As Grandes Navegações
In: "História do Brasil". Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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1 - Começaram desde muito cedo as populações que se fixaram no retângulo ocidental da Ibéria a volver a sua atividade para o mar.
Talvez mesmo seja lícito afastar para a época remota da influência fenícia os primeiros ensaios que familiarizaram aquelas populações com a visão do oceano.
Ao destacar-se de Castela, não demorou que o novo reino tivesse a sua frota de guerra, destinada principalmente a proteger navios mercantes, que dos mares litorâneos iam ampliando relações de comércio pelo mar do Norte, e até pelo Mediterrâneo.
Foram, pois, os reis da dinastia de Borgonha, sobretudo de D. Denis por diante, que criaram o "gênio marítimo" da raça.
É no entanto, com a segunda dinastia que se vão acentuar as tendências geradas, e unificá-las num grande impulso de expansão para os mares.
É o grande Mestre de Avis que instituiu o ideal imenso de que ia viver aquele pequeno povo, que toma a si, decisivo, a função gloriosa de realizar a integração da ordem humana no planeta.
Com a vitória de Aljubarrota (1385) retempera-se o espírito nacional; e D. João I aproveita aquele momento de revivescência e de ufania cavalheiresca para iniciar a grande obra.
É preciso observar desde já que o largo surto que vão ter agora a iniciativa e coragem daquelas gerações não se explicaria só pela necessidade de sair da estreiteza da terra e desenvolver o comércio: nele entrava por muito o espírito de proselitismo cristão, e sobretudo a ânsia de reagir contra os desabrimentos do Islã.
Bater o infiel e conquistar fortuna! Foram esses os intuitos que dominaram toda a alma portuguesa ao abrir na história o período das grandes navegações.
2 - Assim que fora proclamado nas Cortes de Coimbra, cuidou D. João I de organizar uma expedição contra os mouros da África, os que estavam ali mais perto, e ameaçavam de desforço a cristandade levantada da Península.
Foi a primeira expedição que saiu do reino com esse objetivo.
Era uma verdadeira Cruzada, levando a cruz nas velas dos navios, nos estandartes, nas armaduras.
O infante D. Henrique, filho de D. João, acompanhou os expedicionários, já sem dúvida com o pensamento de auferir daquela jornada algum proveito para os vastos projetos em que se concretizavam os sonhos da monarquia.
Apoderam-se de Ceuta os portugueses (1415), e é D. Henrique armado cavaleiro, com dois de seus irmãos.
E então não perde um instante. Pode dizer-se que ali principalmente estuda.
Por intermédio de árabes cultos, que soube atrair a si, apropria-se de tudo quanto da antiga literatura oriental poderia interessar-lhe.
Segundo se diz, chegou mesmo a aprender o árabe, e adquiriu grande cópia de cartas, roteiros e livros de valor para os trabalhos que ia empreender.
Quando voltou para Lisboa, deu logo começo (por 1420) à construção do seu castelo no promontório de Sagres, ali adiante do mar, que ia ser o teatro da nova Cavalaria.
Junto ao castelo, no recinto murado, construiu também instalações para arsenal, estaleiros e oficinas, para a morada dos seus auxiliares; e chamou para ali, de muitos países, pilotos e mareantes, e até homens conhecidos como competentes em questões de cosmografia e de náutica.
3 - É daquele rochedo alcantilado que vão sair os pioneiros de novo heroísmo. Começa-se a descer pela costa africana.
Zarco e Tristão Vaz descobrem Porto Santo e Madeira (1419).
Gil Eanes, em 1434, já dobrava o cabo Bojador.
Logo depois, vão saindo Antão Gonçalves, Nuno Tristão, Cadamosto e outros e outros. Avança-se pouco a pouco, mas decisivamente.
Passam o cabo Branco, o Senegal, o cabo Verde.
Quando falece o grande Infante (1460) andavam os portugueses pelo golfão de Guiné.
Mas o intento que se leva no desconhecido não é só chegar à índia contornando a África.
Esse é o objetivo capital, que se julga mais prático e seguro; mas que se colima sem prejudicar a ação dos heróis em todos os rumos do Atlântico.
Enquanto uns procuram a Ásia pelo sul, investem outros o oceano para o ocidente.
Gonçalo Velho descobre os Açores (1432).
Muitos outros cruzam em todas as direções o grande mar, que parece ampliar-se à medida que vai sendo devassado: Diego de Teive, Gonçalo Fernandes, João Vogado, os Corte-Real, Fernão Teles, Antônio Leme, Vicente Dias, Afonso Sanches, e tantos e tantos, de muitos dos quais não se sabe ainda positivamente com que fortuna teriam dado provas do seu esforço.
E o que para isso mais concorreu foi sem dúvida a reserva com que teve a corte portuguesa de acautelar-se quando os seus empreendimentos começaram a despertar a atenção de outros governos.
4 - Foi essa a obra dos marítimos portugueses que suscitou o grande feito do navegante genovês, e foi chamando para os mares outros povos. Colombo é filho da escola de Sagres.
É em Lisboa que ele aprende tudo o que devia levá-lo à concepção de um cometimento que não era novo nem estranho àqueles homens, que tinham tido um certame de mais de setenta anos de Atlântico.
