1 - O desastre de Duclerc
serviu de pretexto para uma nova agressão ao Rio de Janeiro. É um marinheiro já
famoso no corso, Duguay-Trouin, que vai tomar agora a empresa, na qual, além da
sedutora perspectiva de grande fortuna, via ele a glória de "vingar os
seus compatriotas".
Facilmente arranjou tudo
quanto era indispensável a um cometimento de tal natureza. Organizou às pressas
uma poderosa esquadra de 17 navios montando mais de 700 canhões e trazendo
cerca de 4.000 homens de desembarque.
Assim que se teve disso
notícia em Lisboa, cuidou o governo de D. João V de tomar as providências que
eram possíveis: fez partir antes da época normal a frota do Brasil,
dobrando-lhe o comboio; mandou armar em guerra alguns navios mercantes,
embarcando neles algumas tropas de reforço; e confiou o comando destes navios a
Gaspar da Costa de Ataíde (o Maquinez),
oficial muito distinto, e muito senhor do seu ofício.
Largou Duguay-Trouin da
Rochela a 9 de junho (1711), e só a 27 de agosto veio avistar terra pelas
alturas da Bahia. Prosseguindo, veio, pelos primeiros dias de setembro, dar
fundo na latitude do Rio, mas longe da terra.
Já haviam chegado os reforços
com Gaspar da Costa. Pôs este os seus navios em ordem para protegerem a cidade.
Passados alguns dias, porém, como não apareciam inimigos, persuadiu-se de que
os boatos eram falsos, como era frequente em nossas praças marítimas. Fez então
desembarcar as tropas, e deixou-se ficar em terra desapercebido.
Em certa manhã (12 de
setembro) era a população surpreendida
com o troar de artilharia na barra; e para maior susto, nada podendo avistar-se,
devido ao espesso nevoeiro.
Aproveitando-se da cerração,
ordenara Duguay que a esquadra enfiasse pela barra sem fazer caso do fogo das
fortalezas, e tomasse posição diante da cidade. E assim se fez. Só alto dia, ao
levantar o nevoeiro, é que se viu a esquadra inimiga na baía!
Tal foi a surpresa, que o
próprio Gaspar da Costa, nada mais podendo fazer, mandou incendiar os seus
navios.
Na manhã seguinte (13 de
setembro) apoderam-se da ilha das Cobras os assaltantes. Tendo montado logo ali
as suas baterias, considerou-se Duguay senhor da cidade.
O Governador, que era ainda
Francisco de Castro Morais, adotara quase o mesmo sistema de defesa de um ano
antes contra Duclerc: com uma força que poderia enfrentar a do inimigo,
deixara-se ficar no campo do Rosário, vendo o progressivo assalto da cidade.
Com a sua prudência e tática
segura, concentrou o comandante corsário as suas forças nas montanhas da zona
norte da cidade, até a ilha das Cobras e na praia fronteira, e intimou ao
Governador que se rendesse, declarando-lhe que estava ali, em nome do rei de
França, para vingar as crueldades cometidas contra súditos franceses.
Respondeu Castro Morais à
intimação, discutindo muito, e rebatendo as recriminações que lhe eram dadas
como pretexto para o novo assalto à cidade; e concluía declarando que
defenderia a praça "até a última gota de seu sangue".
No dia 20 de setembro
começavam os franceses a bombardear os entrincheiramentos do Rosário,
preparando-se para um assalto geral no dia seguinte.
Pela tarde, grande pavor caía
sobre a cidade. As próprias guardas começam a desertar os seus postos. No
próprio acampamento do Rosário, a impressão que a todos domina é a de que se
está sob a iminência de inevitável destroço. Procuram alguns reanimar aquela
gente com os socorros que se esperam de Minas inutilmente.
À noite, começou a chover; e
dentro em pouco desabava sobre a cidade uma grande tormenta. O Governador,
desatinado no meio do susto que lavra, consulta em repetidos conselhos os seus
oficiais. Muitos destes votam pela resistência, e alguns insistem até por uma
resoluta ofensiva; mas a maioria resolve que, enquanto se espera pelo socorro
de Minas, se mude o acampamento para posição menos sujeita ao fogo do inimigo.
É este o alvitre que vinga.
Nessa mesma noite (21 para 22 de setembro) abalou Castro Morais com o seu
exército, e foi acampar primeiro no Engenho Novo, e logo depois em Iguaçu.
Foi o mesmo que dar o sinal da
fuga e debandada geral na cidade. As próprias prisões são agora abandonadas; e
a população em massa, no meio de gritos e alaridos, desvaira pelos campos e
matas, à busca de refúgio, afrontando, para fugir aos canhões inimigos,
"uma das noites mais medonhas de que havia memória na terra".
