O maior escritor brasileiro de todos os tempos pela extensão, unidade e apuro de sua obra, foi um autodidata. Machado de Assis esteve na escola apenas o tempo necessário para aprender a ler e escrever. Aos 17 anos já era tipógrafo da Imprensa Nacional e antes fora sacristão da Igreja da Lampadosa. Filho de um casal pobre de origem negra, numa terra em que a instrução sempre foi difícil para os que não dispõem de largos recursos financeiros, compreende-se que bem pouco tempo esteve ele em convívio com professores. Sua educação fez-se na vida e nos estudos solitários. A profissão de tipógrafo que desempenhou de 1856 a 1858, dos 17 aos 19 anos, transmitiu-lhe o gosto pelas letras. Tanto que, dois anos depois, começa a aparecer o seu nome assinando os primeiros ensaios literários na Marmota Fluminense, na Revista Popular, no Jornal das Famílias e no Diário do Rio de Janeiro.
Como a maior parte dos nossos literatos, Machado de Assis passou primeiro pelo jornalismo: foi colaborador e depois relator do Diário do Rio de Janeiro, ao lado de Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva, transferindo-se a seguir para o Diário Oficial.
Costuma-se apontar o nome de Machado de Assis, nesta terra de precocidades que é o Brasil, como um dos talentos que mais custaram a amadurecer. É bem verdade que ele só publicou o Brás Cubas em 1879, aos 40 anos de idade, mas a esse tempo, já fizera nome nas letras. Seu primeiro livro — Teatro de Machado de Assis — saiu em 1863, quando o autor tinha apenas 24 anos. No ano seguinte publicou o primeiro livro de versos — Crisálidas — que chamou a atenção da crítica literária de então. Dois anos depois, vêm Os Deuses de casaca e a tradução de Os Trabalhadores, de Victor Hugo, e a seguir outra coleção de poesias — Falenas. O prosador apresentou-se ao público com 30 anos de idade, em 1869, quando veio a lume esse livro admirável — Contos Fluminenses, que desponta realmente a maneira de Machado de Assis: a sobriedade de estilo, o apuro da linguagem, a psicologia penetrante aplicada à ficção, o bom gosto feito de simplicidade, a realidade surpreendida por um espectador discreto, esse modo especial de sugerir ao leitor uma grande parte daquilo que deseja dizer, que é um dos segredos do gênio literário do autor de Dom Casmurro.
Os Contos Fluminenses criaram um gênero no Brasil, e Machado de Assis soube desenvolvê-lo através dos livros que se seguiram: Histórias da Meia-Noite”, de 1873; Papéis avulsos, de 1882; Histórias sem data, 1884; Várias Histórias, 1895; e Páginas Recolhidas e Relíquias de Casa Velha, já dos últimos tempos de sua vida.
A ponte do conto para o romance foi constituída por Helena, Ressurreição e Iaiá Garcia, novelas em que já aponta a ironia amalgamada de ceticismo, que forma o fundo psicológico do romancista mais completo da língua portuguesa. Este apareceu, em todo o esplendor de seu gênio, com as Memórias de Brás Cubas, publicado primeiramente na Revista Brasileira de Nicolau Midosi, em 1879, e em volume depois dois anos. Em seguida a esta obra, que marca o apogeu do talento literário de Machado de Assis, vieram: Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires.
São estas as suas principais obras, havendo ainda muitos ensaios, crítica, etc., que foram enfeixados em volumes antes ou depois de sua morte e que revelam, além de segurança e bom senso no julgamento de todos os valores artísticos, a cultura superior e extraordinária ilustração desse homem que se fez sem mestres, que aprendeu sozinho e que, pela força de sua inteligência e a insaciável curiosidade intelectual, se pôs em contato com as mais belas formas do expressão do pensamento humano, conhecendo tudo o que de mais excelente produzira o gênio da espécie, por todo parte.
O que, entretanto, mais singulariza Machado de Assis, não é essa cultura construída pelo seu próprio esforço, nem mesmo o equilíbrio extraordinário de talento e caráter, que o tornou tão respeitado em vida e lhe deu uma posição de grande relevo na sociedade brasileira, a que viera do nada, filho de pais paupérrimos e com ascendentes de ex-escravos, o que mais assombra aos que estudam a obra desse homem, situada no seu tempo, é a maneira violenta, chocante como ela se afasta de tudo quanto a rodeia, como contrasta com as tendências da época e com o que deveria ser a tendência da própria origem humilde do autor. Produzida em plena época do romantismo, quando Victor Hugo ainda era um semideus, ela foge inteiramente aos exageros e aos gostos da escola da moda. Surgida no Brasil, nada tem que se possa classificar de tropical.
Seus mestres, se mestres teve Machado, foram talvez Sterne ou Lamb, mas os ambientes, os tipos, a cultura, tudo é completamente brasileiro. Nem mesmo sua poesia possui os transbordamento sentimentais em que se compraz a Musa Brasileira. Escrevendo versos, tantos anos antes do Parnasianismo realizar sua fulgurante passagem pelo céu das nossas letras, Machado de Assis já é um artífice cuidadoso da forma, um poeta comedido, embora seus poemas estejam cheios de emoção e sinceridade.
Quando suas tendências surgiram em moda, trazidas por outros ventos de além-mar, ele vivia seus últimos dias. Isso serviu para dar grandeza à sua velhice e projetar mais vivamente a sua figura para a Posteridade.
Machado de Assis foi, na vida privada, um homem recatado, modesto e tranquilo. Afável com todos, simples, seu coração abria-se apenas a um pequeno grupo de amigos. Funcionário do Ministério da Agricultura, desdobrado depois em Ministério da Viação, ascendeu a todos os cargos até a posição de Diretor de Contabilidade. Competente, zeloso, assíduo e íntegro. Nasceu em 21 de junho de 1839, na antiga chácara do Livramento, no morro do mesmo nome. Faleceu em 29 de agosto de 1908, numa vivenda modesta do Cosme Velho. Seus pais: Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis. Seu nome por extenso: Joaquim Maria Machado de Assis. Tal é em rápidos traços, a vida literária do maior entre os escritores do Brasil.
Ilustração Brasileira, junho de 1939.
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