A flora e a fauna
Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
1. Quanto à flora, dividiremos o território do Brasil em duas grandes zonas gerais — a tropical e a subtropical —. O paralelo 21 marca mais ou menos, conforme a longitude e os acidentes do solo, a faixa de confins dessas duas zonas.
As espécies que as
caracterizam são a araucária, na zona do sul; e na zona do norte, as grandes
palmeiras.
O domínio de araucária é muito
melhor delimitado: vem até São Paulo, avançando até o sul de Minas pelos
lugares mais altos. Rareia, no entanto, à medida que se vem do Paraná para
cima. Do Paraná para o sul, ostenta todo o seu esplendor. Só ali começam os
grandes pinhais que dominam toda a flora do planalto, formando ilhas mais ou menos amplas na vastidão da
campanha, e estendendo-se ao longo dos vales, como grossas linhas escuras
assinalando o curso dos rios.
Mesmo nesta zona, entretanto,
o domínio da araucária é limitado, a leste, pela cordilheira Marítima; e a
ocidente, pelas florestas políticas da bacia do Paraná.
A flora dos campos é
perfeitamente discriminada da flora tropical. A zona em que se acha melhor
caracterizada é a que compreende os planaltos imediatos à Serra do Mar.
Uma observação digna de nota é
a que reconhece na flora dos planaltos grande número de espécies da zona
marítima muito atenuadas, ou tendendo ligeiramente a derivar-se do tipo comum.
Isto se vê, sobretudo, na família das palmeiras. A buriti é a mais profusa, e é também a mais mesquinha. Mesmo a dos
capões não dá ideia da palmeira gigantesca do Amazonas. O ticum, a brejaúva, o guariri e outras dão frutos
aproveitáveis.
A maior palmeira dos campos é
o jarivá. As famílias das gramíneas e
das mirtáceas e outras são muito abundantes.
De São Paulo para o norte a
configuração botânica desta segunda divisão é mais complicada, pois por aí,
devido à acidentação do solo, parecem associar-se ou distribuir-se em desordem
as floras das duas divisões: nas terras altas predomina a flora dos campos, e
nas terras baixas, a outra.
3. A primeira coisa que se
nota, ao estudar a nossa fauna, é a ausência de grandes mamíferos. O maior que
temos é a anta.
E no entanto, já sabemos que a
nossa fauna fóssil é riquíssima em espécies do período terciário.
Estamos, pois, aqui, em
presença de um fato muito curioso: como é que se há de explicar o
desaparecimento dessas espécies, quando é certo que em outros pontos da terra,
ou subsistem, pelo menos muitas delas, ou desapareceram deixando representantes
em espécies ou variedades subsistentes?
É sabido que na Europa,
muitos dos animais hoje extintos alcançaram épocas históricas. Mas a extinção
lá se explica: o homem vai excluindo a fera das paragens que vai conquistando.
Só tolera as espécies úteis. Os animais ferozes, e também os monstruosos e os
indomesticáveis são os primeiros que cedem à concorrência do homem.
Na Ásia, o elefante é animal
sagrado, e além disso útil, e por essas razões não desapareceu. Na África
subsiste porque a concorrência do homem não foi ainda capaz de eliminá-lo. O
camelo também se conserva na África e na Ásia porque é útil.
Mas a América oriental, antes
de Colombo, poderia considerar-se como conquistada
pelo gênio do homem? Ou melhor: o domínio do homem que encontramos aqui era
capaz de excluir assim, tão completamente, os grandes exemplares do reino
animal?
Sabe-se que na época do
descobrimento a população indígena era muito menor que a população civilizada
de hoje. Significa isso que em todo o continente havia ainda imensas extensões
de território deserto. Na América do Sul, o maior número de tribos ocupava
apenas o litoral e os vales dos grandes rios. Florestas sem fim e solidões
desoladas ficavam, portanto, abertas a toda a animalidade excluída pela espécie
vitoriosa.
Como explicar, pois, a
extinção de gêneros que existiram aqui, e que não teriam chegado a sentir falta
ou escassez de espaço, nem de elementos e condições para continuar a viver?
Se o homem não lhes oferecia
ainda uma competição de morte, como é, então, que desapareceram esses grandes
tipos da fauna terciária, e sem deixar um só representante?
4. Sob um ponto de vista
geral, distinguiremos a nossa fauna em fauna dos campos e fauna das florestas.
