Castro Alves visto por Machado de Assis
Artigo publicado no jornal "O Carioca", em edição de 1947. Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Castro Alves, cujo centenário de nascimento estamos comemorando, agora, é uma
das glórias mais puras da poesia nacional. Em seus versos, a que o ímpeto de
uma adolescência cheia de exuberância e idealismo, emprestava um cunho
marcante, encontramos a força criadora, a forma nova, tentando quebrar o ritmo convencional.
Na poesia do vate quase criança, beleza é força extuante e espontânea, ânsia de
liberdade, cujos horizontes não querem conhecer limites. Foi, sem dúvida, este
sentimento de liberdade, que o levou a ser paladino na defesa da justiça e de
tudo aquilo que podia constituir a dignidade humana.
No Brasil, alguns pioneiros lutavam
por estes direitos. Com eles estava Castro Alves. Quer viessem de longe, como
os inconfidentes, quer fossem seus contemporâneos, como os que desejavam a
morte da escravidão, todos encontravam, no moço, um amigo, e, no poeta, um
cantor. Gonzaga é a história da Inconfidência transplantada para o teatro:
Vozes d'África, Navio Negreiro e outros poemas são os gritos de
milhares de vozes cativas, urros de criaturas transformadas em animais, que
bradavam pelo direito de voltarem a ser homens.
A vida fecunda e efêmera desse Ariel
baiano tem sido estudada pelo que há de melhor na inteligência brasileira.
Escritores de todos os matizes e das mais diversas tendências, são unânimes em reconhecer-lhe
o gênio criador, a centelha divinatória que iluminou seu caminho, o poder de
seu estro, a audácia de suas imagens, a sinceridade de suas convicções.
A obra de Castro Alves está hoje
definitivamente integrada no patrimônio cultural de nosso povo, seus versos já
conseguiram a suprema consagração de serem difundidos não só literariamente,
mas ainda pela tradição oral da gente simples de nosso sertão.
No seu tempo muitos foram os seus
admiradores. Machado de Assis, tão sóbrio ao externar suas opiniões, teve para
o poeta de Espumas Flutuantes palavras cheias de entusiasmo e de sincero
louvor. Elas constituem um valioso depoimento, pouco conhecido, talvez, do
grande público. No Brasil os nomes de Castro Alves e Rui Barbosa, glórias
incontestes de nosso povo, já tiveram quase postos à margem pelo index
da reação. Qualquer referência a esses nomes gloriosos, era considerado ato
suspeito, conspirativo, quase rebelião armada... A censura tentava, em vão,
destruir pelo silêncio o que é indestrutível, porque, eterno.
Machado de Assis em carta a José de
Alencar, datada de 29 de fevereiro de 1886, assim se referiu a Castro Alves, o
jovem de 18 anos que o impressionara tanto, pela coragem e pela inteligência:
"É boa e grande fortuna conhecer
um poeta; melhor e maior fortuna é recebê-lo das mãos de vossa excelência, com
uma carta que vale um diploma com uma recomendação que é uma sagração. A musa
do Sr. Castro Alves não podia ter mais feliz introito na vida literária. Abre
os olhos em pleno Capitólio. Os seus primeiros cantos obtêm o aplauso de um
mestre".
Esta carta destinada a ser lida pelo
público, conterá as impressões que recebi com a leitura dos escritos do poeta.
Não podiam ser melhores as impressões.
Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas
magnificências do presente as promessas do futuro. Achei um poeta original. O
mal de nossa poesia contemporânea é ser copista — no dizer, nas ideias e nas
imagens. Copiá-las, é nular-se. A musa do Sr. Castro Alves tem feição própria.
Se se adivinha que a sua escola é a de Vitor Hugo, não é porque o copie
servilmente, mas porque uma índole irmã levou-o a preferir o poeta das Orientais
ao poeta das Meditações. Não lhe aprazem certamente as tintas brandas e
desmaiadas da alegria; que antes as cores vivas e os traços vigorosos da Ode.
Como o poeta que tomou por mestre, o
Sr. Castro Alves canta simultaneamente o que é grandioso e o que é delicado,
mas com igual inspiração e método idêntico: a pompa das figuras, a sonoridade
do vocábulo, uma forma esculpida com arte, sentindo-se por baixo desses lavores
o estro, a espontaneidade, o ímpeto. Não é raro andar separadas estas duas
qualidades da poesia: a forma e o estro. Os verdadeiros poetas são os que as
têm ambas. Vê-se que o Sr. Castro Alves as possui; veste as suas ideias com
roupas finas e trabalhadas".
Eis Castro Alves, visto por Machado de
Assis.
AUGUSTO DE
ALMEIDA FILHO
O Carioca,
março de 1947.
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