3/10/2018

Castro Alves: o épico da Abolição e da República (Ensaio), de Afrânio Peixoto


Castro Alves: o épico da Abolição e da República

Traze a benção de Deus ao cativeiro,
Levanta a Deus do cativeiro o grito!
Castro Alves

Ergue-te ó luz! estrela para o Povo,
Para os tiranos — lúgubre cometa.
Castro Alves

Não foi somente Castro Alves o Profeta da Abolição, o "Poeta dos Escravos", como deveu ser chamado, pela vibração prolongada e intensa dos seus cantos contra a Escravidão, pela piedade sincera e diligente suscitada em favor dos cativos — foi também, historicamente, um dos primeiros abolicionistas de nosso país, em tempo e, talvez, o de influência mais perdurável, até à emancipação.


A PROPAGANDA DA ABOLIÇÃO

Há na história da libertação dos escravos no Brasil que considerar três fases distintas. Primeiro os precursores, sem influência manifesta, de Manuel Ribeiro Rocha, desde 1758, Pedra Branca em 1821, ou José Bonifácio, em 26, aos dois Ferreira França em 31, a Silva Guimarães, em 50. Depois, o movimento que vai terminar na lei preliminar do ventre livre — começado em 57 com Silveira da Mota, desde 63 com Tavares Bastos, na imprensa, e Perdigão Malheiro, no livro, em 65 com o visconde de Jequitinhonha no parlamento, e de 66 a 71 com Pedro II, São Vicente, Nabuco, Zacarias, finalmente, e vitoriosamente, Rio Branco. Por último, desde aí, preparo para a lei definitiva, em que a propaganda das ruas ganhou as câmaras e se impôs ao governo, em 88.

Na fase ativa da propaganda, antes de 71, na imprensa com Tavares Bastos e Urbano Pessoa, no Instituto dos Advogados com Caetano Alberto Soares e Perdigão Malheiro, no parlamento com Silveira da Mota e Jequitinhonha, junto da Coroa como o visconde de São Vicente e o conselheiro Nabuco de Araújo, a causa tinha defensores contados e o seu proselitismo era escasso ou nulo nas classes dirigentes do Brasil: éramos então inteiramente insensíveis à infâmia da escravidão e à agonia dos escravos, e acreditávamos ter feito muito, tudo ter feito quando, forçados pela Inglaterra, tivemos, enfim, a contragosto, de abolir o tráfico dos negros africanos.

Pedro II, se tinha o respeito a seus deveres constitucionais, não era porém insensível à vergonha nacional que ele, melhor que os outros, podia julgar, sentindo a humilhação, para o seu povo, ser o último do mundo a explorar ainda a maldita instituição. Refere o barão do Rio Branco que ao gabinete Olinda, em 65, dissera: "É preciso preparar essa reforma com prudência", o que não impediu a esse governo rejeitasse, in-limine, os projetos de São Vicente, em 66, apenas Nabuco e Saraiva opinando com o imperador.

Quando, nesse ano, teve de responder ao apelo da Junta Francesa de Emancipação, declarava que a abolição dos escravos era "uma questão de forma e oportunidade". Se fora o ministro Martim Francisco quem oficialmente firmara a resposta, a minuta da carta foi do imperador. Relata Joaquim Nabuco o seu efeito, de torna-viagem: o "de um raio, caindo de um céu sem nuvens. Ninguém esperava tal pronunciamento. Tocar assim na escravidão pareceu a muitos, na perturbação do momento, uma espécie de sacrilégio histórico, de loucura dinástica, de suicídio nacional. Estava-se tão imbuído da perpetuidade da escravidão, que a dúvida a respeito de sua duração equivalia para todos os interesses sociais, à antecipação de um novo Ano Mil".

O POETA DOS ESCRAVOS

Pois bem, foi num Brasil com esse estado de espírito que, desde antes, deste 1863, principalmente desde 65, começara Castro Alves a compor, publicar, recitar os seus poemas abolicionistas. A causa era tão nova e tão desinteressante para a sua própria geração de moços, que me afirma um seu contemporâneo, causava a todos espanto, e pena, que o jovem Castro consagrasse o seu talento e sua heroica juventude a um apostolado sem simpatia na multidão, nem favor nas classes dirigentes. Ainda em 70, aludir à emancipação numa fala do trono, considerava o barão de Cotegipe que "jogava com a sorte da pátria" e se recusava com os seus colegas do gabinete Itaboraí ao permitir.

Anos mais tarde um liberal, Silveira Martins, acharia na emancipação dos escravos formal antinomia com a própria existência do Brasil, dizendo: "amo mais ao meu país que ao negro", para significar que eles eram indispensáveis à existência nacional. Outros, por caridade, tal aquele também liberal, Martinho Campos, temiam com a abolição "uma hecatombe de inocentes vítimas", e para os proteger, mantinha-os, aos "seus negrinhos", na servidão... Que não seria, anos atrás, no tempo de Castro Alves?