Em Portugal, desde os primeiros tempos de D. Henrique, discutia-se o problema da Ásia sob os dois aspectos — o da via africana, e o da ocidental —; e o movimento, como vimos, fazia-se para os dois rumos.
Viveu Colombo muito tempo entre aquele povo de marinheiros; e ali colheu todas as notícias que lhe convinham, e muniu-se de dados muito seguros para realizar o seu projeto antes que os portugueses pudessem fazê-lo de conta do seu soberano.
Era ainda a política de cautela com que a corte de Lisboa, assoberbada dos seus sucessos, tinha de dissimular tudo perante as outras cortes, até que chegasse o momento oportuno de revelar a grandeza da sua obra sem perigo de perdê-la, como em parte depois perdeu.
5 - Mas o êxito de Colombo, se pôs em vivo despeito aqueles que até ali, com o seu esforço, iam adiantando a solução do problema que tinham instituído, não perturbou a obra capital dos portugueses. Curtindo aquele revés, cuidaram eles de apressar a solução pelo sul, e sem perder a esperança de salvar o que fosse possível de quanto haviam feito no Atlântico.
Para isto, trataram primeiro de entender-se com a coroa que se apresentara de surpresa como a sua grande concorrente no oceano.
Só depois de reguladas sem Tordesilhas as respectivas jurisdições é que puderam os portugueses, agora sem temer nenhum risco, ver até que ponto se haviam de ressarcir daquele desastre.
É assim que se prosseguiu sem descanso o périplo africano. Os reis que se sucedem redobram sempre de esforços.
Principalmente D. João II dá forte impulso aos trabalhos que os seus predecessores tinham levado até o Congo. Diogo Cão alcança Benguela; e logo depois (1485) a Hotentótia.
Bartolomeu Dias dobra o cabo do extremo sul (1488). Dobra-o, no entanto, quando, forçado pela equipagem, tivera de volver já das alturas de Moçambique.
De sorte que se reconhecera o fim do continente africano; e a própria costa oriental (até os 20 graus mais ou menos) já estava conhecida.
Esse sucesso era decisivo.
6 - Com esta de Bartolomeu Dias coincide uma outra expedição que, perlongando o litoral africano do Mediterrâneo, e em seguida grande porção da costa oriental, vai quase até encontrar-se com aquela.
Um dos dois emissários de D. João II, Covilhã, chegou a adiantar-se pelo oceano Indico, visitando a costa ocidental do Industão. De lá retrocedeu até o Egito, de onde, descendo pela costa, alcançou, ao que se presume, o Zanzibar, e segundo alguns autores, atingiu mesmo vizinhanças de Sofala.
De volta para o norte é que foi retido na Abissínia pelo negus, o famoso Preste João que se andava procurando.
Não podendo mais sair daquele país, nem por isso se perderam os sacrifícios daquele valoroso arauto; pois Covilhã por toda parte ia registrando notas e informações, que encontrou meios de enviar ao rei; e até abriu o lendário império da África a relações muito cordiais com a corte de Lisboa.
Foi ele quem deu a D. João II notícias positivas da índia, desvendando de uma vez o caminho para Vasco da Gama.
Podia quase considerar-se como completo o contorno da África, e abertos os grandes rumos para o mundo fantástico da Ásia.
E o que tornava de mais preço a vitória, alcançada por aquele valor e perseverança de tantas gerações, era o proveito imediato que iam dando os descobrimentos. Atrás dos que andavam franqueando aquelas novas rotas no desconhecido, iam logo as naus mercantes, as caravanas de aventureiros, ansiosos de recolher os prêmios que se iam juntar à glória das façanhas.
7 - Sabia-se já, portanto, que, seguindo o sulco aberto nos mares do sul, se iria coincidir, na outra costa africana, com o avanço de Covilhã pelo norte.
Mas faltava ainda alguma coisa. Não havia ainda nenhum navegante partido de Lisboa, e, contornando a África, chegando a Malabar ou a Canará, ou qualquer ponto outro na costa ocidental do Industão; e era este o resultado que devia coroar a obra dos portugueses.
É neste momento que, surpreendido com o sucesso de Colombo, e não estando disposto a renunciar a quanto haviam feito os seus marujos no oceano, exige D. João II diretamente dos reis de Espanha que se afaste para 370 léguas das ilhas de Cabo Verde o meridiano das 100 léguas a ocidente dos Açores e Cabo Verde.
Assina-se então entre as duas coroas o tratado de Tordesilhas (1494), que estabelece a nova linha de confins dos dois domínios.
Tinham assim os portugueses esperanças de salvar o possível do muito que tinham feito no Atlântico.
Estava D. João preparando uma frota destinada a realizar a primeira viagem redonda de Lisboa à índia, quando a morte o surpreende, em 1495.
Toma-lhe D. Manuel, seu sucessor, a tarefa; e a 8 de julho saía do Tejo a pequena frota de Vasco da Gama.
Descendo este pela costa africana, dobrando o extremo sul, vai, sem grande acidentes, ao cabo de uns dez meses de viagem, atingir Calicute, na costa do Industão.
Estava resolvido o problema secular.
A volta do Gama alvoroça todo o reino; e não só porque as naus vieram abarrotadas de quanto se recolhera no curso da expedição; mas ainda porque se traziam notícias do mais alto interesse para o que se ia fazer ainda no "mar-oceano".
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