Segundo autoridades de peso,
as analogias que se notam em toda a fauna das florestas (do extremo norte ao
extremo sul) são muito mais importantes como elementos de classificação do que
as diferenças que se acusem.
Basta um relance de olhos sobre
as espécies mais características para reconhecer-se que é assim mesmo.
Na própria ordem dos mamíferos
são tais as semelhanças, que as divergências se perdem na unidade do aspecto
geral.
E para mais facilmente
assinalar as relações em que se encontram as diversas zonas (sem mesmo
distinguir campos e florestas) é de vigor elucidativo, ainda mais irrecusável
que a dos mamíferos, a ordem das aves.
Quem lê, por exemplo, a
descrição da avifauna de Marajó tem a impressão de que se trata de qualquer
bosque ou mata do sul ou do interior. Só tem de mudar alguns nomes. As aves, os
pássaros da grande ilha do norte são todos familiares aos que conhecem, ao
menos alguma coisa das florestas do sul, principalmente do litoral.
Em relação a outras ordens do
reino animal ainda se reconhece o mesmo fenômeno: as diferenças secundárias (cor,
tamanho, etc.); desaparecem, enquanto, pelos caracteres fundamentais, se
assinala uma analogia visível em toda a fauna do país; e até, na maioria dos
casos, perfeita identidade.
Não seria possível dar aqui, sobre
este reino da natureza, mais que noções gerais, renunciando a todo intento de
estender-nos acerca de todas as classes. Daremos, portanto, o que nos parece
suficiente para sugerir uma ideia de quanto temos de particular.
5. Entre os mamíferos: a anta
(tapir dos índios); variedade de
porcos do mato, sendo o maior de todos o queixada
(tajaçu) e também o mais feroz;
veados (o maior e mais ramalhudo sendo o guaçu-pacu
dos tupis); roedores, classe das mais numerosas (preás, pacas, cutias, ratos,
esquilos e o maior de todos, a capivara); desdentados (também numerosas) preguiças, tatus, tamanduás; rápaces
(onças, jaguares, raposas, lontras, quatis, guaxinins); cetáceos (peixe-boi,
golfinho, baleia); quirópteros (morcegos); símios, que formam a ordem mais extensa
de toda a nossa fauna mamalógica.
Já se conhecem umas cinquenta
espécies, o maior número das quais pertencem à região da bacia amazônica.
Entrando no domínio das aves,
começaremos pelos gralatores: o avestruz (menor que o africano), a seriema, o jacamim,
as garças e socós, o jaburu, a saracura, os guarás (pretos e vermelhos), a
curucaca, o quero-quero. O nosso avestruz não atinge a muito mais que um metro
de comprimento. Há-os brancos, cinzentos e malhados. É habitante dos campos, e
é comum no interior, desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas.
Vêm os palmípedes (patos
selvagens, biguás, alcatrazes, marrecos, etc.); os galináceos (perdizes,
inambus, mutuns, urus, macucos, jacus); as pombas; os abutres (urubus); os
falcões (o gavião, o martinho); os trepadores (desde a arara, que é o maior até
a saíra, que é o menor dos periquitos).
O mais pequeno dos pássaros
que se conhecem no Brasil é o colibri
(o mesmo beija-flor comum). Há
espécies cujos indivíduos não se sabe dizer, ao vê-los de longe, se são
pássaros ou insetos. São, no entanto, pelas cores brilhantes das penas, pela
forma delgada e sutil, e sobretudo pela prodigiosa celeridade do voo, de uma
beleza admirável. Vivem sempre em volta das flores, a haurir-lhes, dir-se-ia,
só o perfume, pois que não pousam nunca, e parece que não têm tempo de
sorver-lhes o suco.
São verdadeiras joias aladas
dos jardins e pradarias.
6. A ordem dos pássaros
cantores é a que mais tem maravilhado a quantos visitam os nossos campos e
florestas, e não só pela variedade das cores, como principalmente pelas vozes.
A araponga, por exemplo, belo
pássaro de plumagem branca, muito comum em todas as matas do litoral e do
interior, produz um canto metálico, vibrante e agudo, que se parece com o
bater, ao longe, de um martelo sobre bigorna.
Daí o nome de ferreiro, que lhe dá o vulgo.