É verdade que ele arrancava aplausos, comovia, entusiasmava, mas eram os seus dons pessoais, a sua poesia sonora e inflamada que os colhia, das assembleias literárias ou das plateias predispostas que o admiravam. Sem o querer, e sem o saber, ia, entretanto, essa turba se impregnando da emoção e do espírito abolicionista.

Raras poesias suas escaparam ao extravio, antes de 1865, mas de 63, nos resta a Canção do Africano (tinha ele 16 anos) e de 65 são: O Século, Ao romper d'alva, A visão dos mortos, Mater dolorosa Confidência. O sol e o povo, Tragédia no lar, O Sibarita romano, A Criança, A Cruz da Estrada, Bandido Negro, A América, O Remorso, A órfã na sepultura, Antítese, Canção do violeiro, Súplica, O Vidente, Mãe de cativo, Manoela, Estrofes do solitário, Adeus meu canto... em que perpassam todas as infâmias da escravidão e todas as agonias dos cativos. Em 67, já ele escrevia a um amigo: "Vou hoje para a Boa Vista terminar o prólogo dos Escravos, aos quais só falta a descrição da Cachoeira de Paulo Afonso". De 67 é o drama Gonzaga, onde, a propósito da Inconfidência Mineira, o tema da liberdade civil se casa ao da liberdade política; de 68 são: O Navio Negreiro, Prometeu, Lúcia, Vozes d'África... e não cessou de cuidar no seu apostolado, porque até o fim de sua curta vida, a invocação de Palmares como que à insurreição que havia de mover, e moveu, a abolição; O derradeiro amor de Byron, à liberdade, é como que o próprio; e é a Cachoeira de Paulo Afonso, que recebe os seus últimos carinhos de artista.

Joaquim Nabuco que em torno do pai, no Instituto dos Advogados, no Senado, no Conselho do Estado, fez a história da propaganda abolicionista antes de 71 no seu monumental livro Um estadista do Império, como em torno de si próprio faria a da Abolição até 88, no seu delicioso livro Minha formação, esqueceu o nosso poeta, para só atender à gente de qualidade, jornalistas, advogados e políticos, como se estes fossem para a propaganda das ideias os mais qualificados, quando apenas, se tanto, refletem as da opinião pública, que essa é que é preciso formar; esqueceu Castro Alves, seu colega de São Paulo, a quem não podia perdoar talvez ter-lhe precedido de quase vinte anos na vocação abolicionista, que viria a servir, sem outra influência entretanto senão a dos seus discursos, como a do outro fora também, na multidão, a dos seus poemas: apenas Nabuco encabeçara, com outros muitos, um movimento feito, e feito certamente com as emoções e as ideias de Castro Alves, que habituaram as gerações novas do seu tempo à piedade pelos cativos, à indignação contra o cativeiro, para vinte anos mais tarde, virem a ser a geração dos libertadores. Castro Alves trabalhou para Nabuco, que assim era justo o esquecesse.

Nem sempre, porém. Em uma série de artigos publicados em 1873 n'A Reforma, não conseguira ainda abafar a voz da justiça, desprendimento mais fácil aos moços, que têm menos interesses; Nabuco não era ainda abolicionista, e pois, podia dizer do outro: "Castro Alves foi uma inspiração elevada e uma inteligência nobre; seu maior título (de glória) é o de ter posto seu talento ao serviço da causa da emancipação e da pátria. As suas mais felizes ideias, seus versos mais melodiosos foram-lhe inspirados pela sorte dos cativos". "Esse é um título sério à gratidão do país e não sei que se possa apontar um melhor exemplo aos moços que a glória de Castro Alves seduz, do que... empregando todo o seu talento e sua inspiração ao serviço da redenção dos escravos. Essa é a grande causa da mocidade e a melhor homenagem que pode prestar à memória do jovem poeta é a de inspirar-se do mesmo sentimento que deu tanta eloquência e tanto movimento às Vozes d'África e à Tragédia do mar. Nunca o poeta subiu tanto como nesses dias em que abandonando a toada melancólica e o cético desespero dos Réné e dos Obermann apoderou-se resolutamente de uma grande ideia e deixou-se dominar por um forte sentimento. É esse o mérito que antes de qualquer outro eu queria atribuir ao poeta para chamar em seu favor os corações generosos que não conhecem maior prêmio para o talento do que servir à liberdade e que sabem que a musa que se torna eco das desgraças imerecidas coroa-se duas vezes, pela inspiração e pela caridade".


