A segunda geração romântica: Os poetas
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Desde 1853, com as Obras Poéticas de Álvares de Azevedo,
seguidas das Trovas de Laurindo
Rabelo (1854), das Inspirações do
Claustro de Junqueira Freire (1855), das Primaveras de Casimiro de Abreu (1859), revela-se uma nova progênie
de poetas. Juntam-se-lhe os prosadores, alguns também poetas, José de Alencar,
que estreia em 1857; Macedo, que vinha da primeira, mas como romancista ocupa
nesta um grande lugar e como escritor dramático quase totalmente lhe pertence;
Manoel de Almeida, porventura a mais promissora e infelizmente malograda
esperança da novelística brasileira; Bernardo Guimarães, Agrário de Meneses se
menores ou menos importantes.
Como epígonos da primeira geração
de iniciadores, continuam-lhe a tradição e o labor, influídos ou não por novas
ideias e conceitos literários, Pereira da Silva, Varnhagen, Macedo, Norberto
Silva, além de outros somenos, contemporâneos e companheiros seus.
Principalmente distingue esta
geração da precedente a sua maior liberdade espiritual, e consequente mais
largo conceito estético, quer no seu pensamento geral, quer na sua aplicação à
literatura. Aquele não é mais o estreme idealismo católico dos primeiros
românticos. Ressente-se ao contrário o seu do influxo do ceticismo literário,
do "satanismo", para falar com De
Maistre, de Byron, Musset e outros românticos europeus de feição menos
religiosa que a do primeiro movimento na Europa e aqui. O Brasil também
progredira política, econômica e mentalmente. Ao cabo da primeira metade do
século, asseguradas da independência, a monarquia e a ordem, não havia mais
motivo e lugar para os ardores patrióticos e as paixões nacionalistas de antes.
Na geração literária que surge por esta época, e que será talvez a mais
brilhante de toda a nossa literatura, entra a desvanecer-se a miragem do
indianismo, que justamente por esse tempo João Lisboa, no seu Jornal de Timon, metia pela primeira vez
à bulha. Apesar do grande exemplo e durável sucesso de Gonçalves Dias, e da Confederação do Tamoios, de Magalhães,
publicada em 1856, nenhum poeta caiu mais nesse engano, ao menos com a
convicção ou sentimento dos seus criadores na nossa literatura. Restaurou-o, ou
melhor instaurou-o, no romance José de Alencar, publicando, um ano depois dos Tamoios e no mesmo dos Timbiras, o Guarani.
O pensamento de uma literatura
brasileira, que fora expressamente o de Magalhães e seus companheiros, que a
obra de Gonçalves Dias principalmente avigorara, o reassumira José de Alencar
com mais clara consciência e mais firme propósito de o executar. Pensou
servi-lo criando o romance da vida indígena selvagem ou misturada com a vida
civilizada dos colonizadores, como no Guarani,
ou pura ou quase pura na Iracema e
depois, serodiamente, no Ubirajara.
Mas não obstante o real talento de escritor que neste propósito pôs, e daquelas
duas primeiras obras de mérito verdadeiro com que procurou realizá-lo, ele lhe
ficou infecundo. Não conseguiu empecer a decadência do indianismo, nem assentar
definitivamente o senso nacionalista da literatura brasileira, como o quisera.
Não ficou, entretanto, de todo sem repercussão ou influência. Os próprios
portugueses Mendes Leal e Pinheiro Chagas se meteram a fazer com O calabar (1863), Os bandeirantes (1867), A
virgem guaraciaba (1868), literatura nacionalista brasileira. O estímulo
puramente industrial dessas obras insinua-lhes claramente o malogro. Os jovens
poetas que desde 1850, ainda em antes de publicados em livros, vinham
versejando, não curam mais de índios nem do que lhes concerne. Não são sequer
patriotas no sentido em que o foram Magalhães e os do seu grupo. Nem os
preocupa ao menos a formação de uma literatura nacional. O seu brasileirismo de
todo estreme dos preconceitos nacionalistas, vem-lhe mais do íntimo e é em suma
mais racional. São mais subjetivos, mais pessoais, mais ocupados de si, dos
seus amores, das suas paixões, dos seus sofrimentos e dissabores, que de
literatura ou de política. É menor neles do que fora nos seus antecessores a
influência de Chateaubriand, avoengo do nosso segundo indianismo. Pratica-o
também pela mesma época um outro romancista, Bernardo Guimarães, mas pratica-o
antes por imitação, sem a espontaneidade e menos o talento de Alencar. E sendo
melhor poeta que romancista e tendo poetado copiosamente, jamais poetou do
índio.
Os poetas da segunda geração
romântica possuíram em grau notável a primeira virtude de quem nos quer
comover, a sinceridade. Circunstâncias fortuitas de sua vida fizeram com que
todos eles de fato vivessem a sua poesia ou sentissem realmente o que com ela
exprimiram. Talvez por isso não são artistas mas poetas, com o mínimo de
artifício e o máximo de emoção, em mais de um deles ingênua, conforme convém à
boa arte. O que se lhes pode descobrir de nacional, o seu brasileirismo mais
íntimo que de mostra, como o era o dos da geração anterior, é já a revelação da
nossa alma do povo diferente, como se ela viera formando e afeiçoando em três
séculos de vida histórica e em trinta anos de existência autônoma, a expressão
inconsciente do seu sentir ou do seu pensar, indefinidos sim, mas já
inconfundíveis. Não são brasileiros porque cantem o bronco silvícola destas
terras, ou porque celebram-nas a estas. Não rebuscam temas, nem forçam a
inspiração ao feitio indígena. Com exceção de Gonçalves Dias, que é mais da
primeira geração que desta, nenhum destes poetas é, ainda parcialmente,
indianista, ou tem sequer o propósito nacionalista. Protraem-se estas feições
apenas nalgum mais medíocre ou em um ou outro prosador, cujo provincianismo
sertanejo os sujeitava mais à influência do ambiente nacional, onde mais
vivazes eram ainda as tradições da terra brava e do seu primitivo habitador.
