Expulsão dos holandeses de Pernambuco
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1 - Pelos fins de 1653 tem-se
certeza de que a corte de Lisboa não está disposta a ceder aos intentos da
Holanda.
Sentiram então, ainda mais, os
patriotas necessidade de se desafogarem daquela penosa, longa inação.
Tendo-se entendido com os
outros mestres de campo, foi João Fernandes Vieira conferenciar com o general
em chefe, a respeito da urgência, que todos sentiam, de dar à guerra um
desenlace, que não era possível dilatar-se mais.
Hesitou um pouco Francisco Barreto.
Mas afinal, cedendo às instâncias de Vieira, convocou a conselho os chefes do
exército; e tal foi a impressão causada pelo ânimo resoluto de Vieira e de
Vidal, que Barreto não pôde deixar de aquiescer, quase renunciando neles a
sorte da campanha naquela fase decisiva.
Para encorajar os libertadores
em momento de tanta gravidade concorria a notícia, que se havia recebido, de
que estava a zarpar do Tejo a frota da Companhia de Comércio, agora com a
incumbência formal de cooperar com os independentes.
Prepara-se, pois, tudo com
muita diligência, e tudo se dispõe em volta do Recife, para o golpe certeiro. Estava-se
pelos fins de 1653, quando se teve aviso de que os primeiros navios estavam à
vista da costa.
A frota fora desta vez muito
reforçada, e guarnecida de importantes elementos de guerra. Compunha-se de
treze navios de combate, comboiando sessenta e quatro embarcações mercantes.
Vinha como almirante o mesmo Pedro Jaques de Magalhães, que já comandara a
primeira frota, e como vice Francisco de Brito Freire, o mesmo que veio a ser
depois um dos melhores historiadores da guerra.
No dia 20 de dezembro (1653)
estava a esquadra diante do Recife. Tiveram os holandeses veleidades de
hostilizá-la; mas inutilmente; e foram os navios de que dispunham obrigados a
recolher-se ao porto.
2 - Mandou logo o mestre de
campo-general a bordo pedir uma conferência ao almirante; e Pedro de Magalhães
apressou-se a descer à terra, em companhia do vice-almirante, saltando a
pequena distância de Olinda, junto ao rio Tapado.
Ali os foram receber os chefes
pernambucanos "com duas companhias de cavalos e muita honra".
Expuseram-lhe logo a situação da guerra, e pediram-lhe o concurso da esquadra
para dar o golpe de morte nos intrusos.
Repetem-se ali, as velhas
comédias recomendadas pela corte. Declara o almirante que não pode ficar na
costa, receoso dos ventos e que, além disso, "não tinha ordem nenhuma de
S. M. para tal fazer"; e que não queria arriscar-se a que "lhe
cortassem a cabeça"...
Mas os patriotas lhe vencem
facilmente a fingida relutância: e todos fraternizam, "em nome da justiça
e da pátria". Seguiram da praia todos para Olinda, onde entraram no meio
de indescritível regozijo.
No dia seguinte (21 de dezembro)
celebrou-se o grande conselho de oficiais a que assistiram Magalhães e Brito
Freire. Ao cabo de um simulacro de debates "para guardar as
aparências", resolveu-se o ataque decisivo ao Recife pelas forças de
terra, enquanto a esquadra bloquearia toda a seção da costa, entre Olinda e a
Barreta.
Tudo combinado, voltaram no
mesmo dia os almirantes para bordo, tomando imediatamente as providências, de
acordo com o que se deliberara. Estendeu-se na costa uma linha de navios,
ficando "quatro à vela para vigiarem o mar e darem comboio aos barcos
mercantes que haviam de entrar no porto de Nazaré".
Em terra, põe-se em execução o
plano dos mestres de campo. Vieira e Vidal percorrem todas as estâncias
fronteiras à praça sitiada; estudam, seguidos de dois engenheiros, os novos
pontos que convém fortificar e sem demora reforçam todas as guarnições.
Quando tudo esteve pronto, e
tudo disposto e prevenido em volta do Recife, marcham (na noite de 14 de
janeiro) sobre o forte das Salinas os mestres de campo com dois mil homens.