Castro Alves foi um  arauto na luta contra a opressão escravagista


Estes sentimentos e estas ideias foram próprias, e esta é a originalidade de Castro Alves, que não seguiu a nenhuma corrente de sensibilidade de seu tempo, a nenhum partido de ideias de sua geração, antes impôs as próprias sensações e pensamentos ao seu povo e ao seu país, quando os motivos de arte e de política eram uma idealização do selvagem primitivo, incumbido de representar o brasileiro e uma guerra contra o estrangeiro, que daria foros de nação respeitável ao Brasil. Castro Alves sentiu que mais perto de nós estava uma componente de nossa nacionalidade, vencida e espoliada, que era preciso redimir e reabilitar como à outra, à raça branca, seria preciso restituir à consciência do próprio esforço no trabalho livre e digno, saneados o lar, a atividade, os costumes e a inteligência, para não nos humilharmos diante do mundo, para termos o orgulho de nossas qualidades e virtudes.

"A sua influência foi enorme... diz José Veríssimo e explica Amadeu Amaral, porque "não foi apenas um poeta... foi um apóstolo, um propagandista, um lutador, ciente e consciente dos frutos bons e dos frutos amargos de sua semeadura". Apóstolo, foi também vidente e profeta: a sua grandeza está nisto, acerta Euclides da Cunha, "ele os viu e melhor do que seus contemporâneos", os grandes pensamentos políticos e sociais do seu tempo, chegando no momento de os proclamar "aparecimento... certo oportuno como o de todo grande homem. Realizada a sua aspiração, que começou a realizar, e nos deixou estímulos para cumpri-la, não é senão justo que o nome dele se ligue "indelevelmente, a uma das fases mais decisivas de história nacional".


CONTRA A ESCRAVIDÃO

A luta contra a escravidão foi a grande batalha do nobre poeta baiano

Para isso, a sua lira de cem cordas não deixou de vibrar em nenhuma daquelas que podiam comover ou indignar a multidão. Para o próprio Deus apela:

Senhor! Não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
De tua inspiração.
O sol de tua glória foi toldado,
Teu poema da América manchado,
Manchou-o a escravidão.

À África empresta voz e com os acentos de um profeta, Jó ou Moisés, argui ao Eterno de injustiça e clama misericórdia e reparação:

Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus
Se é mentira, se é verdade
Tanto horror perante os céus...

e ao silêncio que lhe responde à aflição, exclama, desesperada:

Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito.
Onde estás, Senhor Deus?

A seu povo, a sua nação, concita em arroubos de indignação e, às vezes, de esperança:

Não manches a folha de tua epopeia
No sangue do escravo no imundo balcão
.......................................
Arranca este peso das costas do Atlante
Levanta o madeiro dos ombros de Deus!
.......................................
Auriverde pendão de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha.
.......................................
Oh... pátria desperta... Não curves a fronte
Que enxuga-te os prantos o sol do Equador
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A luz da alvorada de um dia melhor?

Aos sacerdotes, reis, tribunos, bardos, ricos, poderosos, "fariseus" que toleram a escravidão e renegam a Jesus, amaldiçoa:

Sinto não ter um raio em cada verso
Para escrever na frente do perverso
Maldição sobre vós!

Entretanto, inclinado sobre o escravo sente o que ele sofre e às vezes sofre com ele: é aqui a mãe privada de filho, a donzela de sua pureza de que dispõe o senhor, o chicote retalhando as carnes como a vergonha, as irmãs prostituídas à vista dos irmãos, os lares desfeitos e os esposos separados e vendidos para rumos diferentes, as cãs da velhice insultadas e nem no túmulo o resguardo da morte. Porque ser escravo

É do lodo, no lodo sacudido
Ver que aqui, ou além, nada o espera,
Que em cada leito novo, há mancha nova
No berço... após no toro... após na cova!

Ser escravo — é nascer no alcouce escuro
Dos seios infamados da vendida,
Filho da perdição no berço impuro,
Sem leite para a boca ressequida.

É ver, viajante morto de cansaço
A terra — sem amor! sem Deus... o espaço!

Nem o amor, que é condição de vida imposta aos mais misérrimos seres de natureza, porque dele o privam, se o destroem:

Não! tudo isto é mentira! o que é verdade
É que os infames tudo me roubaram...
Esperança, trabalho, liberdade,
Entreguei-lhes em vão... não se fartaram
Quiseram mais... Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor despedaçaram...

Se este se rebela, outro geme sem consolo:

Ai triste que eu sou escravo,
Que vale ter coração?

E quando chega a velhice, é o abandono e, à morte, nem uma cova:

É ele, o escravo maldito
O velho desamparado
Bem como o cedro lascado,
Bem como o cedro no chão

Que o cadáver insepulto
Nas praças abandonado,
É um verbo de luz, um brado
Que a liberdade prediz...

Mas, nem essa esperança consola o poeta, que exclama:

Do berço à sepultura a infâmia escrita
Senhor Deus! compaixão!

Por isso todos os crimes se justificam:

E vens falar de crimes ao cativo
Então, não sabes o que é ser escravo!

