A época das
minas
---
1 - Entendem os nossos historiadores de mais nota
que a descoberta e a exploração das minas "nenhum melhoramento moral
trouxe às populações da colônia e nenhum acréscimo à fortuna pública".
Apreciando, no entanto, mais de longe os fatos, é
preciso reconhecer que a época do ouro tem na história do Brasil a importância
de fator de primeira ordem.
Basta notar que, até quase fins do século XVII,
tínhamos o povoamento reduzido às vizinhanças da costa. Os pequenos núcleos da
zona marítima levavam vida mofina. As indústrias criadas, e em regra mantidas à
custa de privilégios, reduziam-se a duas ou três de valor, em algumas
capitanias. Em muitas, na maioria, essas indústrias não eram suficientes para
criar a riqueza geral, nem mesmo para constituir grandes fortunas.
É certo que, mesmo antes das minas, se encontravam,
numa ou noutra capitania, homens ricos. Mesmo ouro e prata sabia-se que havia
em São Paulo, na Bahia, em Pernambuco, quem possuísse até grandes cabedais em
baixelas e jóias.
Isso, porém, era muito raro, e nada valia como
elemento de determinação histórica; e provava apenas que desde o primeiro
século já havia, principalmente na capitania do extremo sul, quem negociasse
com espanhóis que faziam pelo interior o contrabando de ouro e prata do Peru;
ou então, tais fortunas de exceção se faziam clandestinamente na própria terra,
como parece provável, pois não é mais possível negar que no Brasil muito ouro se
extraiu antes que o fisco real disso tomasse conta.
Em São Paulo, por exemplo, muito antes das primeiras
amostras do metal, remetidas para a corte nos fins do século XVII, já havia
nababos que punham arrobas de ouro trabalhado à disposição do governador D.
Manuel Lobo para a expedição do Prata.
Mas isso, como dissemos, nada influía nas condições
da vida geral. Só a descoberta das grandes minas no sertão é que vem mudar a
sorte das populações encantoadas no litoral, abrindo-lhes agora a amplitude do
continente.
Naquele momento, pois, a descoberta das minas foi a
solução mais lógica e natural que o destino poderia oferecer aos problemas de
que dependia a fase decisiva a que tínhamos de chegar. O regime colonial
fizera-se já sentir, e ia calando fundo no espírito da terra. Eliminá-lo era a
grande aspiração que nascia. Mas onde há pobreza pouco valem ideais políticos.
Só numa certa independência econômica é que o sentimento de uma causa é capaz
de converter em ação energias latentes.
Só a riqueza, criando a força e o orgulho, poderia,
pois, preparar as populações da colônia para a obra que em seguida vão
realizar.
2 - O colono entrou na terra procurando ouro. Mas só
de meados do século XVI em diante, é que começaram a correr boatos de jazidas
encontradas em várias paragens da capitania de São Vicente. Para os fins do
referido século já criava a corte portuguesa no Brasil uma administração geral das
minas. Como não havia ainda minas a administrar, cuidaram os administradores de
as descobrir. E foram, com efeito, eles que criaram a exploração sistemática do
sertão, à medida que o libertavam do gentio agressivo.
Pelos fins do século XVII estavam enfim revelados os
primeiros grandes núcleos de mineração.
Não é possível fazer ideia do que se passa de então
em diante no interior do pais.
Espalhada a notícia por todo o Brasil e pela Europa,
tornaram-se espantosas as migrações em massa, como se o mundo em grande insânia
refluísse para a região das minas. Debalde tomava o governo providências no
intuito de impedir essa temerosa afluência de gente de toda ordem nos distritos
auríferos. Não há diques que valham contra essas torrentes humanas.
Não há nenhum exagero em dizer-se que de todas as
nossas capitanias principalmente houve um como êxodo geral, primeiro para as
Minas Gerais, e em seguida para as de Mato Grosso e de Goiás. Abandonavam-se as
lavouras do litoral; os engenhos ficavam parados; as fazendas de criação viram-se
desertas. Comei ciantes, artífices, e até funcionários da administração e do
governo, oficiais da justiça e do fisco, magistrados, militares — deixavam os
trabalhos e os cargos e iam à busca do eldorado que afinal se desvendara.
Nada, no entanto, do que se passou lá pelos confins
do sertão, é comparável ao que se deu no território que tomou o nome de Minas
Gerais. Ali o movimento de adventícios foi mais vasto e desordenado, a
competição mais renhida e mais tremenda.
3 - Toda aquela zona, conhecida primeiro como sertão
dos Cataguás, poderia ser dividida em distritos se fosse possível discriminar
com precisão as lavras de cada um.