Levantaram trincheiras defronte daquele forte, e, pela manhã, rompia o fogo.
Acodem dos pontos vizinhos os flamengos; e ali se combate até o anoitecer com
pequenas intermitências.
Durante a noite renovam a luta
os insurgentes; até que pela madrugada capitulam os do forte.
No dia 17 investem os
patriotas o formidável baluarte da Asseca (ou Altenar). Ao pôr do sol de 19,
levantavam bandeira branca os holandeses, concedendo-se-lhes as honras de
guerra.
O inimigo recolhe na praça as
guarnições de todos os redutos exteriores, e aguarda a hora do seu destino.
3 - Trata-se de pôr pé na
ilha, e de investir a temerosa Cinco Pontas, que defende a mísera Maurícia.
Para chegar à grande fortaleza, teve-se de tomar de assalto um velho reduto já
na ilha (forte Amélia). Rompe, então, fogo das Cinco Pontas. E dentro em pouco
sai dos muros o próprio Schkoppe à frente de uns 900 homens e trava-se furioso
combate na campina que fica entre aquele reduto e a fortaleza.
Shkoppe, abatido e
consternado, procura os homens do Conselho Político.
Preparavam-se os patriotas no
dia 23 para escalar durante a noite a fortaleza, quando o inimigo pediu
suspensão de armas e pela tarde apresentava-se diante do exército libertador o
capitão Van Loo, com uma carta dos membros do Conselho para o mestre de
campo-general. Pediam os conselheiros a Barreto que mandasse seus delegados
para tratarem da capitulação com três representantes que o Conselho ia nomear.
No dia 24 reuniam-se ali
mesmo, em lendas que se armaram na campina, entre os dois acampamentos (campina
do Taborda) os delegados das duas partes, e começaram a discutir as condições
da capitulação.
Duraram três dias as
negociações. Todo o esforço dos holandeses consistiu agora, na pretensão de
salvar no ajuste a hipótese de que lá na Europa já tivessem os dois governos
resolvido, ou viessem a resolver a questão...
Não admitiram semelhante
restrição os patriotas, e tiveram a ombridade de consignar no texto do auto o
artigo da proposta, com a recusa formal da parte pernambucana, feita nestes
termos: "E no que toca ao que os ditos vassalos pedem sobre não prejudicar
este assento e concerto às convenções que puderem estar feitas entre o senhor
Rei de Portugal e os senhores Estados Gerais antes de lhes chegar a notícia
este dito concerto e assento: não concede o senhor mestre de campo-general, porque
se não intromete nos tais acordos que os ditos senhores tiverem feito,
porquanto de presente tem exército e poder para conseguir quanto empreender em restituição
tão justa". É como se dissesse alto e bom som: "Não temos nada com o
que fizerem por lá; aqui o que se fez está feito".
Fixou-se enfim no dia 26, já
alta noite, a redação do ajuste, cujos termos fazem honra à generosidade, aos
sentimentos de justiça, e ao espírito liberal dos patriotas vitoriosos.
Convencionou-se, em resumo: —
que a cidade do Recife, todas as demais povoações e todos os fortes e
armamentos existentes nas quatro capitanias que tinham estado em poder dos
holandeses, seriam restituídos imediatamente ao rei de Portugal; — que se
esqueceria a guerra, concedendo-se anistia plena e inteira aos próprios
portugueses e judeus, ou súditos de qualquer outra nacionalidade que tivessem
tomado partido pelos holandeses; — que no tocante à rebelião, todos seriam
tratados no Brasil do mesmo modo que o eram em Portugal; — que os capitulados
sairiam com todas as honras da guerra; que os súditos de Holanda poderiam ficar
e viver no Brasil nas mesmas condições em que vivem os portugueses; e os que se
quisessem retirar poderiam conduzir todos os seus bens, e liquidar os seus
negócios por si mesmos, ou por seus procuradores.
Na mesma noite de 26 de
janeiro de 1654 foram assinadas as pazes.
No dia seguinte, entrava o
exército dos patriotas na cidade, tomando conta de todas as fortificações.