As mães sufocam os filhos ao nascerem, para lhes poupar a escravidão:

Não me maldigas... num amor sem termo
Bebi a força de matar-te... a mim...
Viva eu cativa, a soluçar, num ermo,
Filho sê livre... sou feliz assim...

A criança a quem mataram ao açoite a mãe escrava:

Choras, antes de rir... Pobre criança
Que queres, infeliz?
— Amigo, eu quero o ferro da vingança

Mais tarde, ele será o "Bandido negro":

Para vós fez-se a púrpura rubra
Fez-se o manto de sangue p'ra nós...

e então:

Cai orvalho de sangue do escravo!
Cai orvalho da face do algoz!
Cresce, cresce, seara vermelha
Cresce, cresce, vingança feroz...

E essa vingança pode ser social e será, talvez, a revolução. A amante próxima, e cujos encantos chega a esquecer, diz o poeta, em "Confidência":

Por isso quando vês as noites belas
Onde voa a poeira das estrelas
E das constelações
Eu fito o abismo que a meus pés fermenta
E onde como santelmos da tormenta
Fulgem revoluções...

Se às vezes, a dúvida o assoberba,

...levantando a voz por sobre os montes
"Liberdade, pergunto aos horizontes,
"Quando enfim hás de vir?"

Outras ocasiões, vem-lhe a certeza:

"Oh ver não posso esse labéu maldito!
Quando dos livres ouvirei o grito?
Sim... talvez amanhã!
.......................................
Moços, creiamos não tarda
A aurora da redenção...

Por isso, no poema que desejou pôr por fecho aos outros d'Os Escravos, despedindo-se deles, no Adeus, meu canto... resumiu seus desesperos e esperanças:

E, mesmo quando a turba horripilante,
Hipócrita, sem fé, bacante impura
Possa curvar-te a fronte de gigante,
Possa quebrar-te as malhas da armadura,
Tu deixarás na liça o férreo guante,
Que há de colher a geração futura...
Mas, não! crê no porvir, na mocidade,
Sol brilhante do céu da liberdade!

Canta, filho do sol da zona ardente
Destes cerros soberbos, altanados!
Emboca a tuba lúgubre, estridente,
Em que aprendeste a reprimir teus brados;
Levanta das orgias do presente
Levanta dos sepulcros do passado,
Voz de ferro! levanta as almas grandes
Do sul ao norte... do Oceano ao Andes!

E pendido através de dois abismos
Co'os pés na terra e a fronte no infinito
Traze a bênção de Deus ao cativeiro
Levanta a Deus do cativeiro o grito!


LIBERDADE OU REVOLUÇÃO


Cena representando o fim da escravidão com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel


Haveis de ter notado, de relance, que, para resolver o problema de Escravidão, Castro Alves chega a apelar para a Revolução, e a revolução com a República: não contente em ser um precursor, seria também um profeta.

Não esqueceremos que o vate, capaz de vaticínio, tinha esse dom divino de adivinhar. Não lhe faltou, ao gênio, nem esse condão maravilhoso. Numa de suas poesias abolicionistas, as Estrofes do solitário, ele o diz, precisamente aos moços:

Basta de cobardia!... a hora soa...
.....................................
E vós cruzais os braços... Cobardia!
E murmurais com fera hipocrisia
— É preciso esperar...
Esperar? mas o quê? que a populaça
Este vento que tronos despedaça
Venha abismo cavar?

Ou quereis, como o sátrapa arrogante
Que o porvir, n'antessala, espere o instante
Em que o deixeis subir?

Já se esqueceram do destino das dinastias ineptas, da sorte de Luís XVI, e o poeta exclama:

Desvario das frontes coroadas!
Nas páginas das púrpuras rasgadas
Ninguém mais estudou!
E, no sulco do tempo, embalde dorme
A cabeça dos reis — semente enorme
Que a multidão plantou!
 
Personagens que participaram ativamente no movimento Abolicionista


Assim havia de ser. O governo — que no Brasil sempre foi a expressão de certas oligarquias parasitárias, e nunca do povo — defendendo mesquinhos interesses, retardou a abolição da escravatura e de tantas outras reformas reclamadas pela opinião pública, tornando impopular a Coroa: quando veio a hora apertada das resoluções, imposta pela propaganda das ruas e pelas insurreições e fugas nas fazendas de São Paulo e do Rio, já sem tempo e a mais com outros descontentamentos, agora dos interessados que aos primeiros se somaram, ruiu a Monarquia, sem veemência nem esforço. O Terceiro Reinado, que teria por introito a emancipação dos cativos, foi frustrado, porque o Segundo Reinado não soubera preparar e realizar essa abolição, exigida pela consciência liberal do mundo, a que a maioria dos brasileiros não podia ser insensível. Pactuando com os senhores de escravos até a undécima hora, para os abandonar, in extremis, o trono ruiu mais depressa, porque esses o ajudaram a cair. Isto que nós vemos hoje, Castro Alves o previra e a previsão só não teve a completa exação sanguinolenta, porque, nem sequer a Coroa reagiu e a aventura republicana achou, no primeiro instante, um povo de aderentes.