O mais prático, portanto, é assinalar na zona, os
grandes núcleos do Ribeirão do Carmo, do Pitangui, do Rio das Velhas e do Ouro
Prêto, como os mais notáveis pelo grande número de lavras. De todos esses, foi
o de Ouro Prêto o núcleo mais importante, e como o centro, o "ponto
culminante da história antiga da terra mineira".
Na ordem cronológica, a segunda grande zona é a de
Cuiabá. Houve lá também vários núcleos, sendo mais ricas as lavras de aluvião,
no sítio onde se acha hoje a capital de Mato Grosso.
A terceira das grandes zonas auríferas foi a dos
Goiás, primitivamente conhecida sob o nome de sertão dos Araês. Formaram-se
logo por ali, ainda no tempo do segundo Anhanguera (Bartolomeu Bueno, filho),
os arraiais de Sant'Ana (depois Vila Boa, e mais tarde Goiás), do Ferreiro, da Barra,
do Ouro Fino, que são as mais antigas povoações daquele Estado.
Mesmo antes de se haverem descoberto os grandes
distritos mineiros, começou o governo português a regular todo o serviço das
lavras: a propriedade das minas, as relações entre os mineiros, a arrecadação
dos direitos reais — toda a ordem geral no meio da grande massa que vai
borborinhar em tõrno de todas as jazidas.
Segundo o antigo direito português, reservava-se à
Coroa a propriedade de todas as riquezas de subsolo, mesmo nas terras que
concedia. Só por mercê especial e expressa se atribuía aos proprietários o
direito às minas que se encontrassem nas respectivas terras.
Ao descobridor de mina concedia-se um prêmio em
dinheiro, além do direito de lavrar até uma quarta porção do manancial
descoberto, mesmo que fosse em terra alheia. As minas eram divididas em datas.
Respeitada a data pertencente ao inventor, as demais podiam ser adjudicadas aos
mineiros que as requeressem.
O provedor dos quintos era a autoridade competente
para conceder datas; e antes de fazer as concessões, cumpria-lhe informar-se
minuciosamente da condição dos mineiros.
Perdia a sua data o concessionário que não a fizesse
lavrar dentro de cinquenta dias; e considerava-se como não lavrada a mina onde
não trabalhassem pelo menos dois homens efetivamente.
4 - Ninguém podia ser preso por dívidas enquanto
estivesse trabalhando nas minas; nem ficava sujeito a penhora, quer dos
escravos, quer dos instrumentos e das provisões, nem de coisa alguma necessária
ao serviço de mineração.
Competia ao provedor a inspeção das lavras e de
todos os trabalhos. Das decisões desta autoridade só havia, em certos casos,
recurso para o Provedor-Mor da Fazenda Real.
Depois que se instalaram as casas de fundição, todo
o ouro devia ser a elas recolhido. Depois fundia-se e pesava-se o metal. Ia em
barras outra vez a registro, e cada barra era marcada com o competente carimbo.
Só então é que se deduzia o direito dos quintos,
cuja importância era recolhida a um cofre, fechado a três chaves. Essas chaves
ficavam em poder do provedor, do secretário e do tesoureiro, de modo que o
cofre não poderia ser aberto senão em presença dos três funcionários.
Podiam, depois de assim legalizadas, correr as
barras de ouro nos mercados. Chamava-se ouro quintado. Em outras condições,
possuir ouro era um crime gravíssimo. As penas contra os contrabandistas (os
que vendiam ouro não quintado) eram de extremo rigor: os que vendessem,
trocassem, dessem, embarcassem, ou que possuíssem ouro que não tivesse passado
pela fundição, sofreriam a pena de morte, com sequestro dos bens — sendo dois
terços destes para a Coroa, e um terço para o denunciante.
Mais tarde, em princípios do século XVIII,
modificou-se o regime das minas e todo o serviço. Mas não tiveram grande
importância as modificações, consistindo principalmente em assegurar os
interesses da fazenda real.
5 - Desde o princípio, quando se fizeram concessões
de capitanias, já o Rei, nos respectivos forais, fixara na quinta parte de
todos os produtos de subsolo os direitos da Coroa.
A forma de arrecadação, foi sempre muito difícil de
regular. Daí o cuidado irritante do governo, e os abusos a que davam lugar os
processos adotados: tudo com o intuito de coibir as fraudes que se davam, e que
eram, apesar de tudo, sempre inevitáveis.
Primeiro, fazia-se a cobrança pelo pêso do metal,
deduzindo-se dele a porção devida ao erário. Só pagava regularmente o imposto
quem queria.
Depois, estabeleceu-se a capitação: isto é, uma
certa porção de ouro por escravo ou administrado que o mineiro tivesse em
atividade na sua lavra.