3 - Quando, pela madrugada de
22, se preparava Duguay-Trouin para a investida geral, apareceu-lhe um francês,
que tinha sido ajudante de Duclerc, dizendo-lhe que podia entrar sem combate,
porque a cidade estava deserta, e já entregue ao saque pela própria gente da
outra expedição, que irrompera das prisões abandonadas.
Durante toda a noite de 22
para 23 de setembro, a pilhagem foi horrível. Arrombaram-se "umas três
quartas partes das casas e armazéns: vinho, provisões, alfaias, fazendas,
gêneros de toda ordem, estavam empilhados a granel na lama das ruas".
Chegou o atacante a punir de escarmento alguns dos seus soldados; mas não havia
castigos que contivessem a ganância daqueles homens. Preferiu então, para coibir-lhes
a fúria devastadora, trazê-los continuamente ocupados em armazenar os frutos da
rapina.
Cuidou, entretanto,
Duguay-Trouin, de tirar depressa todos os proveitos da sua fortuna.
Compreendera quão melindrosa poderia tornar-se ali a situação se por muito
tempo se demorasse na cidade. A praça estava inteiramente fechada para ele pelo
lado de terra, tornando-se assim muito difícil o suprimento de víveres no caso
em que lhe viessem a faltar.
Além disso, o que mais o
inquieta é a reação que ali, não longe, em Iguaçu, se estava organizando, e que
se tornaria talvez temerosa desde que chegassem de Minas as forças esperadas.
A sua grande ânsia é, pois,
agora, apressar a liquidação do seu grande
negócio. Mandou então, como primeiro sinal, dizer a Castro Morais que, se não
resgatasse imediatamente a cidade, "vê-la-ia arder até os
fundamentos". E para mostrar que não era vã a ameaça, espalhou soldadesca
que pelos subúrbios foi
incendiando habitações e tudo que encontrava.
Esses atos de vandalismo
impressionaram fortemente o espírito de toda a população, e ninguém mais pensou
em esperar pelos socorros de Minas para castigar a audácia dos salteadores: o
que se quis foi salvar a cidade.
Foi naturalmente isto o que
atuou no espírito do Governador e de todos para levá-los a ceder às imposições
do inimigo.
4 - Em tal conjuntura, reuniu
Castro Morais o seu conselho, e aí deliberou-se nomear uma comissão de oficiais
que se incumbisse de negociar com o corsário o resgate da cidade.
Ofereceu-se-lhe o mais que no
transe era possível: 600.000 cruzados. E declarou-se logo, que mesmo essa
quantia, só em longo prazo se poderia reunir, não só porque muito já havia
caído nas mãos dos franceses, como ainda porque uma grande parte de haveres particulares,
e até os fundos do erário público "tinham sido levados para o centro dos
bosques e montanhas".
Rejeitou Duguay com arrogância
a proposta por irrisória, exigindo, como contribuição de guerra, doze milhões de cruzados... E mandou
mostrar aos comissários como estava tudo pronto para arrasar a cidade,
inutilizando mesmo quanto o fogo não pudesse consumir, de modo a ser completa a
destruição.
Voltaram, pois, os
mensageiros, com esta repulsa desconsoladora.
Mas a gana insaciável ia logo
arrefecer. Soubera Duguay, por uns pretos desertores, que estavam a chegar a
todo instante as tropas que se esperam do interior; e que da Ilha Grande já
chegara a Iguaçu um reforço de 1.200 homens.
Era preciso sair de tão
arriscado encalhe. Tomou, portanto, a resolução de ir, durante a noite, e com
toda cautela, à frente de todas as suas forças, apresentar-se de surpresa, ao
romper do dia, diante do acampamento português.
Em sua aflição, expede Castro
Morais novos mensageiros encarregados de dizerem ao assaltante que era
absolutamente impossível arranjar mais do que a quantia oferecida, à qual
poderia acrescentar 10.000 cruzados do seu bolso, e mais 100 caixas de açúcar e
200 bois.
5 - Aceitaram, agora, os
franceses a proposta. Estipulou-se que a contribuição ajustada devia ser paga
no prazo de quinze dias, ficando doze oficiais como reféns. Combinou-se ainda
que aos moradores seria permitido resgatar os objetos que desejassem reaver,
pagando-os prontamente.
Em tais condições, foi o
convênio assinado no dia 10 de outubro.
Julgando-se sob a iminência de
algum perigo com a chegada de tropas de Minas, preveniu-se Duguay-Trouin para
qualquer eventualidade, reforçando postos de defesa.