O POETA DA REPÚBLICA

Joaquim Nabuco, colega de Castro Alves em São Paulo, e que viria a ter ciúmes de sua glória literária, concedendo-lhe apenas a de poeta social e abolicionista, quando, em 1873, ainda não ouvira a sua própria vocação, chegado o cumprimento desta, omitiria qualquer alusão ao nome dele na sua história de emancipação, não esquecendo entretanto o seu lugar e o do pai... Nabuco, moço, liberal, talvez sem compromissos, também não quis admitir fosse Castro Alves republicano. Mais tarde, proclamada a República, monarquista impenitente e irônico à balbúrdia do novo regímen, magnânimo, chamou-lhe "o poeta republicano do Gonzaga". Nabuco fingia não ter lido ou ouvido estes versos, dos quais se lembraria mais tarde, complacentemente,

Cantem eunucos devassos
Dos reis os marmóreos paços
E beijem os férreos laços
Que não ousam sacudir...

Ele... canta a liberdade, bastante forte

Pra levar de derribada,
Rochedos, reis, multidões...

Mas, momentaneamente vencido,

Não importa! A liberdade
É como a hidra, o Anteu:
Se no chão rola sem forças
Mais forte do chão se ergueu.

E essa liberdade, ele a concebe com a República, quase misticamente

...sonha a escada
Que também sonhou Jacob:
Cisma a República alçada.

Porque ela é

República! voo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculto
Que beija a fronte ao Tabor.

Como o poder dinástico dos reis, era-lhe antipático o poder temporal dos papas: antes de 71 previa-lhe a decadência e lhe dava o endereço cristão, como também antevia o crepúsculo dos reis na Europa e o alvorecer das reivindicações proletárias:

Quebre-se o cetro do papa,
Faça-se dele uma cruz.
A púrpura sirva aos pobres
P'ra cobrir os ombros nus...

Não faltou quem lhe achasse ainda uma previsão naquela poesia do Fantasma e a canção em que descreve o rei exilado, coberto de cãs e que só tem por consolo às mágoas, o verso "último refúgio": lendo-se hoje, de fato, a grande figura de Pedro II nos passa na imaginação.

Notai bem que esse republicano é de antes de 70, quando se publicou o célebre Manifesto, se fundou o Club Republicano, se imprimiu a República: Castro Alves ainda aqui é um precursor.

Republicano, por oposição à monarquia, como forma de governo que desejava mais liberal ou mais livre, não se limitava ele a sonhar a liberdade apenas para o seu país; queria-a para todos os oprimidos, escravos ou súditos, para a Grécia, para a Polônia:

Quando a Polônia casta — essa Lucrécia nova,
Para fugir a um leito, arroja-se a uma cova...
E mata-se de nojo... aos beijos de um czar...

Como profeta, ele anunciava ainda a ressureição dessas "nações cadáveres", sonhando-lhes:

O sonho que os cadáveres renova,
O amor que o Lázaro arrancou da cova...

e, com a vida, a liberdade.

O POETA-PROFETA

A liberdade dos escravos africanos norteou toda a obra do poeta

Onde, porém, alcançou Castro Alves o cimo de sua ideias generosas, liberais e humanitárias, foi naquela ode No meeting do Comité du Pain, em que descreve o horror da Humanidade ao crime de 70, que apunhalava a França e ia trazer a malvada hegemonia da Alemanha no mundo:

Já que a terra estacou na órbita imensa
Já que tudo mentiu — a glória! a crença!
A liberdade! a cruz!
.........................................
Já que o amor transmudou-se em ódio acerbo
Que a eloquência é o canhão, a bala — o verbo
O ideal, o horror!
E nos fastos do século os tiranos
Traçam com a ferradura dos ulanos
O ciclo do terror
.........................................
Já que é mentira a voz da Humanidade,
Já que riscam da Bíblia a Caridade,
E d'alma o coração...
E a noite da descrença desce feia,
E tropeçando em ossos cambaleia
Dos povos a razão!

O poeta alça-se então ao apelo profético com o tom divinatório do seu gênio, invocando os livres filhos de América, para salvarem o mundo:

Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito
Que abafe dos canhões o horríssono rugir,
Em frente do oceano! em frente do infinito!
Em nome do progresso — em nome do porvir!
.............................................
Nós que somos a raça eleita do futuro,
O filho que o Senhor amou qual Benjamim,
Que faremos de nós... se é tudo falso, impuro,
Se é mentira o progresso! e o erro não tem fim!