Parece que este sistema foi o preferido pelos
mineiros. Pelo menos, quando se quis mudar, fizeram eles grande questão de que
fosse conservado. E até nas Minas Gerais, a instância com que o pediram,
degenerou em revolta e motim.
Desconfiou a metrópole de que, se a coisa convinha
aos mineiros, não podia por isso mesmo convir ao erário público.
Desde os princípios do século XVIII tratou-se de
estabelecer casas de fundição nas diversas zonas mineiras.
Em toda parte foi isso muito difícil, e só de 1720
em diante é que se foi a muito custo conseguindo.
Este processo de quintagem vem como grande e único
recurso que a insuficiência dos outros meios aconselhava.
Tentara-se, aliás, antes de pôr em prática este
processo, resolver o problema instituindo uma quota coletiva por município,
supondo-se que assim se evitariam os dolos e astúcias que burlavam a capitação.
Em Vila Rica de Ouro Preto, resolvera em 1713 uma Junta aceitar o alvitre,
oferecido pelos mineiros e com o apoio da população em geral de englobar-se em
trinta arrobas de ouro anualmente a contribuição de toda a capitania, "contanto
que ficasse livre em toda a colônia a circulação do ouro em pó".
A corte não sancionou este alvitre: ou antes, fez
luxo primeiro, para depois sancionar.
Obstinou-se em manter o processo da quintagem.
Este, no entanto, não era melhor que os outros.
6 - O primeiro governador da capitania de Minas
(separada de São Paulo) D. Lourenço de Almeida, assim que se empossou do cargo
(em 1721) cuidou, de acordo com as instruções que trouxera, de organizar
definitivamente o serviço da cobrança.
Estudou a questão com calma e prudência, e acabou
fazendo, com as câmaras em Junta, um acordo, segundo o qual se instituía de uma
vez a finta coletiva, elevando-se apenas a 37 arrobas a contribuição anual.
A corte ainda fez luxo. Ordenou que se instalassem
as fundições. Estas, com efeito, fizeram subir o quinto do erário a perto de
cem arrobas de ouro por ano. E isso não obstante os descaminhos "que
tocavam as raias do escândalo".
Vale-se agora a corte da sua astúcia. Começa a
variar de regime, preferindo o que sabia mais detestado dos mineiros, de forma
que estes fossem oferecendo sempre mais para evitar medidas que os
prejudicassem
Em 1733 ofereceram cem arrobas anualmente, e de ouro
quintado, deixando ainda para o Rei "o que nas casas de fundição excedesse
à quantidade estipulada".
Agora a corte aceitou. Dentro em pouco, porém,
sabe-se por lá que o ouro "inundava o Brasil". Montavam-se até
fundições clandestinas, tanto para reduzir a -barras a enorme quantidade de
ouro que escapava ao fisco real, como para a cunhagem de moeda falsa.
A corte alarmada ameaça outra vez os mineiros com a
capitação, que, de mau, se tornara afinal bom negócio para ela.
De fato. apesar de todos os protestos e clamores,
foi a capitação de novo adotada, e durou até 1751, quando se voltou à quota
fixa anual das cem arrobas.
7 - Pode calcular-se em cerca de 8 a 10.000 arrobas
o ouro que foi para Portugal durante o século XVIII; e portanto, em muito mais
de 50.000 arrobas o ouro que se extraiu das minas do Brasil nesse período. Há
mesmo quem calcule em mais do dobro a totalidade do metal que saiu das lavras.
Não consistiu só em ouro a riqueza mineral que se
explorou durante o período da colônia.
A prata foi também desde princípio objeto de
insistentes pesquisas, até fins do século XVII, quando o ouro sobrelevou a
tudo, monopolizando o esforço do governo e das populações. Não é possível, por
isso, estimar a quantidade de prata que se haja extraído.
Das próprias pedras preciosas, a que concorreu com o
ouro, na cobiça geral, foi a esmeralda; e isso devido às lendas que se
espalhavam sobre as fantásticas proporções em que se encontrava esse mineral no
interior. Como se sabe, nenhum proveito deu.
Mesmo o diamante, só veio a pesar na economia da
colônia depois que o ouro começou a escassear (de meados do século XVIII em
diante). Foi, aliás, nos trabalhos de mineração do ouro que se descobriram as
primeiras pedras, por 1723 ou 1724; e já em 1730 tomava incremento a lavra de
diamantes, no distrito de Tijuco e Minas), a futura Diamantina que se tornou
tão famosa.
Calculam-se em mais de 3.000 quilos os diamantes que
se extraíram até meados do último século.
Outros muitos minerais têm-se aproveitado, e alguns
se aproveitam ainda; tais como: variedades de pedras preciosas; o ferro, o
mercúrio, o zinco, o estanho, o chumbo, o salitre, a hulha, o manganês, etc.
---
Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
http://memoria.bn.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...