No dia seguinte ao da
assinatura do convênio chegava a Iguaçu o socorro de Minas. Na ânsia de salvar
a cidade, adiantara-se Antônio de Albuquerque com a sua cavalaria (1.500
homens), deixando o grosso do seu exército (mais uns 4.000 homens) em marcha
regular.
Infelizmente, nada mais pôde
fazer o digno capitão... porque tudo estava feito, e a ignomínia consumada.
Apercebeu-se Duguay-Trouin do
grande perigo a que se achava exposto, vendo chegar tão consideráveis forças,
tendo à frente um homem de valor e de talento militar e de tão alta nomeada.
Nem foi naturalmente sem
admiração que viu pontualmente cumpridas as condições estipuladas, e sem que
mudasse aquela circunstância coisa alguma na atitude resignada dos moradores.
No dia 4 de dezembro (1711)
efetuou-se o último pagamento. Receberam, pois, os franceses, em moeda, 610.000
cruzados (perto de 250 mil cruzeiros). Mas, segundo Varnhagen, o lucro total da
jornada não andou longe dos doze milhões que exigira o corsário; e isso
calculando-se apenas o produto da contribuição oficial e o da venda de despojos
aos próprios espoliados; pois as perdas do Estado subiram a mais de trinta milhões de cruzados!
6 - No mesmo dia em que
receberam a última quota do resgate, embarcaram os franceses, tendo tido
previamente o cuidado de recolher a bordo tudo o que podiam transportar.
Ao deixar a terra saqueada,
quis Duguay ter um belo gesto dando prova da sua piedade: cominou de morte a
todo soldado em poder do qual se encontrasse alguma prata de igreja; e no
momento de embarcar confiou aos jesuítas a prata arrecadada e as alfaias, para
serem entregues ao Bispo.
Ufano do magnífico e fácil
sucesso alcançado no Rio de Janeiro, pensou o corsário em completar a sua
empresa investindo também a Bahia, sob o pretexto de libertar o resto de
prisioneiros de Duclerc que ali se achavam, mas no intento, como ele próprio
diz, de "tirar daquela colônia maior contribuição".
Largou, pois, do Rio na
esperança de fazer mais brilhante a sua glória de pilhar ainda com mais
proveito, se é possível.
Mas, depois de lutar com os
ventos contrários por mais de quarenta dias, viu-se obrigado a seguir para a
França.
Foi "a demora fatal a
dois dos seus navios, que açoitados de temporais, foram a pique com 100 homens
a bordo, e levando um deles a parte mais preciosa dos despojos, em ouro e
prata, no valor de 600.000 libras francesas".
Tendo a esquadra de arribar a
Caiena, ainda ali afundou, já ancorado, terceiro navio.
Apesar de todas estas perdas,
ainda ficou aos aventureiros um lucro de 92 por cento sobre o capital
empregado!
7 - O povo do Rio, indignado
com o modo como se portara Francisco de Castro Morais, não pôde vê-lo continuar
no governo.
Mandou-se imediatamente ao
convento de Iguaçu, onde ficara Antônio de Albuquerque, a pedir-lhe que não
voltasse para a sua capitania, e que assumisse o governo, de acordo com as
ordens do Rei. Nos termos de uma recente Carta Régia, Antônio de Albuquerque,
se por algum motivo qualquer que fosse, regressasse ao Rio durante o governo de
Francisco de Castro Morais, devia assumir a administração até que El-Rei
resolvesse.
Acedeu Albuquerque, tomando o
governo até que a corte decidisse. Castro Morais nem sequer tentou reter a sua
autoridade, cônscio talvez da sua má estrela, se não da inépcia ou criminosa
desídia.
Mal se soubera em Lisboa de
quanto sucedera, mandou-se-lhe sucessor na pessoa de Francisco de Távora.
Trouxe este ordem para
sujeitá-lo a processo, bem como a todos os outros que tivessem deixado de
cumprir o seu dever.
Foram os culpados metidos em
prisão rigorosa. Formou-se uma alçada de sete ministros, e procedeu-se a longa
devassa.
Até que afinal foi Castro
Morais condenado a degredo perpétuo para a índia, "não por traidor, mas
por falta de ânimo e discernimento".
A notícia do assalto ao Rio de
Janeiro causou alarma em todas as outras capitanias, em muitas das quais logo
se reuniram voluntários dispostos a partir em socorro da cidade.
Na corte, foi ainda mais
consternadora a impressão sofrida, pois lá se receava que os franceses tivessem
intenção de manter a conquista, lembrados das suas antigas pretensões à terra
onde já haviam estado como senhores.
Só a notícia, que logo depois
lá chegou, é que foi desafogar de apreensões o governo português, dando como de
simples depredação intentos que se suspeitaram mais graves.
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Imagens:
Acervo da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
http://memoria.bn.br
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