No dia 28, pela tarde, fez o
general Francisco Barreto a sua entrada solene e triunfal no Recife,
acompanhado de um esquadrão de cavalaria e de oficiais do exército vitorioso.
Na porta da cidade foi
recebido pelo general Schkoppe, os membros do Conselho Supremo, oficialidade do
exército holandês, e multidão de moradores.
Apeando-se ali, saudou Barreto
a todos "com muita urbanidade, e sob o troar da artilharia em todas as
fortalezas".
Depois de haver entrado na
casa de Schkoppe, "por lhe fazer honra e cortesia", seguiu com todos
a pé, e entrou no Recife, indo logo direito à casa do conselheiro Schonenborch,
presidente do Supremo Conselho.
Quis o mestre de campo-general
acompanhar gentilmente a todos os membros do extinto governo às respectivas
moradas, e ali deixá-los mas por sua vez, fizeram questão de continuar a
"fazer-lhe honra" até deixá-lo instalado no palácio que tinha servido
para as sessões do Conselho.
Na noite do mesmo dia
festejou-se militarmente o grande sucesso; e por deferência com os vencidos,
teve-se muito cuidado em conter o mais possível o entusiasmo dos pernambucanos,
evitando-se ruidosas manifestações populares.
No dia 30 alojaram-se os
capitulados na vila de Olinda, de onde, logo depois, embarcaram para Holanda.
Também no dia 2 de fevereiro,
incumbido de levar a notícia do fausto acontecimento, partia André Vidal de
Negreiros para Lisboa, onde chegou à noite de 19 de março, encontrando a corte
e a cidade em festas, por ser o aniversário natalício do rei.
O que se passa em tal momento
na capital portuguesa é mais fácil imaginar que descrever.
4 - Estava, pois, encerrada
aquela campanha de nove anos, fase aguda do longo protesto contra a usurpação;
e vitoriosa a grande causa de que tinha vivido o coração de tantos heróis.
Sente-se, ao chegar a termo de
jornada tão penosa, que a bravura dos patriotas entra de novo na terra sagrada
parecendo mais comovida e mais propensa à piedade do que ufana de si mesma. O
que se quer é esquecer tudo!
Há por aqueles dias em todo o
Recife mais talvez gravidade, e até recolhimento e compunção de culto, do que
aspectos e arruídos de vitória. Mais do que esta, o que ali glorifica os
libertadores da terra é a grandeza de alma com que souberam vencer os
sentimentos do inimigo abatido, depois de havê-lo domado nos ímpetos de
violências e barbaria.
O esforço do colono teve,
portanto, esta alta significação: salvou toda a obra, antes de tudo de
integridade latina, que o português aqui iniciara e tinha encaminhado com uma
coragem que não foi excedida em ponto algum da América, e com uma consciência
da sua missão e uma sinceridade de intuitos que não têm exemplos no resto do
continente.
A vitória dos patriotas foi
para a obra de Portugal infinitamente mais fecunda, mais decisiva e de alcance
mais vasto do que seria para o império flamengo o esmagamento de todo aquele heroísmo.
Desvanecido da reivindicação,
sentiu o colono que, mais do que à tutela e amparo da metrópole, devia ao
próprio valor a sua fortuna; e a terra, duas vezes conquistada pelo seu sangue,
e tantas vezes defendida pela sua força, tem ele agora mais íntimos e sagrados
motivos ainda para amá-la, porque representa para ele o sacrifício, a afirmação
da sua fé, o triunfo edificante da sua constância e da sua bravura.
Deixara de ser um simples
colono: fizera-se patrício. E patrício de uma pátria criada pelo seu coração e
pelo testemunho da sua grandeza moral.
E este justo orgulho dos que
haviam resgatado a terra, muito longe de localizar-se na zona redimida,
repercutiu em todo o país, e exalçou o ânimo geral das populações.
5 - Para isso, além do fato de
que todas as colônias se sentiam afrontadas daquela humilhante intrusão,
bastaria a circunstância de se haverem encontrado na campanha libertadora,
voluntários de todas as outras capitanias, numa perfeita união e solidariedade
contra a violência.