Não! clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos — liberdade — em face da opressão!
Ao tirano dizei — tu és carniceiro!!
És um crime de bronze — escreva-se ao canhão!

Falemos de justiça — em frente à mortandade!
Falemos do direito — ao gládio que reduz!
Se eles dizem — rancor — dizei — fraternidade!
Se erguem a meia-lua, ergamos nós a cruz.

A América havia de ouvi-lo, e quando quase cinquenta anos depois o mesmo gênio malvado premeditara a morte da Civilização, foram eles, esses filhos do Novo-Mundo, para quem apelou, que nos campos devastados de França, vingaram o ideal, redimindo a consciência do mundo do maior pesadelo da história, e foi por eles, como anunciou Castro Alves, que

A herança de suor vertida em dois mil anos
Há de intacta chegar às novas gerações.


CASTRO ALVES — POETA ÉPICO

A forma desses cantos só podia ser uma, e a musa de Castro Alves esteve à altura de seu generoso e heroico coração: foram versos épicos, como nenhum poeta português ou brasileiro, antes ou depois dele, os conseguiu maiores ou mais sonorosos. Pôde Alberto de Oliveira dizer que "exceto algumas estrofes camonianas", não conhecia em nossa língua versos tão vibrantes de heroísmo como alguns de Castro Alves.

O nome de Camões pronunciado neste assunto, e não por mim, merece detença. De fato Os Lusíadas são incomparável obra-prima, cuja intenção final, execução no detalhe, extensão no conjunto, não tem rival, e os colocam com vantagem entre as grandes obras poéticas da humanidade. Não se trata, pois, de uma comparação com Os Lusíadas, mas de referência às estrofes ou aos versos propriamente heroicos da grande epopeia. O seu objeto, uma empresa de navegação, — apesar dos perigos reais ou imaginários, da querela de deuses no Olimpo, manhas e ardis dos infiéis indianos, — é uma aventura pacífica e civilizadora, antes industrial e técnica, que militar ou guerreira: daria poucas ocasiões a Camões de exercitar o seu plectro grandioso: foi-lhe preciso recorrer a episódios da história lusitana, descrever os tormentos e perigos do mar, para manter a narrativa à altura da fama e do alcance da navegação.

Pode-se bem dizer que, propriamente heroico, foi mais o assunto que a Alexandre Herculano coube, esse o majestoso épico da prosa portuguesa.

Com efeito, no Eurico, no Bobo, na História de Portugal, em muitas páginas das Lendas e Narrativas, ficaram escritas as palavras mais ardentes e vibrantes que se devem ter lido e se podem ler em nossa língua, inspiradas pela fé, pelo patriotismo, pela dignidade e abnegação humanas, ao serviço de grandes causas. Herculano foi o épico da epopeia portuguesa ao formar-se a nacionalidade, fiel à sua crença antiga, independente na sua linguagem nova, raça diferenciada a este extremo da Europa, "onde a terra se acaba e o mar começa", aí mesmo achando a sua vocação civilizadora, e que seria Portugal. Camões foi o épico da epopeia portuguesa, constituído Portugal, e que se vinha afirmar ao mundo nessa vocação civilizadora que lhe coube, "por mares nunca dantes navegados", dando a volta ao mundo, "e se mais mundo houvera lá chegara". Apenas Herculano veio depois de Camões, quando já não podia recorrer ao verso, ainda que tivera o gênio do poeta, porque o ciclo das epopeias poéticas estava fechado e para uma grande obra só lhe restavam outras formas recentes de arte, — o drama, o romance, a história, que ele devia adotar.

Vede bem que aqui me insurjo contra a perenidade dos chamados "gêneros literários", como se fossem comparáveis aos "gêneros biológicos".

Apesar dos nomes de convenção que persistem, tanto não há gêneros literários, que estes nomes ou continuam a servir a endereços diversos ou desaparecem mesmo umas espécies deles e por outras vão sendo substituídas. Com aquela visão aquilina do seu gênio, que, se não pensava, adivinhava, precedendo à filosofia e à estética de Benedetto Croce, — Hugo, no prefácio do Cromwell, esboçou essa teoria, uma das mais ousadas da história literária: "A poesia tem três idades, correspondentes a uma época da sociedade: a ode, a epopeia, o drama. Os tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos... A ode canta a eternidade, a epopeia soleniza a história, o drama pinta a vida... A ode vive do ideal, a epopeia do grandioso, o drama do real".

