Conquista e
colonização do Norte
Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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1 - Na sua lenta avançada para o Norte estavam os portugueses
no Rio Grande, como já vimos em lição anterior. O problema para eles torna-se cada
vez mais grave à medida que se aproximam da zona por onde se devem encontrar
decisivamente com os franceses no seu estabelecimento permanente do Maranhão.
Estava por aquele tempo (princípios de 1614) em
Madrid o sargento-mor Diogo de Campos, o homem mais notável e de mais alto
valor entre quantos então se destacavam na administração colonial e nas guerras
da conquista.
Conseguiu-se que ele partisse para o Brasil com o
encargo de dar o seu concurso à obra que se vai executar.
Em Pernambuco veio o sargento-mor encontrar a
Jerônimo de Albuquerque reunindo gente para uma segunda jornada ao Maranhão.
Para conciliar os dois chefes, deu-lhes o
governandor-geral, Gaspar de Sousa, novas provisões e regimentos, segundo os
quais as ordens deviam dar-se em nome do capitão da conquista, mas todas as
deliberações seriam "tomadas por votos", ouvindo-se em todos os casos
o sargento-mor.
É Diogo de Campos que vai ser a alma da expedição.
Partiram, Diogo por mar, e Jerônimo por terra, e
foram (pelos fins de agosto) juntar-se
no Rio Grande, de onde seguiram todos na esquadrilha até a foz do rio Préa (ou
Perejá).
Dali mandou-se gente prática a reconhecer a barra e
a ilha do Maranhão. Não demorou esta gente a voltar com a notícia de se haver
descoberto, dentro da baía a oriente da ilha (hoje baía de São José) uma situação
magnífica em terra firme e sem se ter encontrado por ali nenhum francês.
Resolveu-se, à vista disso, seguir imediatamente
para o Maranhão. Passando com grande
dificuldade, mas com fortuna inaudita, por entre multidão de ilhas, baías e,
parcelados, foram ter à ilha de Sant'Ana, ainda fora da barra.
Dali seguiram cautelosamente, entraram no estuário,
e foram tomar posição defronte à Ilha Grande, no lugar que os índios chamavam
Guaxindiba (ou Guaxenduba).
Naquela iminência construiu-se o forte de Santa Maria.
2 - Tivera logo o sargento-mor, ao entrar na baía,
sinais evidentes de que os franceses estavam apercebidos para a luta.
E com efeito, alguns dias depois, mandou la Ravardière ao forte uns índios que
procuraram dissimular-se como de paz e desejosos de aliança. Ao mesmo tempo
começaram os índios da ilha a fazer emboscadas e a matar incautos pelas
imediações do forte.
Não demorou que os franceses começassem a mover-se.
O capitão du Pratz, que havia pouco
chegara da Europa com reforços, e a quem se incumbira a guarda da baía,
atreveu-se a vir, com duas lanchas armadas, reconhecer a posição dos
pernambucanos, e foi logo precipitadamente disparando artilharia contra o
forte. Mas com a mesma precipitação teve du
Pratz de fugir.
Pela madrugada de 19 de novembro (1614) viu-se do
forte que o mar "estava coalhado de embarcações de vela e de remos, que
vinham, em grande silêncio, chegando-se à praia, desviados do forte um tiro de
falcão, por detrás dos mangues..."
Como zombando da temeridade dos outros, começam os
franceses a desembarcar, "com tantas trombetas, caixas, buzinas e rumor,
que não houve mais que fazer senão acudirem os do forte cada qual à sua
estância".
Du Pratz com a vanguarda toma posição numa colina,
vizinha ao mar, e a pouca distância do forte. Logo atrás, em ordem de batalha,
o Iccotenente de Pézieux, à frente de 200 franceses e de uns 2.000 índios.
La Ravardière, com mais 200 franceses e
100 índios, ficara comandando em chefe a esquadra, à espera do momento em que
tivesse de atacar o forte por mar com a artilharia, sob as ordens de Razilly.
3 - Apanhou de ura instante o sargento-mor a tática
do inimigo, e dispôs a sua gente para a luta. Dividiram-se as forças em três
corpos: Jerônimo, com o seu, iria, por uma vereda secreta, através de matas
cerradas, flanqueando
o outeiro onde se achavam os franceses, até o
momento de surpreendê-los.
O sargento-mor investiria pelo lado da praia.
Ficaria de reserva, no forte, Gregório Fragoso com o terceiro grupo, para
intervir oportunamente.
Estas disposições foram tomadas em alguns minutos,
pois da rapidez dos golpes dependia a sorte da batalha. E com a mesma presteza
tudo se executa. Assim que partiu o capitão-mor, põe-se Diogo em marcha para
atacar o inimigo.
Esperava-se pelo sinal convencionado para a
investida, quando chega à praia um trombeta trazendo uma carta de la
Ravardière. Compreendeu o sargento-mor a astúcia dos franceses, que precisavam
de tempo para se fortificarem no alto do outeiro; e como resposta ao chefe
inimigo, deu o sinal do combate.