Os heróis eram aclamados por
toda parte. As grandes figuras de Vieira, Vidal, Henrique Dias, os Camarões,
Francisco Barreto, Dias Cardoso, Francisco Rebelo, os Barbalhos, e tantos e
tantos, andavam vivas no entusiasmo de todos.
Mas, no meio das alegrias,
andava um sintoma bem curioso e significativo.
Com os sucessos da campanha,
correm por toda parte as grandes queixas, que o triunfo bem poderia ter
apagado, mas que estavam muito fundo nos corações para cessarem tão depressa de
amargar e pungir a alma dos filhos da terra. Com as angústias e os martírios
impostos a toda a mísera gente, revivem os velhos sentimentos contra a corte;
as hesitações com que se opera em Lisboa; o abandono quase completo em que se
viram os patriotas; os embaraços que teve de sofrer a insurreição, oriundos da
política incongruente que a metrópole era obrigada a fazer e tantos outros
males que tornam a guerra tão amargurada.
Eram tais aquelas queixas que
nunca mais foram esquecidas, antes com orgulho relembradas e até se procuravam
os momentos mais solenes para repeti-las.
Um século depois, ainda havia
paixão para estrondar do alto dos púlpitos: "Ditosa pátria! Pátria
infeliz! Infeliz te chamo, e ao mesmo tempo ditosa, porque, se o destino te
arrastou ao ínfimo da maior desgraça, a Providência te subiu ao auge da maior
dita" — dizia na Sé de Olinda, em 1731, frei Jaboatão.
Nem os próprios galardões
oficiais, com que se recompensam muitos dos heróis, comoviam aos galardoados:
mais alto que essas graças tardias falam os agravos.
É fácil entender a natureza do
sentimento que se vem gerando, e agora se fortalece no coração das populações
em relação à metrópole; convém não perdê-lo de vista, porque esse sentimento
vai ser um fator de primeira ordem na orientação da nossa história futura.
6 - Para essa atitude dos
colonos em todo o país, concorriam ainda os processos que continua a corte de
Lisboa a pôr em prática em relação à colônia; e mais do que isso, a forma de
arranjo que na Europa se tratava de fazer com a Holanda.
Enquanto no Brasil tudo se
liquidava pelas armas, cuida a Holanda de fazer por lá uma liquidação melhor
pelo terror e pela astúcia. O governo da Haia queria tudo, e talvez alguma
coisa mais...
E sem nenhuma reserva ao menos
com o luto da rainha (pelo falecimento de D. João IV, em 1056) fez pressão
sobre a corte, enviando-lhe uma embaixada aparatosa, e fazendo logo bloquear os
mais importantes portos do reino, enquanto um ultimato era apresentado à rainha
viúva, exigindo a restituição de todas as conquistas que tinham sido feitas no
Brasil e na África, e uma porção de coisas mais.
Isto produz indignação em
Lisboa, e a corte rompe com os delegados de Holanda. Retiram-se eles declarando
guerra a Portugal. Fecha-se então o bloqueio, ao mesmo tempo que corsários
flamengos perseguem nos mares embarcações de comércio portuguesas.
Vai-se assim, até 1661, quando
se consegue assinar a paz, graças à mediação da Inglaterra e ainda assim,
nestas condições: — indenização de 4.000.000 de cruzados à Companhia Holandesa,
pagos em 16 anos (250.000 por ano) em dinheiro, ou em açúcar, sal ou tabaco;
restituição, às Províncias Unidas, de toda a artilharia que se encontrasse no
Brasil com as armas do Estado ou da Companhia; liberdade de comércio para os
holandeses no Brasil, dando-se-lhe em todas as possessões as mesmas franquias e
vantagens concedidas aos ingleses em 1655.
No pagamento da indenização
teve o Brasil de entrar com a metade, 120.000 cruzados, além de 20.000 mais
para o dote da infanta que casou com Carlos II, a cuja franca intercessão se
deveu a paz.
Por mais penoso e repulsivo
que fosse tudo isso para os colonos, deram eles, reprimindo os seus
ressentimentos, prova de magnanimidade aceitando mais aquele sacrifício.
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