Houve já um grande poeta de
natureza que chegou a escrever uma curiosa monografia sobre a voz das nossas
aves. A saracura, diz Hércules Florence, parece monologar na solidão. O
socó-boi, de manhã e à noite, faz lembrar o mugido das vacas. O mutum anuncia a
aurora com uns pios rouquenhos e afabados, como se viessem do terror da noite.
O canto da anhumapoca, grande e bela
ave do sertão, imita um sino de aldeia. O aracuã grita como uma galinha
assustada, enquanto a inseparável companheira repete alternadamente as mesmas
notas. A arara fende os ares, tirando de sua áspera garganta umas sílabas
pesadas, das quais lhe veio o nome vulgar que tem. Bandos inúmeros de
papagaios, sobretudo ao cair da tarde, soltando gritos monótonos e agudos,
atordoam o viajante.
Sem dúvida — reflexiona a alma
entusiasta da terra americana — a voz dos animais se harmoniza com as
localidades, com o aspecto das paragens, e até com a hora em que se faz ouvir.
No Spitzberg, por exemplo, só hão de repercutir sons e acentos lúgubres
próprios daquele desolamento. Na Arábia imagina-se o que será o canto das aves.
E mais ainda no mundo grandioso das cordilheiras. Nos rochedos que surgem no
meio do oceano, pousam aves de longo voo e alteroso viso, cujos gritos só se
casam com o soluçar dos ventos, dos temporais e das ondas.
De um pássaro cantor, no
entanto, não falou Florence: o tangará,
que não sabemos se também existe nos bosques e matas do norte. O tangará, pequeno
mais ou menos como um pardal, anda sempre em bando. Cada bando tem um maestro que dirige o coro. Pausa o maestro num ramo, e os demais em torno.
À medida que o diretor do rancho canta, vão os outros acompanhando-lhe a voz e
os movimentos. Por fim, a um sinal do regente, levanta o voo todo o bando, e
vai cantar a outra paragem.
As espécies propriamente
cantoras mais conhecidas são: os sabiás, as carriças (as corruíras, pequeninos pássaros quase domésticos, sagrados para o
vulgo), as andorinhas, os gaturamos, os cardeais, a patativa, o canário, o
pintassilgo, a graúna, etc.
Quanto às outras bastará
citar:
Entre os répteis: o jacaré; a
tartaruga; a sucuriu, a baiúna, a jararaca, a cobra-coral, a cascavel.
Entre os peixes: o pirarucu, o
pintado, o mero, a garoupa, o xaréu (peixe de mar); o pirarucu, a piratininga,
o pacu, o surubi, a piranha (o mais temeroso pela voracidade), o jaú, o barbado
(peixes de rio).
Entre os moluscos: as
amêijoas, as ostras, os bacucus; os ouriços, as esponjas; os caranguejos, o
camarão, a lagosta, etc.
Mas a nossa fauna entomológica
é de uma exuberância incomparável, e por isso lhe reservamos aqui um pouco mais
de espaço.
A ordem dos insetos cascudos (coleópteros) é uma das mais ricas e
interessantes. Uma das famílias mais curiosas desta ordem é a dos elaterídeos, entre os quais os
pirilampos ou vaga-lumes. A família das cicádeas
é representada pelas cigarras.
A ordem dos himenópteros (formigas) é talvez a mais
profusa. A esta ordem pertencem as abelhas, as vespas, as mamangavas, os
maribondos, etc.
A ordem dos dípteros é também
numerosa, e nela se encontram: as pulgas, os mosquitos, as mutucas.
A ordem mais opulenta pela
variedade, e mais admirável pela beleza, é das borboletas (lepidópteros). A
zona mais rica será talvez a do norte. Já se estudaram no Amazonas perto de
seiscentas espécies.
O fenômeno da migração das borboletas
(principalmente da espécie conhecida pelo nome de paná-paná) é dos mais curiosos e fantásticos que observam no
interior.
Nota um naturalista de grande
autoridade que a nossa fauna, relativamente aos insetos, apresenta algumas
particularidades; como, por exemplo, a escassez de insetos carnívoros em
comparação com o grupo correspondente da Europa; enquanto o número de insetos
herbívoros é muito maior aqui do que lá. Observa ainda que os nossos insetos
herbívoros são, em regra, maiores que os europeus; ao passo que os nossos
carnívoros são menores que os de lá.
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Imagens:
Biblioteca Nacional Digital:
http://bndigital.bn.gov.br
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