (de Portugal e de
Holanda) numa fase de astúcias e perfídias, como falsos amigos que se revidam
golpes disfarçando o mútuo rancor. O próprio Maurício teve de arrostar a sua cumplicidade
na tramoia, mandando ocupar todo o Sergipe, Loanda e algumas ilhas do mar de
Guiné, e, por último, o Maranhão. A indignação das vítimas, tomadas de
surpresa, responde ele dizendo que, tudo fizera antes de ter conhecimento do
tratado de 12 de junho, que instituíra as tréguas.
Príncipe Maurício de Nassau.
A verdade, porém, é que os holandeses, persuadidos
que a mudança operada na península lhes é favorável (porque se têm de entender
agora com um Estado menos poderoso) cuidaram de aproveitar o ensejo de ampliar
as suas conquistas, na certeza de que mais há de abranger a sanção dos tratados
futuros.
5 - Dois ou três anos depois que chegara a
Pernambuco, estava Maurício desenganado das ufanias com que viera para a
América.
Talvez mesmo se lhe devesse estranhar a ingenuidade
com que esperava, nas condições em que o puseram, ter aqui função mais alta que
a de simples preposto de uma empresa mercantil.
O que é certo, aliás, é que ele se apercebeu logo
das suas ilusões.
E para se ver quanto este homem se contrafez aqui
sob o império das circunstâncias em que se viu, nem bastante seria o que temos
assinalado até agora em seu governo: seria necessário estudar mais no fundo a
sua obra política no domínio, para destacar o contraste em que ela ficou com o seu espírito e a sua nobreza e excelência moral.
Tem-se exagerado muito, não menos o que ele fez em
Pernambuco, do que o muito que lucraria o Brasil se os holandeses se tivessem
fixado definitivamente na América oriental.
Tinham entrado ali os usurpadores proclamando a
liberdade dos escravos; e não demorou que começassem a reescravizar os antigos
cativos. O próprio Nassau chegou a contratar a captura de negros; e até tomara a
precaução de apoderar-se de um porto africano como conveniente para a
importação de peças da índia.
Chegara Nassau ao Recife declarando que todos os
cultos seriam livres; mas dentro em pouco bania os frades; proibia aos
católicos o exercício público do seu culto; decretava que o clero católico de
Pernambuco ficava independente do Bispo da Bahia; e foi até proibir a
construção de igrejas sem licença formal do Sínodo.
Este Sínodo constituiu-se ali autoridade suprema era
matéria de consciência. Os engenhos, que
até então eram benzidos pelos padres católicos, passavam agora a ser benzidos
por ministros protestantes. Os casamentos também só podiam ser celebrados por
pastores.
É assim que os liberais flamengos entendiam a
liberdade religiosa.
O tal Sínodo entendia mesmo em questões puramente
civis. Tinha a guarda dos bons costumes. Não admitia mestre-escola que não
fosse calvinista. Os filhos de católicos eram obrigados a aprender o rito oficial.
O Sínodo tinha ainda a superintendência dos hospitais, dos asilos e das casas
de caridade.
Quanto aos índios, foram de má fé tão requintada que
chega a causar mesmo "riso de nojo". A liberdade deles — dizia para a
Holanda um capitão flamengo — não pode em coisa alguma prejudicar à Companhia: os
que são livres, só de livres têm o nome, pois é perfeito escravo quem é
obrigado a trabalhar todo um mês por três varas de pano.
E nem ao menos cuidaram de catequizar o mísero
explorado. Os ministros protestantes tinham horror ao selvagem.
6 - Na ordem econômica, tomou o príncipe a
providência, primeiro de arrendar os engenhos dos que tinham emigrado: e
depois, confiscou essas propriedades, arrecadando assim, de pronto, uns 2.000.000
de florins. Decretou o estanco de toda a produção agrícola. Como a sua homônima
que explorava o Oriente, a Companhia que imperava no Atlântico tinha o
monopólio do comércio e da navegação. E sabia mungi-lo bem. Basta ver que um
certo artigo de grande consumo, que antes dos holandeses custava de 130 a 140
florins, passou a custar no tempo de Nassau 500 a 600! E assim tudo.