Rompe imediatamente o fogo do outro lado da colina;
e "ao sinal, o sargento-mor dando por nome — Virgem de Guadalupe! e gritando — Santiago! cerrou com as trincheiras da praia".
Trava-se o combate ali com furor de sangue nunca
visto. Quando o sargento-mor se apodera da primeira trincheira da praia, e
Jerônimo, contornada a colina, se apresenta na retaguarda do inimigo, começam
os índios contrários a debandar, e com eles os franceses, procurando as embarcações.
Não houve mais meio de conter o destroço geral. Dos
navios ainda se bombardeou o forte de
Santa Maria, mas absolutamente sem proveito para os agressores.
Só a noite pôs de uma vez termo à batalha, que foi
realmente até aquela época a mais notável dos tempos coloniais.
Esta imprevista e estrondosa derrota consterna os
franceses; mas nem por isso se tranquilizam os nossos. A esquadra inimiga
conserva-se na baía, à vista do forte. Pelas vizinhanças sentem-se arruídos que
inquietam o exército vitorioso, dir-se-ia incrédulo daquela vitória.
Tudo indicava que o inimigo poderia tentar um desforço,
e ressarcir-se das perdas sofridas.
No dia 21 recebe o capitão-mor uma carta de la Ravardière, na qual se queixava este
de haverem os portugueses esquecido as leis da guerra, e dizia-lhes umas
bazófias, a que rebateu Jerônimo fazendo voltar contra os da ilha as
exprobrações feitas aos do forte.
Sentiu o capitão francês que se iludia nos seus
assomos, e mudou de tom, escrevendo, no dia 22, outra carta, mas já muito
cortês e; logo no dia imediato uma terceira quase amistosa, revelando as
disposições conciliatórias a que fora reduzido o "mortal inimigo" do
capitão português, como se dizia la
Ravardière ainda na véspera!
No dia 25 veio ao acampamento dos portugueses um
emissário trazendo nova carta, na qual se propunha a paz sem mais cerimônias, e
em termos que induziram o capitão-mor a fazer partir na manhã seguinte para o forte São Luís o próprio Diogo de
Campos, tendo vindo primeiro ao forte de Santa
Maria o capitão Razilly.
4 - Combinou-se, então, um armistício, que foi
assinado no dia 27 de novembro, enquanto se aguardasse a solução do litígio a
que se entregaria às duas respectivas cortes: armistício que duraria até
dezembro do ano seguinte.
No dia 28 era la
Ravardière recebido com as honras devidas no forte de Santa Maria.
Partiram para a Europa os emissários das duas
partes, indo Diogo de Campos com um capitão francês para Madrid; e du Pratz e
Gregório Fragoso para a França.
Depois de muitas festas, cuidaram os portugueses de
fixar-se em Guaxindiba, construindo igreja dedicada a Nossa Senhora da Ajuda,
em torno da qual foi-se formando a povoação.
Nas cercanias fizeram-se logo muitas roças, e pouco
a pouco se foi explorando a terra, em boa camaradagem com os franceses e os
índios seus
aliados.
Mas não era possível disfarçar, entre os intrusos, a
significação daquela paz. Tinha-se-lhes liquidado aquele estulto intento, e
estava perdida toda esperança.
Eles próprios mostraram bem claro tudo isso. Vendo o
que se passava, foram os índios abandonando os seus amigos. Desenganados
daquele sonho, retiraram-se para a Europa grande número dos oficiais mais
distintos, os missionários quase todos, e muitos colonos.
Por sua parte, compreendendo a situação dos franceses,
assim que se sentiu mais forte, com o socorro que lhe levou o capitão Francisco
Caldeira de Castelo Branco, apercebeu-se Jerônimo de Albuquerque de que não
tinha tirado todo partido daquela vitória; e sob o pretexto de que recebera
novas ordens do seu governo, mandou intimar a la Ravardière que desocupasse de uma vez aquela terra, ou depusesse
as armas reconhecendo ali a soberania do rei de Espanha.
5 - Provavelmente o capitão francês não recebeu com
surpresa a intimação. Ele próprio devia ter estranhado a pouca exigência dos
que o haviam vencido, e que sabia muito bem serem de direito os senhores da
terra.
Foi, portanto, ainda com toda cordialidade que se
concertou um novo convênio, pelo qual os franceses se obrigavam a deixar o
Maranhão dentro de cinco meses, e ainda desta vez com passagens para a Europa
e até umas tantas indenizações...
Como garantia desse compromisso entregou-se a
Jerônimo de Albuquerque um dos fortes da ilha (o de Itapari) que foi logo
ocupado.
Não parece que este convênio fosse, para os portugueses,
melhor do que o primeiro. Por fortuna deles, nem este se cumpriria.
Pelos fins de outubro (1615) chegavam ao Maranhão
Alexandre de Moura e Diogo de Campos, incumbidos de tornar efetiva sem mais
demora a expulsão dos intrusos.