Aí está; o gênero literário é condicionado ao tempo, e os tempos mudam, mais depressa que os homens; escrevia-se outrora uma Eneida, das aventuras de um herói troiano, a Cartago e ao Latio; hoje se escreve Salambô, das aventuras de um povo dentro e fora dessa Cartago, entre Tiro e Roma: um poema ontem, agora um romance. O talento descritivo e a inspiração heroica de Vergílio e de Flaubert não serão diversos, homens de gênio, sensivelmente comparáveis através das idades, nas quais, entretanto, a humanidade muda de gosto e busca novidades, e ontem cantava em verso heroico, com fantasias e invenções, conta hoje numa prosa heroica, com miudezas e observações. Outrora uma aventura militar, a posse de uma pequena cidade, Troia ou Jerusalém, dava um poema épico; agora uma imensa guerra, onde os atos de heroísmo nunca foram maiores nem tão numerosos, onde muitos milhões de homens se entrematam com os mais formidáveis engenhos de destruição, e a terra inteira, no ar, nas trincheiras, nos subterrâneos, nos próprios abismos do oceano, e o mundo vacila, desconjuntadas as nações, as dinastias, as raças, os direitos, instituições políticas, econômicas, morais... violências, anátemas e esperanças nunca imaginadas... e, entretanto isso não dá o mais modesto poema épico, embora produza bibliotecas inteiras e subemergentes de narrativas militares, documentos diplomáticos, livros de história, evocações comovidas, processos-crimes, inquéritos sanguinolentos infindáveis, memórias políticas indiscretas...

É que não há "gêneros literários", fixos, para nesses moldes verter a humanidade as suas sensações e pensamentos, e esses, embora os mesmos, têm ao menos a novidade de expressão, procurada, e, por isso diversa, a forma literária.

Alexandre Herculano já não escreveria um poema no seu tempo, e para traçar a epopeia das origens lusitanas teve de se conformar à história: Hugo, que apesar de sua teoria, mais segura que o seu gênio versátil, havia de tentar o último poema épico — A Lenda dos Séculos — realizou apenas, em versos às vezes líricos, outros heroicos, uma história simbólica da humanidade. Não se foge ao seu tempo. Esses cantos dispersos, sem unidade, vivem por si como trechos de epopeia, sem um fio que os conduza, como a sucessão dos séculos, não seguidos, que os inspiraram. Entretanto, se Hugo não conseguiu realmente mais um verdadeiro poema épico, nem por isso na imensidade de sua obra, no seu lirismo cósmico, no seu heroísmo dramático, nas suas objurgatórias sociais, políticas, humanitárias, nos seus grandes quadros da história universal, o poeta épico, talvez o maior que tenha existido, teve mil e uma ocasiões de se manifestar. Também Castro Alves, poeta social, político, humanitário, ainda no delírio cósmico ou apocalíptico do outro, como ele voz do seu tempo, foi também um extraordinário poeta épico. Alberto de Oliveira teve, pois, razão de assim o considerar e de dizer que, à parte algumas estrofes camonianas, não conhece na língua versos tão vibrantes como os seus. Com efeito só aludiria a Camões, o maior, porque os épicos menores portugueses somem-se naquela irradiação camoniana, como asteroides junto do sol.


OS ÉPICOS NACIONAIS

Em nossa literatura, os cantos épicos, ou porque os assuntos fossem miúdos ou o tempo deles transato, foram todos medíocres: O Uraguay, de Basílio da Gama, diminuto; Caramuru, de Santa Rita Durão, diluído; Os Timbiras, de Gonçalves Dias, ou a Confederação dos Tamoios, de Gonçalves Magalhães, sem interesse; finalmente, o Colombo, de Araújo Porto Alegre, fatigante: nenhum deles é heroico, senão na intenção, manifestada pelo verso. Do Uraguay salvam-se algumas paisagens americanas; do Caramuru, algumas prosaicas descrições, em boa linguagem: não sei se ficará alguma coisa dos outros. Nem a Inconfidência, nem as guerrilhas da Independência, nem a unidade do Império, nem as rebeliões nacionalistas ou republicanas, nem a guerra do Paraguai, nem a proclamação da República, darão jamais um poema qualquer. A história da conquista portuguesa na América, o drama da catequese e da escravidão dos índios e dos Negros, a chacina dos Bandeirantes, a maravilha da terra e a tenacidade da gente... darão livros fortes e completos, interessantes e diversos, de gênero indefinido ou sem gênero, tais esses Os Sertões, de Euclides da Cunha, que nem têm categoria literária, mas foram proseados certamente por um grande épico, o Castro Alves da prosa nacional.

Poeta épico, foi, até agora, Castro Alves o maior de sua terra. Nunca em nossa língua se ouviram cantos heroicos tão emocionantes e tão elevados como esses poemas de Pedro Ivo, de Ode ao Dois de Julho, de Deusa incruenta, do No meeting do Comité du Pain, de Visão dos mortos, do Navio Negreiro, do Adeus, meu canto...

Aí estão os versos mais vibrantes e arroubados que já se escreveram em linguagem portuguesa, alguns tamanhos, que nem os maiores, do mesmo Camões, os podem seguir e medir-se com eles. Lembrai-vos daqueles imensos versos do clássico, quando conta, pelo Adamastor:

Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam...
C. V., 59, e v. 3-4.