O próprio Nassau clamou contra o monopólio; até que
a Companhia teve de ceder. Mas assim cedeu ela: "A navegação — diz
Netscher — foi aberta a todos, contanto que os navios fossem os da
Companhia..." Aos portugueses que tivessem reconhecido o domínio flamengo,
também se garantiu a liberdade de exportar os seus produtos... para a Holanda.
Calcula-se nuns 10.000.000 de florins a receita da
Companhia no Brasil, entrando nesse cálculo 2.000.000 de florins do tráfico de
escravos. E não entram no cômputo os frutos da pilhagem, das depredações, dos
confiscos e das fintas eventuais.
Compreende-se que aí damos apenas umas linhas gerais
que possam sugerir uma vaga ideia do que foi, sob os seus aspectos mais
característicos, o regime que se integrou no tempo de Maurício de Nassau. E não
deixaremos esta ordem de fatos sem referência especial a uma outra lenda que se
criou para atribuir ao príncipe a glória de haver instalado em Pernambuco a
primeira assembleia legislativa que funcionou na América do Sul.
Aquilo nem chegou a ser arremedo de assembleia; pois
não foi mais que uma experiência de Nassau destinada a sondar o ânimo dos
colonos que pareciam sinceramente conformados com o domínio holandês.
Funcionou o congresso durante 9 dias, e teve de
limitar-se a aprovar umas propostas do Supremo Conselho.
E assim mesmo a experiência gorou, e por isso foi
logo encerrada a curiosa legislatura. E sabe-se por que é que falhou a
experiência? Por isto: a uma consulta do Conselho Supremo sobre a conveniência
de permitir aos moradores portugueses o uso de armas para sua defesa pessoal,
declararam os representantes que aceitariam a permissão, contanto que não haviam
de ser obrigados a servir-se das referidas armas contra os soldados do seu
rei...
Eis aí a prova que Nassau tirou daquela gente, cuja
alma parecia morta, mas que se mostrava ainda bem viva.
7 - Estava, portanto, o príncipe desenganado dos
seus sonhos de instituir na América um novo império flamengo.
Teve, então, o bom senso, ainda que serôdio, de
resignar-se a limitar o seu esforço: em vez de homem político, ficou, muito
sereno e consolado, nas suas expansões de grande alma de artista. Deste modo
teve a sua obra de ser menos duradoura e menos histórica; mas revelou o homem
num aspecto mais pessoal e mais
simpático, dados os entraves que encontrou para fazer-se brilhante e grandioso.
A sua obra foi Mauritsstad (a cidade Maurícia, como
a chamavam os portugueses). Mauritsstad valeu como um grande sinal do que seria
ele capaz de fazer se não tivesse vindo para a América como representante de uma
empresa de comércio.
Tendo comprado, à própria custa, a ilha de Antônio
Vaz, "fez ali abrir canais, circunvalá-la", construir diques e
aterros, consolidando assim, a área da cidade planeada. Em seguida arborizou
toda a ilha, convertendo-a em imenso parque, onde se encontravam árvores das
nossas matas e da África. Lançou os lineamentos da cidade, e começou a
construir o seu palácio de Friburgo.
Foi a população abastada mudando-se para ali; e em
poucos meses, ao lado do Recife, se erigia uma cidade moderna, de amplas ruas e
praças.
Mas o palácio de Friburgo foi a maravilha que
deslumbrou toda a colônia, e cuja fama correu pelas cercanias mais longínquas.
Era, com efeito, um verdadeiro monumento. Ali havia seções especiais de museu, biblioteca,
música, estudos, etc.
Logo depois fez construir como palácio, o da Boa
Vista; e ligou os dois edifícios por alamedas de palmeiras. Completou tudo
aquilo pondo a nova cidade em comunicações permanentes com o continente e o
Recife, por meio de pontes provisórias de madeira.
No palácio da Boa Vista instalou Nassau uma espécie
de academia, com os homens de espírito de que se cercara, e que lhe formavam
uma como corte intelectual.
Quem visse aquela obra grandiosa persuadir-se-ia,
sem dúvida, de que Nassau tinha o pensamento de ficar para sempre em
Pernambuco. Quem poderia, pois, suspeitar que andasse ele em vésperas de sair
do Brasil?
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