Enquanto Alexandre de Moura, pelo mar, reforçava o
bloqueio da praça, que era o principal reduto dos franceses (São Luís), ia o
próprio Jerônimo de Albuquerque investi-la por terra.
Não restava aos sitiados mais que o recurso de uma
capitulação imediata, o menos penosa que fosse possível. Apresentou as suas
propostas o capitão francês; e Alexandre de Moura aquiesceu às condições oferecidas,
menos quanto à indenização pelos armamentos.
No dia 3 de novembro de 1615, arvorava-se
solenemente no forte, agora de São Filipe,
as duas bandeiras da península.
6 - Muitos franceses preferiam, conforme lhes foi
facultado, ficar no Maranhão, onde já haviam constituído família, e onde tinham
propriedades
que o governo ratificou.
A maior parte dos capitulados, porém, retiraram-se,
vindo la Ravardière e outros
oficiais, em companhia de Alexandre de Moura, a Pernambuco, dali seguindo
depois para a Europa.
Em Olinda foi o aventureiro francês recebido com toda
as atenções, e achou até "por empréstimo o dinheiro que lhe foi
necessário".
Isso, no entanto, não impediu que alguns anos mais
tarde, segundo aviso do próprio rei a Matias de Albuquerque, o mesmo senhor de la Ravardière se oferecesse aos Estados Gerais de Holanda
"para tornar com gente e navios com o fito de estabelecer e fortificar-se
nas terras do Maranhão".
Antes de retirar-se de São Luís, acabados os
festejos com que se comemorou a vitória, distribuiu Alexandre de Moura pelos
colonos e índios, que haviam concorrido para aquele sucesso, as
recompensas devidas. Nomeou comandantes e outros oficiais para os fortes; e
investiu Jerônimo de Albuquerque (Maranhão, agora) do governo da capitania.
De acordo com as instruções que tinha, encarregou
ainda ao capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, de levar uma expedição
para o Norte até o Pará, e descobrir e conquistar toda aquela seção da costa
pertencente
aos domínios da Coroa portuguesa.
Já se sabia que por todo o litoral do imenso
estuário do Amazonas andavam chusmas de traficantes e aventureiros rechaçados
cá do Sul para aquela zona deserta.
Durante o tempo que estiveram em São Luís não se
descuidaram os franceses de adiantar explorações para aquelas bandas.
Por ali andavam, principalmente ingleses e
flamengos, e com intentos, pelo que depois se viu, não de simples
especuladores.
7 - Com uns 200 homens partiu Francisco Caldeira no
dia 25 de dezembro (1615); e foi explorando a costa, até entrar na vasta
embocadura do rio Pará, navegando então para o sudoeste cerca de vinte léguas,
e indo tomar terra numa ponta do continente, à margem oriental do estuário,
defronte à grande ilha do Marajó.
Naquela paragem admirável fundou logo um forte de
madeira a que deu o nome de Presépio,
em memória do dia em que tinha partido de São Luís.
Dali foram saindo os exploradores a visitar e
reconhecer o litoral, por onde encontraram aventureiros que faziam com o
selvagem largo tráfico, e tentavam até estabelecer-se em vários pontos.
Sentiu-se logo que umas tantas circunstâncias
excepcionais iam tornar aquela conquista não menos penosa do que tinham sido as
precedentes. Por ali se acumulavam as hordas insubmissas que os portugueses iam
acossando do Sul; e o ódio antigo recrudescia de conluio com a astúcia dos
traficantes.
E como causa principal dos embaraços com que se vai
lutar, vêm os desmandos entre aqueles pioneiros da terra. Pode dizer-se que por
ali se começa no meio de todas as aflições da discórdia: e ser preciso
esperar-se
mais de um século se não pela ordem, ao menos por
algumas aparências de vida normal.
Francisco Caldeira, pela sua estúrdia com os
próprios oficiais, põe-se em conflito com a tropa, e é deposto e preso.
Substitui-o o capitão Baltasar Rodrigues de Melo. Mas as dissenções não cessam.
De tudo isso se aproveitam os índios para agressões
cada vez mais audaciosas aos novos ocupantes da terra. Houve um momento em que
desde o Maranhão até o Amazonas estrondam lutas pelos arraiais e pelas
florestas
Afinal (abril de 1619) chega a Belém (nome que
tomara a povoação em torno do forte) o capitão-mor Jerônimo Fragoso de
Albuquerque, com severas instruções para pôr ordem na tropa e conter o
selvagem.
Começou Fragoso prendendo e enviando para Lisboa
todos os desordeiros, e reprimindo com rigor a audácia dos selvagens.
Saíram os desordeiros, mas a desordem ficou. Infelizmente
falece Fragoso; e o capitão que lhe sucedeu, em menos de um mês é destituído.
Dois homens, destemperados, mas firmes, vão
revezar-se no domínio da terra, e com efeito prestam bons serviços: Pedro
Teixeira e Bento Maciel Parente.
Graças a tais serviços, tomou a corte a providência
de criar, em 1621, o Estado do Maranhão.
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Imagens:
http://bndigital.bn.gov.br
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