Quereis ver maiores, para quem o mar não baste e os cimos da terra se toquem e os horizontes se aproximem, ouvi e dizei-me depois, quais versos heroicos em qualquer literatura se podem comparar a estes. É a Imprensa, "a consciência do mundo":

Quando Ela se alteou das brumas da Alemanha
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
Na dextra suspendendo a estrela da manhã...
O espasmo de um fuzil correu nos horizontes...
Clareou-se o perfil dos alvacentos montes
Dos cimos do Peru — às grimpas do Indostan!
.................................................
Ergueu-se!... olhou de roda os plainos do universo
No peito das nações seu braço longo imerso,
Palpou-lhe o estrepitar do estoso coração!...

Gênio e Santa! a mulher um grito ergueu profundo
Abriu braços de mãe para acalentar o mundo
Asas de Serafim — p'ra abrigar a amplidão.
..................................................
Rugiram de terror ao ver-lhe o rir sublime...
O sátrapa, o chacal, a tirania, o crime...
O abutre, o antro, o mocho, o erro, a escravidão!
Disse a gruta p'ra o céu: — Que Deusa é esta ingente?!
O espaço respondeu: — É a diva do Ocidente!
A consciência do mundo! o Eu da Criação!

E quando Ela surgiu... — os polos se abraçaram
O Zenith e o Nadir — surpresos se escutaram!
O Norte ouviu chorando o soluçar do Sul!
O abafado estertor do servo miserando
Da deusa no clarim... gigante, reboando
Clamou da terra verde — ao firmamento azul!

Passa uma visão de relâmpago da história universal:

Quando a Bastilha vil tremia desraigada
E da mole do sopé soava a martelada
A catapulta humana, a voz de Mirabeau...
Quando aquele ideal — Quasímodo do abismo,
Se agitava a ulular dos reis no cataclismo,
Sineiro que o rebate aos séculos tocou...

Eriçado, feroz, suado, monstruoso,
Magnífico de horror, divino, proceloso...
A deusa se atirou nos braços do titão!

Mas sentindo que o deus inteiriçado tomba...
Dos tronos co'a madeira — arvora-lhe a hecatomba
C'as púrpuras dos reis — acende-lhe um clarão!
....................................................
Salve, deusa incruenta! imensa Divindade!
Barqueira desse mar chamado — a Eternidade!
Que às margens do Cocito embarcas os heróis...
Em prol da humanidade, a Deus levas o grito...
Tens os joelhos na terra! a boca no infinito!
A meia-lua — aos pés! na cabeleira — os sóis...


UM PARALELO

Considerai agora que esse gênio épico foi posto dos dezoito anos de um adolescente, aos vinte e quatro de um moço, ao serviço de todas as causas nobres e generosas do seu tempo, do Abolicionismo, da República, da Liberdade de Consciência, da Ressurreição das Nações Oprimidas, de Paz e de Fraternidade Universal, sem uma vacilação, sem um esquecimento, com uma constância e com uma antecedência que são ainda outros méritos aos do seu apostolado.

Também Hugo teve a lira de cem cordas para cantar todas as causas beneméritas do seu tempo, mas Hugo viveu mais de oitenta anos e cantou a Revolução e o Império, Luís XVIII e Carlos X, Luís Filipe e a República; ele mesmo se definiu como um "reflexo" do tempo:

Mon âme aux mille voix que le Dieu que j'adore
Mit au centre de tout comme un echo sonore.

Castro Alves durante os instantes que viveu, entre menino e moço, viveu-os intensamente, com uma grande fé, um só coração e um gênio épico incomparável; de seus lábios e de sua pena só saíram cantos comovidos e entusiastas, pela bravura e pela liberdade, pela fé e pelo amor, pela pátria e pela humanidade; foi antes um precursor, entre vidente e profeta, que os outros seguiram e perseguiram, de quem se poderia dizer, também com palavras próprias:

Quando a fanfarra tocas na montanha
A matilha dos ecos te acompanha
Ladrando pelas pontas dos penedos...

Lembrai-vos da doutrina carlileana "do herói": ele é messias, guerreiro, sábio ou político, também é poeta; "o herói é o que exprime exteriormente, como lhe é próprio, sua alma inspirada: inspiração que é a sua originalidade, sinceridade, gênio, sua qualidade heroica; vive na esfera íntima das coisas, no Verdadeiro, no Divino, no Eterno, que existem sempre, desconhecido do vulgo, sob os aspectos do Temporário e do Trivial... por isso, o que ele diz será... e o mundo há de cumprir". Elevam-se assim, os homens, como Castro Alves, a uma condição superior à própria humanidade, heroica e divina, que lhes tributa, reconhecida e espantada, a nossa admiração. Guilherme de Castro Alves resumiu esse julgamento, num verso:

Ele era grande e bom — massa p'ra Deuses!

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