Tais são José de Alencar, que confessa a influência do sertão brasileiro na
germinação do Guarani, e Bernardo
Guimarães, que diretamente dos nossos sertões meio selvagens recebe mais que a
inspiração os assuntos de suas novelas.
Criados e educados já de todo
fora da influência mental portuguesa, são os escritores desta geração menos
portugueses de pensamento e expressão do que os da primeira. O seu brasileirismo,
menos político do que o destes, é mais emotivo, mais de raiz, e por isso mesmo,
está mais nos seus defeitos e qualidades de inspiração e de estilo, que nas
inferioridades da sua manifestação. Conservando muito do sentimento poético
português, do senso da saudade e da nostalgia, da melancolia amorosa que tanto
o distingue, e que em
Gonçalves Dias , embora ardente e voluptuosa, não atinge ainda
a luxúria, o lirismo destes poetas tem já desenganadamente o tom que separa o
lirismo brasileiro do português. Nada o prova melhor que a comparação destes
poetas com os seus contemporâneos portugueses João de Lemos, Soares de Passos,
Mendes Leal, Serpa Pimentel, aos quais pode afirmar-se que ficaram de todo
estranhos os nossos.
Afora em alguns poetas da Renascença
portuguesa como Camões, o lirismo português não foi jamais casto, antes sempre
mais luxurioso que voluptuoso. O lirismo brasileiro, porém, exagera e piora
esta feição. Desde a segunda geração romântica – o da primeira pecara mesmo por
demasiado continente – entra a ser desenfreadamente erótico, como o de um povo
onde o amor nasceu entre raças desiguais e inimigas e portanto entre violências
e brutezas de apetites e carnalidades, e um povo onde a fácil e franca mistura
de uma gente europeia em decadência com raças inferiores e bárbaras devia
produzir um mestiço excessivamente sensual, em todas as acepções do termo. A
influência particular portuguesa que acaso se descobre nesta geração é a de
Garrett. Mas o tom popular que Garrett restituíra à poesia portuguesa e que há
na destes poetas, apenas porventura lhes revê o íntimo brasileirismo, feito sob
a influência do meio ainda matuto, simples e desartificioso. Nessa influência
concorreria a da poesia que andava tradicionalmente na boca das mucamas negras,
crioulas, mamelucas e mulatas que haveriam sido as primeiras educadoras desses
poetas e suas iniciadoras sentimentais, como o foram de gerações de
brasileiros.
A riqueza relativa do seu estro,
se o compararmos ao dos românticos da primeira hora, e ainda aos dos nossos
poetas que imediatamente lhes sucederam, a naturalidade e viveza da sua
expressão, além dos já notados atributos de espontaneidade, sinceridade e
candura, sempre raro na poesia da nossa língua, impuseram estes poetas, mais
que à admiração, à afeição dos seus patrícios. Efetivamente são porventura os
melhores que jamais teve o Brasil, e é incontestável que são ainda hoje os mais
estimados da nação, os mais repetidamente publicados, os mais constantemente
lidos. E a sua influência, que foi grande, ainda não desapareceu. Queira-o ou
não, mais de um poeta atual e não dos somenos, é discípulo dos desta geração.
Não obstante o aumento da cultura, o presumido aperfeiçoamento do gosto e o
desenvolvimento exagerado do reclamo, nenhum poeta nosso depois deles, com
exceção talvez de Castro Alves, que deles aliás procede, teve um número de
reimpressões parciais ou totais e de leitores que estes tiveram.
Com os poetas da segunda geração
romântica, nomeadamente com Álvares de Azevedo, entra um novo motivo na poesia
brasileira, a morte. Cantores da terra, das damas, de magnatas, de temas
abstratos, da natureza, de indivíduos, do amor, da pátria, de sentimentos
personificados e até do sofrimento e da dor, nenhum cantara entretanto a morte,
ou a morte, a despeito de ser um dos grandes temas líricos, não fora para
nenhum, estímulo de inspiração. Estes poetas são todos tristes. A todos eles
contagiou a melancolia de Gonçalves Dias, o primeiro dos nossos poetas com quem
andou a ideia da morte.
Além das heranças ancestrais e
das influências deprimentes do ambiente e de poetas estrangeiros nimiamente
admirados e seguidos, contribuiu para a sua tristeza e desalento a sua fraqueza
física congênita ou sobrevinda, atestada pela existência enfermiça e morte
prematura de todos eles. O que mais velho morreu, Gonçalves Dias, tinha apenas
quarenta e um anos; dos outros nenhum alcançou os quarenta, e os mais deles nem
aos trinta chegaram. Álvares de Azevedo finou-se aos vinte. À natureza débil e
doentia destes poetas juntaram-se em todos eles circunstâncias pessoais de
desacordo com o seu ambiente doméstico ou meio social que lhes agravaram o
triste estado d'alma para o qual já os predispunha a sua astenia. Também
passara a época dos grandes entusiasmos e vastas esperanças criada pelos
sucessos consequentes à Independência e ao 7 de abril. A nação entrava na sua
existência sossegada e pouco estimulante de quaisquer energias.
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